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Juarez Monteiro

As inconsistências da legislação educacional e Portaria MEC 541/2020

Atualizado: 30 de jun. de 2021

No dia 26 de novembro, o MEC divulgou Portaria que aplica duras penalidades às IES que não procederam ao protocolo de pedido de recredenciamento, modalidade de processo regulatório que sequer está sendo avaliada no período da pandemia.


Algumas delas, espaços de excelência no ensino brasileiro, por uma questão formal, correm o risco de um grave e irreparável prejuízo à imagem e ao autofinanciamento.


Os atos de recredenciamento institucional são atos periódicos de controle da qualidade das Instituições de Ensino Superior; por isso, seu protocolo realmente é importante. Entretanto, ao longo dos anos tornou-se mera formalidade e sequer estava claro o momento correto para fazê-lo. Além disso, o recredenciamento nunca foi prioridade para o MEC, que muitas vezes retardava sua análise, chegando ao ponto de sobrestar todos os processos desse tipo por um ano, prorrogando a medida por igual período (Portaria 796, de 2 de outubro de 2020).

Como chegamos à situação atual?


O ato de recredenciamento resulta em uma nova portaria para as IES, funcionando como uma renovação de sua autorização estatal: um ato tipicamente regulatório. Porém, durante muito tempo esteve totalmente vinculado – ou foi confundido – com os atos de avaliação, também periódicos.


Esta vinculação era exagerada, pois há uma diferença entre ciclos avaliativos e ciclos regulatórios.


Ciclos avaliativos eram períodos determinados de forma genérica pelo Decreto 5.773/2006, com a previsão de prazos máximos de 10 anos para universidades e de 5 para centros universitários e universidades. Coube ao INEP, responsável pela avaliação de cursos e instituições de ensino superior, operacionalizá-los e isto foi feito em períodos de avaliação de 3 anos, que coincidem com três grupos de cursos que são avaliados no ENADE.

Ciclos regulatórios, em tese, deveriam ser um prazo determinado, contado a partir da publicação das portarias, com avaliações feitas in loco e sem a possibilidade de prorrogação a partir de resultados de provas dos alunos, ou seja, do ENADE.


Essa mistura de ciclos, com prorrogações não muito bem definidas, preconizada nas normas até 2017, criava confusão e levou o próprio MEC a ser leniente com as avaliações de recredenciamento, como é bem mais simples utilizar o resultado do ENADE do que avaliar in loco milhares de IES como previsto na Lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES (Lei 10.861/2004), os recredenciamentos foram reiteradamente postergados.


No final de 2017 o sistema mudou. O Decreto 9.235 firmou a noção de que o prazo regulatório deve constar dos atos de credenciamento e tratou da questão do protocolo de forma mais dura, prometendo assumir uma postura de cobrança e monitoramento. Nesse sentido, o Decreto trouxe algumas mudanças, mas a alteração mais relevante para o recredenciamento veio na definição das punições em relação a ausência de protocolo do processo. O quadro abaixo ajuda a comparar as regras:



No Decreto de 2006, o único dispositivo que contém a palavra “ausência” trata da existência ou não do ato autorizativo e menciona a possibilidade de cautelares e do recurso. Na norma de 2017, são vários os dispositivos que contém a palavra, mas nenhum deles prevê recurso e o artigo específico citado na Portaria 541/2020 (Art. 26) impõe uma penalidade automática em face da simples ausência de protocolo no prazo.


Essa nova abordagem revela o que é, neste momento, a base insólita de um problema. Depois de anos de indefinição quanto a um prazo de recredenciamento, a norma confusa foi substituída por uma supostamente mais direta, que tenta simplificar a contagem do prazo, mas que também modifica a essência do ato punitivo, que se torna indevidamente cautelar e sem possibilidade de recurso.


Porque as penalidades aplicadas pela Portaria 541/2020 não têm sentido?


Em virtude das penalidades descritas no Art. 2º da Portaria, a IES ficará: (1) impedida de solicitar aumento de vagas em cursos de graduação; (2) impedida de admitir novos estudantes nos cursos de graduação ou de pós-graduação lato sensu; (3) impedida de criar cursos e polos de educação a distância. Além disso, a mantenedora fica (Art. 4º e 7º): (4) impedida de protocolar novos processos de credenciamento pelo prazo de dois anos; (5) com os processos regulatórios de todas as suas mantidas sobrestados.


Tais penalidades são desproporcionais, pois a ausência de protocolo não indica que a Instituição esteja desativada. Bloquear totalmente o funcionamento da IES apenas pela falta do protocolo é um exagero.


Desproporcionais e desarrazoadas, já que em 2020 não houve visitas de avaliação e, de acordo com norma do próprio MEC - já citada - os processos de recredenciamento estão suspensos por no mínimo um ano. A cronologia dos fatos causa, sim, estranheza, pois a Portaria 541 aplicou penalidades em novembro, mesmo após a publicação da Portaria 796, que sobrestou os recredenciamentos em outubro.


Mais ainda, a Portaria 796 menciona que:

Art. 3º Para confirmação do interesse da entidade na manutenção de seus processos, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior poderá solicitar a reapresentação dos processos protocolados até 17 de dezembro de 2017, cujos critérios serão definidos no calendário anual de abertura do protocolo de ingresso de processos regulatórios de 2021. (grifamos e sublinhamos)

Ou seja, processos antigos, cujos prazos de protocolo venceram antes de 2017, poderão ser reapresentados em 2021 e processos cujos prazos de protocolo venceram até outubro de 2020 não poderão (Art. 1º da Portaria 541/2020).

Situação inconcebível.


Demonstrar rigor com o prazo de recredenciamento em uma época tão incomum como 2020 – ano de pandemia, com impactos nunca vistos – já seria incomum. Mas o formalismo é ainda mais evidente tendo em vista que o Poder Público não havia nem avaliado processos antigos sob sua responsabilidade, sem contar que os protocolos de recredenciamento ficaram suspensos por mais de um ano.

Se o MEC não costuma avaliar os recredenciamentos em prazo razoável, dificilmente as duras sanções aplicadas têm como finalidade atender a um cronograma de avaliações de qualidade.


Desarrazoadas e desproporcionais as penalidades impostas pela Portaria 541/2020.


Quais as ilegalidades contidas na portaria que impôs as sanções?


Além de ferir os princípios da razoabilidade e proporcionalidade na medida em que impõe graves penas para a falta de protocolo de um processo que sequer seria avaliado nos próximos anos, a Portaria 541/2020 contém outras ilegalidades.


A primeira já foi mencionada: trata-se da inexistência de previsão de recurso administrativo em face das sanções diretas e indiretas. A ausência dessa previsão deu-se com o Decreto 9.235/2017 (contrariamente ao seu antecessor), dificultando a defesa das Instituições e mantenedoras. É uma grave situação, pois fere o direito à ampla defesa, ao contraditório e cria uma contradição em face da Lei de Processo Administrativo Federal.


A segunda é que existe uma incompatibilidade entre a exigência e os prazos impostos por calendário do MEC. Os prazos de protocolo vencem em datas esparsas durante o ano e as datas de protocolo de recredenciamento são pré-determinadas por meio de “janelas” ou períodos curtos de um mês a cada semestre. Dessa forma, a confirmação do prazo e de eventual atraso ficam prejudicados, pois não fica claro se um recredenciamento que vence em 2 de agosto, por exemplo, teria de ser protocolado na janela anterior ou pode sê-lo na posterior. A determinação exata da data de vencimento e do prazo de recredenciamento é tema jurídico relevante.


Outra questão relevante é a contradição existente no próprio Decreto 9.235. Essa norma, no Art. 26, prevê uma espécie de punição automática. Mas, no Art. 72, IX, considera o mesmo fato (“ausência de protocolo de pedido de recredenciamento e de protocolo de reconhecimento ou renovação de reconhecimento de curso no prazo e na forma deste Decreto”) potencial irregularidade administrativa, da qual se pode recorrer.


Ora, se o fato de não protocolar o recredenciamento puder ser uma irregularidade, as IES têm direito de serem consideradas inocentes até o fim do processo, essa é uma presunção de cunho constitucional que não pode ser afastada por norma alguma. Sendo assim, a aplicação de penalidades antes da conformação em processo administrativo de qualquer irregularidade é ilegal.


Por fim, cabe demonstrar que o próprio decreto é norma ilegal neste ponto, pois deixa de prever a possibilidade de saneamento de deficiências previsto na LDB. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê claramente que:

Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior, terão prazos limitados, sendo renovados, periodicamente, após processo regular de avaliação.
§ 1º Após um prazo para saneamento de deficiências eventualmente identificadas pela avaliação a que se refere este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar, conforme o caso, em desativação de cursos e habilitações, em intervenção na instituição, em suspensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou em descredenciamento.

Não há um viés punitivo na lei, ao contrário do que pode ser visto no Decreto de 2017. Além disso, está claro que as “deficiências eventualmente identificadas” somente serão discutidas após prazo para saneamento e reavaliação das instituições. E, mais, que eventual descredenciamento não pode ser considerado antes dessa avaliação.


Se a instituição está credenciada, não teve prazo para saneamento e não há perspectiva de reavaliação, é ilegal proibir o gozo dos direitos inerentes ao credenciamento, tais como oferta de processos seletivos, cursos ou protocolo e andamento de processos regulatórios.


E essas penalidades também atingem o Art. 7º da LDB, que trata da necessidade de autofinanciamento. Proibir o ingresso de novos alunos nesse momento de crise definitivamente dificulta o financiamento privado e cria uma contradição entre a portaria e as diretrizes da lei educacional.


Em resumo, analisado todo o que foi mencionado aqui, é possível concluir que impor penalidades quanto a prazos ao mesmo tempo que suspende os seus e aplicar penalidades sem garantir ampla defesa e contraditório é uma postura incoerente e, cabe dizer, muito injusta.


A única vantagem é desnudar a inconsistência das normas e práticas regulatórias educacionais vigentes, que merecem pronta revisão pelo MEC, iniciando pela discussão da Portaria 541/2020.



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