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Edgar Jacobs e Juarez Monteiro

Mais Médicos: Em nova petição no STF, a União insiste em vincular o edital e os cursos sub judice

Atualizado: 30 de nov. de 2023

Existem indiscutíveis problemas e no Edital do Mais Médicos para abertura de novos cursos e, por esse motivo, são esperadas – e necessárias – mudanças, especialmente em relação à escolha dos municípios elegíveis para a autorização de curso. Com uma escolha automatizada de cidades para a oferta dos cursos, baseada em estatística e sem qualquer vínculo com condições reais dos municípios, há risco de problemas graves no procedimento e, pior, de distorções nos resultados.


Essa escolha automatizada, descrita na Nota Técnica Conjunta nº 3/2023/DPR/ SERES/ SERES, gerou uma notável quantidade de municípios “eleitos” sem respeitar uma demanda prévia da própria cidade. Este é o primeiro problema. Apesar dos cursos de medicina serem uma forma de desenvolvimento sustentável e vinculado à melhoria da saúde, é preciso deixar de lado a ideia de que a União pode induzir a instalação desses empreendimentos independentemente das escolhas locais. Seria necessário valorizar, por exemplo, cidades mais preparadas e garantir que incentivos ruins não acabem levando os cursos para locais que ainda não têm infraestrutura adequada.


No edital de chamamento de 2023 cidades muito pequenas, com 20 leitos SUS ou menos, recebem um incentivo para instalação de cursos, um “multiplicador” denominado IDP (Índice de Promoção de Desconcentração Médica), enquanto cidades mais estruturadas, próximas, não recebem incentivo algum. E isso pode ser injusto e operacionalmente complicado, pois a priori o edital deveria incentivar o crescimento da oferta com maior eficiência e qualidade ou, no mínimo, sem perda de qualidade.


Talvez a ideia de distribuir os cursos pelo Brasil devesse se basear em incentivos por regiões, não em multiplicadores por municípios. Um bom curso próximo às cidades menores já é uma garantia de melhoria de atendimento à saúde da região. Por outro lado, um curso localizado em cidades muito pequenas pode ter problemas de demanda e de campos de prática, por mais esforço que possa ser feito pela Instituição que cria o empreendimento e pela administração municipal.


Provavelmente pensando nisso, o Ministro Gilmar Mendes, em voto na Ação Direta de Constitucionalidade 81, ressalvou expressamente “… a possibilidade de a sociedade civil pleitear o lançamento de editais para instalação de novos cursos em determinadas localidades”, indicando a necessidade da União “… responder a esses pleitos de forma fundamentada, com publicidade e em prazo razoável”. Esse era o sistema anterior, fomentado por edital específico, que no caso atual foi substituído pelo frio critério estatístico.


Como se não bastasse essa situação, tecnicamente imperfeita e juridicamente contestável, o MEC, em nota técnica juntada no STF, deu a entender que planeja usar o mesmo parâmetro – as cidades descritas no edital de chamamento, mais especificamente – para julgar os pedidos de autorização dos cursos de medicina em andamento. Afirmou, inclusive, que "...o uso do edital como parâmetro não ofende a razoabilidade e induz a um tratamento de tentativa de igualdade de julgamento dos processos administrativo haja vista que os processos pendentes estão em um patamar de privilégio...". Esse é mais um problema relevante, pois foi a decisão proferida na ADC nº 81 trata de seguimento dos processos já existentes, não de sua sujeição ao novo Edital.


Essa nota tecnica foi anexada à petição datada de 28 de novembro de 2023, assinada pela AGU e juntada no processo em curso no STF. A União, em nome do MEC, informou que modificou sua portaria recente - Portaria 397/2023 - e não vai mais indeferir os processos sub judice de maneira sumária. Porém, usando o frágil parecer, ela mencionou que o critério de “escolha” de cidades do edital é o mais justo para a análise de necessidade social dos processos de autorização pendentes.


Faltou, entretanto, dizer que o critério escolhido em 2023 não pode ser aplicado retroativamente e que não há isonomia possível entre processos antigos e atuais. Sobre a questão da impossibilidade de retroagir normas de processos regulatórios do MEC, já mostramos, inclusive, que há jurisprudência nesse sentido. Já o suposto "tratamento isômico para evitar privilégios" parece mais uma argumentacão baseada em senso comum do que uma opinião técnica, pois, como bem explicava Celso Antônio Bandeira de Mello: "...o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais.” (in, O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Editora Revista dos Tribunais, 1978, p 35). Argumentos assim demonstram que o parecer não teve o aprofundamento necessário, especialmente porque poderiam ser debatidos princípios jurídicos como a irretroatividade das normas, a segurança jurídica, a não surpresa processual e a confiança na Administração Publica.


Em resumo, há uma triste perspectiva de aplicação de parâmetros abstratos para a escolha de municípios no edital de chamamento de 2023. Uma perspectiva que talvez se adapte ao mundo insípido dos dados numéricos processados por algoritmos, mas que se afasta do que de fato são demandas sociais. E esse equívoco corre o risco de ser levado aos cursos iniciados durante a criticada moratória imposta ilegalmente pelo Poder Público.


Esse seria o auge dessa desconexão. Enfim, parece ser a insistência do uso retroativo desse critério para decidir os cursos sub judice. Esse último passo mostra que além da falta vínculo com os fatos há também uma falta de respeito com o tempo e segurança jurídica, uma falha que cria um problema real, para quem, como nós, vive no mundo real.



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