Trabalho muito interessante publicado pelo Gestor da Internet (CGI.br) em setembro desse ano, intitulado Educação em um cenário de plataformização e de economia dos dados: problemas e conceitos, traz de forma bem didática um panorama do que é, afinal a plataformização da educação, tema que se tornou tão recorrente a partir do início da pandemia da Covid-19.
O texto atenta para o fato de que não podemos ter um olhar ingênuo para o que diversas pessoas têm chamado de plataformização educacional. Porque ela não seria uma simples transposição digitalizada das instituições que foram construídas historicamente e amadurecidas até o século XX e sim, segundo o estudo, “uma reinvenção acelerada de relações sociais que, agora, acontecem em um novo plano, com características técnicas específicas e povoado por alguns velhos, mas certamente com novos atores, muitas vezes de poder desproporcional na disputa”.
Mas, principalmente em um momento em que temos crescimento de 474% em uma década no número de vagas EAD, precisamos sim ter cuidado ao definir esse processo, exemplo emblemático do tamanho dos desafios que acompanham as novidades.
Rafael Evangelista, conselheiro do CGI.br e coordenador do GT Plataformas Educacionais, responsável pelo texto mencionado, faz análises muito pertinentes e interessantes sobre a questão. Ainda na apresentação, discorre que a escola, seja em seus níveis básicos ou avançados, não se reduz a um mecanismo de introjeção de conhecimentos enciclopédicos ou de desenvolvimentos de habilitações para o mundo do trabalho. Ela é um espaço de socialização e de formação de cidadãos para a vivência democrática.
Um espaço em que não apenas se aprende e se reflete sobre as regras da natureza e da sociedade, mas em que se estabelece uma vivência formativa, capaz de preparar os sujeitos para o convívio com as diferenças e para a coordenação de ações conjuntas.
E aí vem a modificação da modernidade: se a escola é forçada a funcionar no todo ou em parte como parte de uma plataforma na internet, como serão os impactos dessa mudança na escola como a conhecemos há décadas? Existe um espaço escolar se as salas são conferências em vídeo? O professor vai conhecer seus alunos se as interações fora de classe, quando existem, são meras trocas de mensagens? Vamos ter que vigiar os alunos? E a questão das provas a distância?
Só de fazer a transição do físico para o digital já enfrentamos essas questões. Ocorre que esse processo é bem mais complexo.
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Quando a pandemia foi oficializada no Brasil, uma perspectiva sobre a adoção das plataformas informacionais na educação foi levada ao pleno do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Isso ainda em um momento em que ocorriam reuniões remotas. Naquela conjuntura, eles identificaram que o cenário era preocupante e necessitava de várias ações de acompanhamento, estudo e recomendações, que são parte – de fato - da missão do comitê.
A propósito, para conhecimento, o Comitê Gestor da Internet no Brasil tem a atribuição de estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil e diretrizes para a execução do registro de Nomes de Domínio, alocação de Endereço IP (Internet Protocol) e administração pertinente ao Domínio de Primeiro Nível ".br". Ele também é responsável por promover estudos e recomendar procedimentos para a segurança da Internet e propõe programas de pesquisa e desenvolvimento que permitam a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso da Internet.
Desde 1995 o Ministério das Comunicações (MC) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) afirmavam a importância de se constituir um Comitê Gestor da Internet no Brasil, ocasião em que se iniciaram os trabalhos a respeito, foram publicadas algumas normativas até que, em 2003, o Decreto 4.829, sobre o modelo de governança da Internet no Brasil, é publicado. Também vale lembrar da publicação e início da vigência do Marco Civil em 2014.
Enfim, com o aumento do uso das plataformas virtuais para o processo escolar, o CGI.br instituiu o Grupo de Trabalho Plataformas para a Educação Remota. Várias eram as questões para debate: a manipulação de dados pessoais de populações vulneráveis (crianças e adolescentes) ou como se poderiam demandar ações estratégicas para o melhor uso da Internet no Brasil e o incentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional.
Os objetivos do grupo de trabalho eram apresentar um panorama, através de levantamento de informações abrangentes sobre o uso de plataformas educacionais por escolas tanto do Ensino Fundamental quanto do Ensino Médio e Superior, indicando quais as plataformas utilizadas e as respectivas empresas que as controlam; promover estudos sobre o modelo, uso e adoção dessas plataformas à luz dos Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil, em especial quanto aos princípios da privacidade, da liberdade de expressão e da diversidade.
Também levantar práticas e desenvolvimentos locais, empresas nacionais e pesquisas acadêmicas que atendam às exigências das normas educacionais brasileiras e que possam fornecer infraestrutura e serviços que unam inovação científico-tecnológica nacional à participação multissetorial no desenvolvimento. Por fim, o grupo de trabalho tinha por objetivo elaborar proposta de publicação reunindo estudos e eventuais recomendações a serem aprovadas pelo pleno do próprio CGI.br.
Plataformizar a educação
Um dos objetivos do CGI.br também é definir o significado de ´plataformizar a educação´. Porque o fenômeno é multidimensional e interpretá-lo depende de vários campos do conhecimento. Além da questão da educação propriamente dita de forma virtual,
"... significa, necessariamente, abdicar – seja por uma emergência como a Covid-19, seja porque a Internet faz hoje parte de nossas vidas – de um mundo com o qual lidamos e experimentamos há séculos para adentrar um ambiente de novas determinações tecnopolíticas...". (Trecho do texto Educação em um cenário de plataformização e de economia dos dados: problemas e conceitos, Gestor da Internet (CGI.br))
E, se mesmo antes da pandemia, o uso de plataformas no ensino já vinha sendo foco de pesquisas e estudos, durante esse evento o fenômeno da plataformização na educação ganhou ainda mais visibilidade, gerando preocupações na comunidade acadêmica e em organizações sociais atuantes em direitos humanos em diversos países.
Os estudiosos percebem uma concentração de poder de mercado em um grupo muito pequeno de empresas que coletam dados dos usuários para “monitoramento, vigilância e controle, seja pelas próprias empresas, seja pelas agências de espionagem internacional que interceptam tais dados”. E, no caso, como eles mesmos advertem, não há uma supervisão pública ou auditoria sobre os algoritmos utilizados para ofertar serviços a centros de formação, pesquisa e disseminação do conhecimento científico do país, além do uso para veicular propaganda.
Precisamos atentar para o fato de que há um risco de ficarmos dependentes de tecnologias fechadas e estrangeiras, o que, de acordo com o texto citado, obriga o cidadão, quando se utiliza do acesso à educação, a aderir de forma compulsória a um mercado específico e ser obrigado a dar seu consentimento em relação ao tratamento de dados caso queira dar seguimento a esse contrato.
Plataformizar a educação, portanto, não é apenas e simplesmente fazer uso de plataformas virtuais para prestar serviços educacionais. É adentrar em um universo (relativamente) recente que exige a análise pelos gestores públicos e privados de várias questões importantes quando são adotadas as plataformas disponibilizadas por empresas privadas, por exemplo. É analisar também o tópico pertinente aos direitos de crianças e adolescentes no cenário, destacando questões sobre IA, dados e gestão educacional.
Um exemplo de questão crucial: a responsabilidade sobre os dados dos alunos é atribuída às instituições de ensino que aderem aos serviços das plataformas digitais; e são elas que devem obter consentimento de pais/mães de crianças e adolescentes usuários. Enquanto isso, as plataformas são explícitas sobre a possibilidade de usarem os dados para a melhoria dos próprios serviços.
Temas como esses e a referência às normativas que tratam de alguma forma sobre a adoção das plataformas na educação são tratados no relatório que dá corpo ao texto que mencionamos nessa ocasião. O importante, por agora, é o entendimento de que há pontos importantes para estudo e debate no processo de ´plataformizar´ a educação, como conhecer o que significa:
A educação na era da economia de dados
O fluxo internacional de dados
Inteligência artificial e Gestão Educacional
Enfim, indicamos a leitura completa do relatório utilizado como fonte de nosso texto, excelente para uma melhor e mais exata compreensão dos desafios que os gestores educacionais irão encarar diante da educação na era digital.
As transformações e as novas formas de organizar a sociedade, bem como as novas transações econômicas atingem diretamente a escola e a universidade e não podem ser renegadas.
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