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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

A reorganização do calendário escolar: como ficam as atividades práticas?

Atualizado: 26 de nov. de 2020

A prática certamente é parte importante para a educação hoje em dia. Cursos que aliam teoria e prática, cursos hands on, cursos baseados em projetos com aplicação concreta são modelos contemporâneos e importantes.

Mas a importância da prática nos cursos superiores não é novidade.

Cursos de Nutrição, por exemplo, seguem, desde 2001, diretrizes que determinam que as atividades de estágio curricular devem ser eminentemente práticas e sua carga horária teórica não poderá́ ser superior a 20% (vinte por cento) do total por estágio (Art. 7º, parágrafo único, da Resolução CNE/CES nº 5). E, mesmo em diretrizes recentes, como a dos cursos de Publicidade e Propaganda, Parecer CNE/CES 146/2020, que ainda aguarda homologação, a relação entre prática e teoria é valorizada.


A prática como estágio ou mesmo a prática no ambiente das instituições de ensino, porém, não é desvinculada da teoria e da pesquisa. No exemplo acima, dos cursos de Nutrição, está explícito que parte do estágio pode ser de carga-horária teórica e nas diretrizes propostas para Publicidade e propaganda consta que a articulação teórico-prática está ligada e deve propiciar o ensinar com ou a partir de pesquisa e deve ser um elemento constitutivo e fundamental do currículo (Art. 5º, da minuta de resolução produzida pelo CNE, grifo nosso).


Enfim, cursos superiores podem aliar teoria, pesquisa e prática de forma harmônica e, são muitas vezes, indissociáveis.


Essas questões, que se refletem nas várias diretrizes curriculares dos cursos superiores, colidem com a visão reducionista aparentemente contida nas normas recentes do MEC sobre o período de pandemia, uma visão que ficou clara na Portaria 343, modificada pela Portaria 345/2020, na qual consta a seguinte proibição:

Art. 1º Fica autorizada, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.
[...]
§ 3º Fica vedada a aplicação da substituição de que trata o caput às práticas profissionais de estágios e de laboratório. (grifamos)

Tal regra é absurda se analisada a partir das diretrizes mencionadas acima. Ora, como separar prática e teoria nos estágios de Nutrição para saber o que pode ser ofertado de forma não presencial? Ou como separar o quanto da prática em Publicidade e Propaganda é pesquisa, para evitar descumprir a regra do MEC? Nos dois casos inexistem respostas consistentes. E o caso da Publicidade e Propaganda é ainda duvidoso, porque parte da prática prevista nas diretrizes deve ser relacionada a tecnologias de mediações comunicacionais digitais (Art. 6º).

Além disso, como bem ressaltaram algumas instituições em recente consulta pública feita pelo CNE, muitas atividades práticas, ligadas ao ato de vivenciar e ao aprendizado do fazer, podem ser feitas de forma não presencial. Nesse sentido, alunos de Direito podem continuar atuando em processos reais que correm nos ambientes virtuais dos tribunais brasileiros e aprendizes-médicos poderiam atuar em telemedicina, vivenciando algo que, além de prático, é coevo.


Diante deste contexto e do resultado de sua consulta pública, o Conselho Nacional de Educação, no Parecer 005/2020, ao deliberar sobre reorganização do calendário escolar, também tratou das atividades práticas com esse viés contextualizado e moderno. Objetivamente, no referido parecer recomendou que:

- adotar atividades não presenciais de práticas e estágios, especialmente aos cursos de licenciatura e formação de professores, extensíveis aos cursos de ciências sociais aplicadas e, onde couber, de outras áreas, informando e enviando à SERES ou ao órgão de regulação do sistema de ensino ao qual a IES está vinculada, os cursos, disciplinas, etapas, metodologias adotadas, recursos de infraestrutura tecnológica disponíveis às interações práticas ou laboratoriais a distancia; (p. 18 e 19, grifo nosso)


A partir desse novo posicionamento, passou a existir justificada expectativa das Instituições de Ensino Superior de que as genéricas e descontextualizadas proibições das Portarias MEC 343 e 345/2020, transcritas acima, fossem revogadas.


Ora, o parecer do CNE deixava clara uma nova posição do órgão que, de acordo com a Lei 4.024/1961, tem competência para “analisar questões relativas à aplicação da legislação referente à educação superior” (Art. 9º. § 2º, “h”).

E essa mudança de posicionamento era respaldada, ainda, pela realidade concreta do ensino superior, que, além dos casos citados acima, também traz vários outros exemplos de que as práticas podem ser não presenciais.

Entretanto, a posição do MEC foi externada por sua Secretaria de Regulação em uma comunicação no sistema eletrônico veiculada no sábado, dia 23 de maio de 2020. O comunicado diz o seguinte:

Senhor(a) Representante Legal, Senhor(a) Procurador(a) Institucional,
Visando dar cumprimento ao princípio constitucional da garantia de padrão de qualidade do ensino, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação (SERES/MEC) vem perante à comunidade acadêmica reforçar a vedação de substituição de atividades práticas, atividades profissionais, de estágios e laboratório por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, nos termos da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020.
Conforme se depreende da interpretação conjunta do art. 82 da Lei nº 9.394/1996 e art. 1º da Lei nº 11.788/2008, o estágio é ato educativo escolar supervisionado, necessariamente desenvolvido no ambiente de trabalho, razão pela qual o § 3º do art. 1º da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, ainda que tenha flexibilizado a oferta das aulas teóricas, excetuou a possibilidade do desenvolvimento do estágio por meio de tecnologias de informação e comunicação.
A SERES está ciente das dificuldades vivenciadas pelo setor educacional em decorrência da pandemia de Covid-19, contudo, entende que a experiência prática no mercado é fundamental para a formação do aluno. Por esse motivo, o estágio e as atividades práticas, mesmo no momento atual, não podem ser ofertados por meios e tecnologias de informação e comunicação e nem substituídos por aulas ou atividades teóricas.
Assim, a SERES/MEC, ao veicular tal comunicado, pretende, de forma preventiva e educativa, reforçar a proibição contida no art. 1º, § 3º, da Portaria nº 343/2020, informando que a prática de estágio paralisada pela pandemia de Covid-19 deverá ser objeto de reposição futura, ao fim do período de emergência, a título exemplificativo, pela programação de atividades escolares no contraturno ou em datas programadas no calendário original, como dias não letivos, podendo se estender para o ano civil seguinte. Ressaltamos que a SERES está monitorando as IES de forma ordinária e nas denúncias já recebidas, e eventual descumprimento aos termos da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, ensejará a instauração de processo de supervisão e eventuais sanções (arts. 65, 72, X e 73, do Decreto nº 9.235/2017).
Atenciosamente,
Secretaria de Regulação da Educação Superior
SERES/MEC (grifo nosso)

O texto, muito focado no estágio, tratou de todas as práticas na medida em que refere e reitera o Art. 1º, § 3º, da Portaria 343/2020.

Esta é uma posição incorreta e insustentável: primeiro porque quem analisa a aplicação das normas educacionais não é a SERES/ MEC, como exposto acima. Essa competência é atribuída por lei ao CNE; em segundo lugar, porque não dialoga com as diretrizes curriculares e não respeita a autonomia das Instituições de Ensino na execução de seus projetos pedagógicos (Art. 12, I, da LDB).


Além disso, a manifestação é preocupante, pois dá a entender que o parecer do CNE pode não ser homologada em face da divergência entre os órgãos.


Talvez essa possa parecer mais uma das tantas dicotomias do Brasil atual. Um jogo perigoso, no qual a pós-verdade às vezes prevalece. No qual fatos e fundamentos só valem até serem revistos por novos pronunciamentos.


Mas o problema é mais grave. A divergência, neste momento grave e às vésperas de uma transição imposta justamente por outra dicotomia falsa – entre economia e saúde -, ficar sem a orientação do CNE causará sensível insegurança, que afetará não apenas o sistema federal de educação, mas também os sistemas estaduais.

Enfim, agora só nos resta esperar e torcer pela homologação do parecer do CNE, que, hoje, é o mais próximo de uma verdade científica que esperam ter todos aqueles que estudam a educação e, como nós, o Direito Educacional.



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