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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

Como as ferramentas de IA podem colaborar (ou não) com a equidade no ensino superior

A inteligência artificial vem prometendo apoiar a educação inclusiva, mas esta mesma tecnologia também parece, em algumas circunstâncias, aumentar as diferenças entre os estudantes. Exatamente se e como isto ocorre que se questiona a autora do texto How AI Tools Both Help and Hinder Equity, publicado na revista eletrônica Inside Higher Ed.


Pois bem, quando se fala de IA, sabemos que os professores têm passado por um período conturbado; muitos precisaram redesenhar seus planos com os alunos, vide o sucesso do ChatGpt. Em meio a todos os acontecimentos tecnológicos, os professores também se depararam com um paradoxo: novas ferramentas de linguagem começaram a oferecer assistência aos alunos, reforçando suas habilidades criativas, de pesquisa, redação e resolução de problemas. Os estudantes com deficiência podem se beneficiar imensamente destas possibilidades da IA, mas elas também ‘trabalham’ reproduzindo um viés, uma tendência geral de forma sistemática, que pode ampliar a lacuna educacional como outra tecnologia ainda não operou.


O que quer dizer? Os alunos que já possuem maiores habilidades saberão, por exemplo, como elaborar perguntas para as ferramentas de processamento de linguagem e obterão melhores resultados. “Os ricos estão ficando mais ricos”, nas palavras de Lewis Ludwig, professor de Matemática e diretor do Centro de Ensino e Aprendizagem da Denison University.


As instituições de ensino superior podem disponibilizar instrutores/tutores para ajudar os alunos que necessitarem navegar nas novidades da IA, o que já acontece em algumas instituições norte-americanas. Mas estes esforços exigem uma - vamos dizer - calibração diferenciada e, no nosso entender, inclui mostrar ao aluno que ele não pode se sentir mais confiante com o resultado de uma ferramenta de IA do que com seu próprio trabalho. Caso contrário, ele vai investir menos esforço nos estudos e vai moldar suas produções nos resultados da ferramenta.


Voltando ao texto acima mencionado, existe a afirmação de que muitos alunos norte americanos, ao migrarem de instituição de ensino ao longo de suas trajetórias acadêmicas, podem se chocar com uma nova realidade depois do ChatGPT, por exemplo. Por que os vários estados do país possuem qualidades diferentes de banda larga; alguns deles, como a Califórnia, possuem boa banda larga, mas, ainda assim, 40% dos estudantes latinos estão em grave desvantagem digital.


Além disso, alguns calouros terão se formado em escolas secundárias que baniram as ferramentas baseadas em IA, enquanto outros já terão tido ricas experiências com a tecnologia em sala de aula.


Podemos dizer que no Brasil vivemos algo parecido. Um número reduzido de estudantes tem vasta experiência com a tecnologia enquanto a maioria ainda patina no assunto. O acesso desigual dos alunos à tecnologia reflete – também aqui - as desigualdades do dia a dia.


Até que as instituições de ensino superior desenvolvam políticas que entendam e abordem as desigualdades, os professores que incentivam o uso de ferramentas de IA devem estar atentos ao que estão propondo aos alunos.


Curiosidade


A maioria das escolas públicas australianas proibiu o ChatGPT, o que levantou preocupações sobre a divisão digital entre alunos de escolas públicas e privadas naquele país.


Outros vieses percebidos


Os grandes modelos de linguagem usados pelo aplicativos são treinados online, onde os conjuntos de dados geralmente estão no inglês americano padrão ou na norma culta do português. Por este motivo, em países extensos como o Brasil e os Estados Unidos os resultados da IA ​​geralmente não representam a profundidade e a amplitude das experiências multiculturais e multilíngues dos estudantes.


O que não se pode normalizar é o regionalismo começar a perder espaço para o texto genérico gerado pela IA, como se a tecnologia apresentasse um resultado mais válido do que a sua própria produção. Se isto acontecer, perderíamos um pouco da diversidade da escrita e do som.


Para os linguistas norte-americanos, por exemplo, como citado no texto How AI Tools Both Help and Hinder Equity, o inglês negro é importante e acomoda ricas diferenças regionais e de classe. Suas inovações contam histórias de migração e movimento e deixaram uma marca no inglês padrão ao “deslizar perfeitamente para a linguagem da arte, música, poesia, narrativa e mídia social (tradução livre)”. Sua marginalização, porém, infelizmente, em alguns momentos, pode impactar negativamente o falante, inclusive em entrevistas de emprego, aluguel de apartamentos e interações com a polícia.


A padronização de grandes modelos de linguagem, com um viés bem estabelecido, preocupa os estudiosos, que percebem que alguns egressos das instituições de ensino superior podem se beneficiar mais da tecnologia do que outros.


IA x professores


Ainda não são muitos os professores universitários que recebem treinamento em pedagogia. Para membros do corpo docente com menos experiência de ensino, as ferramentas de inteligência artificial prometem ajudar.


Elas garantem melhorar a aparência dos planos de aula dos novos professores e a torná-los mais confiantes. Existe, inclusive, a versão premium do ChatGPT, que se anuncia muito melhor do que a gratuita, oferecendo acesso geral ao aplicativo, mesmo em momentos de pico; tempo de resposta mais rápido e prioridade no acesso a novos recursos e aprimoramentos.


Fato que a autora do ‘texto referência’ menciona que alunos e professores que sofrem com a falta de algumas habilidades ou têm pouco tempo, podem usufruir das ferramentas de IA para lhes ajudarem a priorizar tarefas, organizar informações ou criar cronogramas. A IA também pode realocar de 20% a 30% do tempo dos professores para tarefas administrativas de rotina e para atividades que apoiem o aprendizado dos alunos. Em um campo em que os profissionais citam exaustão e esgotamento devido a muitas tarefas administrativas, isto pode fazer uma grande diferença.


Políticas públicas


Nos Estados Unidos, educadores e especialistas em políticas públicas estão se esforçando para maximizar a equidade e minimizar o viés na IA. O Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca lançou um Projeto para uma Declaração de Direitos da IA ​​em 2022, que prevê um futuro no qual as métricas de equidade são incorporadas aos algoritmos.


Em maio passado, o Escritório de Tecnologia Educacional do Departamento de Educação dos EUA divulgou um relatório oferecendo insights e recomendações sobre IA no ensino e aprendizagem.


No Brasil, o projeto de lei 21/2020 foi apresentado em fevereiro de 2020 e estabelece fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial e dá outras providências. Foi aprovado na Câmara dos Deputados em meados de 2021 e agora, em 2023, uma minuta elaborada por uma comissão de juristas já foi entregue ao presidente do Senado. Ao longo do ano de 2022, comissão específica reuniu em audiências públicas especialistas nacionais e internacionais para tratar o tema. Posteriormente, aprovada a lei no Congresso, caberá privativamente à União legislar e editar normas sobre a matéria.


Outro projeto de lei - PL 2.338/23 - que propõe a regulação da inteligência artificial no Brasil foi apresentado no último maio. Ele traz o resultado de mais de 250 dias de debates públicos e técnicos, conduzidos por uma Comissão de Juristas e tem dois objetivos maiores: o estabelecimento de direitos ao cidadão afetado pela tecnologia e a criação de ferramentas de fiscalização e supervisão.


Equidade


O país está atento à inovação da IA e não pode deixar de monitorar a gestão do risco dos sistemas nos casos concretos, avaliando os problemas de sua aplicação e as medidas de mitigação de danos, inclusive no sistema educacional.


Ao estabelecer direitos, deveres, responsabilidades e reconhecer as instituições de autorregulação, a lei deve fornecer meios para que regras básicas sejam respeitadas no curso do uso e funcionamento da tecnologia, o que inclui a observância dos direitos humanos, da igualdade e a não discriminação.


Para que as ferramentas de inteligência artificial possam colaborar com a equidade (também) no ensino superior, portanto, é preciso regulamentação, conhecimento e consciência no uso da tecnologia.




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