O Conselho Federal da OAB ajuizou ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de medida cautelar, em face de ações e omissões do Poder Público Federal, especialmente do MEC, relativas à condução de políticas públicas de regulação, avaliação e supervisão dos cursos de Direito e das instituições privadas de ensino superior. De acordo com a inicial, a via processual eleita era a única modalidade apta ao controle abstrato dos atos então narrados.
Pois bem, a OAB questiona os critérios e as metodologias de avaliação aplicáveis, que não estariam sendo capazes de aferir a qualidade das instituições e dos cursos de Direito, o que serviria a uma expansão desordenada do ensino jurídico.
Diante de tais argumentos, pretende obter a suspensão dos processos de autorização de novos cursos e vagas na área do Direito pelo prazo de 5 anos, até que seja possível verificar a qualidade dos cursos existentes e reformular os marcos regulatórios em termos compatíveis com a garantia de qualidade do ensino superior.
Em sede liminar, requereu a suspensão de novas autorizações, no marco temporal do Decreto Legislativo 6/2020.
O Conselho também pleiteia que o Supremo reconheça o Estado de Coisas Inconstitucional, possibilitando a (re)construção conjunta de novos mecanismos e indicadores.
O Estado de Coisas Inconstitucional
Interessante pontuar que o instituto Estado de Coisas Inconstitucional foi recentemente introduzido no ordenamento brasileiro e deve ser recebido com parcimônia pelo judiciário. Afinal, trata-se de instituto excepcional, tal como o são os mecanismos de intervenção, a deflagração dos estados de defesa e de sítio, e o uso excepcional das Forças Armadas e, caso o Supremo o reconheça, estará expressando um contexto de instabilidade institucional.
De toda sorte, ainda que guarde as características mencionadas, não se caracteriza como mera supremacia judicial, mas como uma colaboração do Poder Judiciário para solucionar a questão em juízo, como bem exposto pelo professor Rafael de Lazari.
Ações e omissões atribuídas ao MEC
Na presente arguição, o Ministério da Educação é chamado a responder pelas ações e omissões no âmbito da condução de políticas públicas de regulação, avaliação e supervisão dos cursos jurídicos e das instituições privadas de ensino.
O Conselho atesta que o MEC vem se utilizando de critérios e indicadores inadequados à aferição de qualidade dos cursos jurídicos para fins de autorização ou renovação de cursos e de ampliação de vagas; que há ausência ou ineficácia da atividade de supervisão e fiscalização dos cursos jurídicos e das instituições de ensino privado; que há omissão em adotar medidas adequadas e efetivas para frear o crescimento desmedido de cursos jurídicos e de vagas e que há omissão em implementar mudanças regulatórias para adequar os instrumentos e as metodologias de avaliação dos cursos, em resposta aos resultados insatisfatórios apresentados, sobretudo, no desempenho discente.
Não há questionamento de ato normativo específico, mas sim da política educacional de abertura e de ampliação das vagas dos cursos jurídicos ofertados por instituições privadas de ensino, a qual segue – de acordo com a OAB Federal - critérios e indicadores previstos em atos secundários ou infralegais. O apelo ao STF busca a determinação de medidas de correção da política vigente, que estariam falhas e insuficientes, agravadas pela omissão estatal em tomar medidas para cessar o quadro de grave lesão a preceitos fundamentais.
O fundamento jurídico principal da peça inicial é o de que a Constituição da República condiciona a expansão do ensino à garantia de qualidade e que, neste momento em que estão sendo dispensadas as avaliações in loco, por conta do isolamento social, o parecer final irá, em regra, apenas reiterar a conclusão obtida na fase de admissibilidade, o que vem provocando graves e importantes falhas no processo, como, por exemplo, deixar de contemplar a avaliação de desempenho discente via ENADE.
As disfunções do atual sistema de avaliação do ensino superior passariam por insuficiências e falhas na política vigente, por problemas de avaliação atestados pelo Tribunal de Contas da União, divergência entre os resultados dos indicadores nos cursos de Direito, expansão desordenada dos cursos e baixo desempenho estudantil.
Neste ponto o Conselho salienta que, embora o MEC tenha elevado o Conceito de Curso exigido de três para quatro, e tenha decidido pela necessidade de prévia visitação in loco para a autorização e a renovação de cursos, os resultados práticos dessas exigências não têm sido satisfatórios.
O Conselho Federal da OAB também alega mercantilização do ensino superior em Direito e se fia na suspensão da autorização de novos cursos de Medicina pelo prazo de cinco anos.
Suspensão dos processos de autorização
O Conselho Federal da OAB havia requerido ao MEC a suspensão dos processos de autorização, medida semelhante àquela adotada para as graduações em Medicina. O pedido foi negado, sob argumento de que o Ministério não deteria competência para tal.
O que temos presenciado, todavia, é que, no geral, os prazos de abertura de processos no MEC têm sido adiados, justamente em razão do isolamento social provocado pela pandemia da COVID-19. O que tem sido percebido é um atraso em relação aos processos administrativos de emissão de atos autorizativos cujos pedidos foram protocolados no final de 2019.
Muitos processos, dentre eles também processos relativos a cursos de Direito, ficaram estacionados na fase de análise documental, que já deveria ter sido finalizada.
Não é esse, enfim, o clamor contido na peça inicial do Conselho Federal da OAB. A ação pede a declaração de Estado de Coisas Inconstitucional (ECI), de modo a se reconhecer o descumprimento de preceitos constitucionais e a se possibilitar a adoção de medidas estruturais de reforma do ensino jurídico.
A peça também se mostra contrária a um possível estudo do MEC de autorizar cursos superiores de Direito à distância, os quais, a seu único critério, não seriam capazes de assegurar a qualidade do ensino desejado.
Pois bem, ao final, o Conselho Federal da OAB requereu a concessão de medida cautelar para suspender a criação de novos cursos de Direito e a ampliação de vagas nas instituições privadas de ensino superior, bem como suspender a eficácia de autorizações de cursos jurídicos que ainda não iniciaram seu funcionamento e de novas vagas autorizadas, mas ainda não implementadas, enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da situação de emergência relacionada ao coronavírus.
E pleiteia a procedência do pedido de mérito, para:
reconhecer o Estado de Coisas Inconstitucional referente à situação do ensino jurídico;
determinar a reformulação dos critérios e procedimentos de avaliação dos cursos jurídicos;
assegurar a efetiva participação da entidade requerente em todas as fases do processo de reformulação;
determinar a imediata realização de diligências nos cursos de Direito com conceito Enade 1 e 2 ou que não possuem conceito Enade quando já o deveriam ter;
determinar a suspensão de novos pedidos de autorização de cursos jurídicos ou de expansão de suas vagas em instituições de ensino privadas, em qualquer modalidade de ensino (presencial ou EaD), pelo prazo renovável de 5 (cinco) anos; e
determinar a suspensão de eficácia de autorizações de cursos jurídicos que ainda não iniciaram seu funcionamento e de novas vagas autorizadas, mas ainda não
implementadas, pelo prazo renovável de 5 (cinco) anos.
O ministro Ricardo Lewandowski, para quem a ação foi distribuída, julgou inviável a tramitação, justificando-se pela inadequação da ADPF para a pretensão da entidade.
No seu sentir, o princípio da separação dos poderes seria prejudicado caso houvesse a incursão do Judiciário em seara de atuação privativa da administração pública federal, substituindo-a na tomada de decisões de cunho político-administrativo, sobretudo tendo em conta a importância das providências pretendidas na ADPF, cujo objetivo é a reformulação dos critérios e procedimentos de avaliação dos cursos jurídicos em todo o país, com a imediata realização de diligências nos cursos de Direito indicados pelo autor, bem como a suspensão de novos pedidos de autorização e do funcionamento dos já autorizados.
Segundo o ministro, essa apreciação compete exclusivamente ao Poder Público, em face das situações concretas com as quais se defronta, sem prejuízo do posterior controle de constitucionalidade e legalidade por parte do Judiciário.
Também afirma que não se pode constatar de imediato a ocorrência de atos comissivos ou omissivos francamente inconstitucionais dos gestores públicos ligados ao ensino superior, afigurando-se, no mínimo, prematuro concluir pelo descumprimento dos preceitos fundamentais apontados na inicial, em que pesem os generosos propósitos que inspiraram os seus subscritores.
A conclusão foi a de que a ADPF não constitui meio processual hábil para acolher a pretensão nela veiculada, não cabendo ao STF substituir a administração pública na tomada de medidas de sua competência, providência essa que só tem sido admitida em situações excepcionalíssimas, o que não ocorre com a hipótese sob análise.
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