O tema não é novo: vez ou outra há rumores de que o MEC pretende obstaculizar o credenciamento e a autorização de oferta do curso de graduação em Direito na modalidade a distância.
A Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive, ingressou com uma ação judicial contra a União – isso em 2019 - pleiteando que o Ministério da Educação paralisasse estes processos.
O Conselho Federal da OAB argumentava não existir previsão legal para o oferecimento do curso na modalidade, que afrontaria a Constituição Federal brasileira em seu artigo 209, que dispõe que o ensino, apesar de ser de iniciativa privada, deve cumprir as normas gerais da educação nacional, com autorização e aprovação pelo poder público.
Não bastasse o ajuizamento da ação, em dezembro de 2021 a OAB Nacional encaminhou um ofício ao Ministério da Educação solicitando a suspensão por 180 dias dos processos de autorização dos cursos EAD e a criação de um grupo de trabalho para definir um marco regulatório para a modalidade.
O ofício cita fragilidade técnica dos parâmetros observados pelo MEC para conferir a nota máxima de qualidade a um curso; se diz contrário à oferta do curso de Direito 100% na modalidade a distância e considera excessivo o número de vagas solicitadas por algumas instituições de ensino superior.
Ainda assim, a Ordem afirma não ser contrária ao ensino remoto nem à amplificação do acesso ao ensino. Nos seus dizeres, se preocupa com a qualidade do ensino e dos profissionais do Direito que chegam ao mercado.
As normas vigentes
A Constituição Federal estabelece que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que sejam cumpridas as normas gerais da educação nacional e exista – para tanto - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Por sua vez, na esfera infraconstitucional, a LDB dispõe que incumbe à União assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ensino (art.9º, IX).
A mesma lei (art. 16) diz que o sistema federal de ensino compreende as instituições de ensino mantidas pela União; as instituições de educação superior mantidas pela iniciativa privada e os órgãos federais de educação, depreendendo-se que a oferta dos cursos superiores pelas instituições integrantes do sistema federal de ensino depende de prévio ato autorizativo do MEC, a quem caberá também a sua avaliação quanto à prestação desse serviço.
Também temos o Decreto n. 9235/17, que dispõe sobre o exercício das funções de regulação, supervisão e avaliação das instituições de educação superior e dos cursos superiores de graduação e de pós-graduação no sistema federal de ensino. Em seu art.1 º, § 2º, há a previsão de que essa supervisão será realizada por meio de ações preventivas ou corretivas, com vistas ao cumprimento das normas gerais da educação superior, a fim de zelar pela regularidade e pela qualidade da oferta dos cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu e das IES que os ofertam.
Fato que todas as atividades de regulação, fiscalização e supervisão exercidas pelo Estado sobre as entidades de ensino superior, sejam elas públicas ou privadas, possuem o objetivo maior de proporcionar a efetivação do direito fundamental à educação de qualidade.
Dessa maneira, se existem limites na atuação da iniciativa privada nesse campo, decorre da necessidade de preservar a qualidade do ensino que será ofertado à sociedade, garantindo os interesses da coletividade.
E cabe justamente à União, via MEC, essa regulação, supervisão e avaliação dos estabelecimentos de ensino, bem como dos cursos ofertados, para assegurar os padrões de qualidade definidos pelo próprio poder público.
A decisão no processo movido pela OAB
Proferida em fevereiro de 2020, a decisão judicial inicial foi nesse sentido e indeferiu a tutela de urgência. Além de deixar claro que a Lei nº 9.394/96 determina como atribuição da União autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior, lembra seu dever de encorajar o processo de crescimento e difusão do ensino à distância em todos os níveis e modalidades de ensino e educação continuada.
Inclusive, pontua que a oferta de cursos de graduação na modalidade à distância, devido à flexibilidade do horário de estudo e por cobrar mensalidades mais baixas, proporciona o maior acesso à educação nas universidades, públicas ou privadas, às pessoas que possuem dificuldades diversas de realizar o curso presencial, proporcionando-lhes maior desenvolvimento e qualificação para o trabalho.
E continua:
Com efeito, a própria Constituição Federal institui que à União compete dar as diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, inciso XXIV, CRFB) e a esta e aos demais entes federativos proporcionar os meios de acesso à educação (art. 23, inciso V, da CRFB), além de poderem legislar concorrentemente sobre educação (art. 24, inciso IX, da CRFB). O propósito do constituinte foi de deixar claro que os entes devem trabalhar em regime de colaboração de seus sistemas de ensino para equalizar as oportunidades educacionais.
No mesmo ritmo da Lei Maior, foi editada a Lei nº 9.397/96 que dispõe ser atribuição da ré, por meio do Ministério da Educação, autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior (art. 9º, inciso IX); e o dever de encorajar o processo de crescimento e difusão do ensino à distância em todos os níveis e modalidades de ensino e educação continuada (art. 80); e quando se tratar de ensino a distância é certo que terá um tratamento diferenciado (§ 4º, art. 80). (Trecho da decisão proferida no processo 1034657-04.2019.4.01.3400, da Seção Judiciária do Distrito Federal - 7ª Vara Federal Cível da SJDF)
Fica expresso na decisão que as IES devem passar pelo crivo do MEC quando se encontrarem nas situações descritas pela norma, incumbindo a esse Ministério avaliar os dados e documentos apresentados para, ao final, emitir decisão definitiva sobre o requerimento de credenciamento, autorização e etapas seguintes, sem extrapolar os comandos legal e constitucional.
Tudo isso lembrando que a melhor adequação dos cursos superiores às normas que regem a matéria e às suas peculiaridades intrínsecas na modalidade EAD, seja curso jurídico ou outros cursos de graduação superior, deve ser proporcionada por cada IES, não se cuidando de responsabilidade restrita da União, justamente pelo princípio da autonomia didático-científica e administrativa das universidades.
E, ao final, aponta questão de suma importância: não compete ao intérprete restringir aquilo que o constituinte ampliou ou liberou.
Enfim, não existe norma que vede o credenciamento e a autorização de oferta de curso de graduação em Direito na modalidade a distância. Desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional, autorizado e avaliado em sua qualidade pelo Poder Público, o ensino é livre à iniciativa privada. Previsão cristalina da Constituição.
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