Os processos de autorização de cursos de medicina em tramitação no MEC são cruciais para preencher uma lacuna de 5 anos criada por uma portaria que suspendeu os editais de chamamento do Programa Mais Médicos. Porém, observamos uma resistência do Ministério da Educação em permitir a abertura de novos cursos, mesmo aqueles que ele mesmo, como regulador, já havia avaliado e validado a qualidade.
Aguarda-se que, no mês de fevereiro, o STF analise de maneira definitiva o tema, julgando as ações constitucionais ADC nº 81 e ADI nº 7187, nos quais definirão se o art. 3º da Lei 12.871/2013 é constitucional. No entanto, muitos aspectos estão sendo discutidos de maneira genérica, sem oportunizar o contraditório aos afetados.
Esse é um desafio comum em julgamentos dessa natureza. É compreensível que uma ação constitucional envolvendo uma multiplicidade de interesses e ações judiciais não possa se debruçar sobre cada caso de forma detalhada. Por isso, os processos em Cortes Constitucionais frequentemente não discutem cada ação individualmente.
Modulação no STF. No caso das ADC nº 81 e ADI nº 7178, essa característica está gerando um problema concreto. O Ministro Gilmar Mendes, em uma atuação cautelosa, concedeu uma medida que trata do mérito e modula os efeitos em relação aos processos administrativos já instaurados. Alguns desses processos já contam com cursos efetivamente abertos, portanto continuam em operação com plena validade.
Quanto aos demais cursos, a modulação tratou de dois grupos: os processos administrativos iniciados, mas sem avaliação documental (grupo 1), e aqueles que já passaram pela verificação de documentos (grupo 2). Segundo a modulação, os processos do grupo 1 deveriam ser sobrestados, enquanto os do grupo 2 poderiam prosseguir para as etapas seguintes da regulação.
Entretanto, a delimitação de cada situação e o enquadramento dos processos conforme definido pelo STF requer uma análise cuidadosa dos fatos e uma interpretação precisa do texto – e dos objetivos – da decisão cautelar, o que, por sua natureza, exige um procedimento com contraditório. O contraditório, aqui, é o direito de ter ciência e de contra-argumentar sobre atos formais em um processo administrativo, vez que trata-se de um direito fundamental que deveria ser respeitado.
Sobrestamento indevido. O MEC, no entanto, aplicou a decisão do STF de forma unilateral, definindo a classificação dos processos nos dois grupos sem permitir qualquer debate. A ausência de uma oportunidade para defesa ou manifestação prévia das instituições envolvidas é uma falha significativa. Inclusive porque o Ministério utilizou um sistema automatizado de decisão, o qual tem por base apenas os andamentos no sistema eletrônico, lançados pelo próprio Órgão.
Como resultado, a aplicação dessa medida não atendeu plenamente aos critérios estabelecidos pelo STF. Muitos processos, especialmente no grupo 1, estão agora sobrestados e correm o risco de extinção após o julgamento definitivo das ações pelo STF. Alguns desses processos, já analisados, aguardam apenas uma assinatura eletrônica para progredir. Outros poderiam ter avançado se o MEC tivesse agido rapidamente ao receber a decisão judicial. Adicionalmente, há casos que poderiam prosseguir se não fossem as diligências desnecessárias criadas pelo Ministério, solicitando informações já disponíveis nos projetos protocolados no início do processo regulatório.
Esta situação ilustra como a prática do contraditório é fundamental e pode fazer a diferença em determinados casos. Se tivessem sido intimadas, as Instituições de Ensino poderiam discutir datas e obstáculos referentes a seus processos e poderiam também tratar de definir exatamente em que momento a análise documental pode ser considerada cumprida. Por isso, a decisão sobre o sobrestamento não deveria ter sido um ato unilateral e automático.
Natureza do sobrestamento. Na cautelar, a decisão de sobrestamento foi, ao mesmo tempo, uma tentativa de proteger os processos e de diferenciá-los dos processos que teriam seguimento. Não foi uma penalidade, mas uma pausa determinada para processos recém protocolados, ainda sem andamentos. Sendo assim, deve ser levado a sério o direito de quem se vê prejudicado por demora injustificada da Administração Pública. Caso contrário, a União se beneficiaria no processo judicial em razão da sua própria omissão no processo administrativo, usando a cautelar da Suprema Corte como um escudo que dá a seus atrasos um lustro de legalidade.
Enquanto não são decididas de vez as ações constitucionais, poucas discussões têm sido feitas sobre os sobrestamentos. Porém, após a decisão definitiva da Corte, a responsabilidade recairá sobre as instâncias iniciais dos processos relacionados à medicina. Incumbe à Justiça Federal a interpretação e aplicação da decisão do STF, enquanto ao Ministério, que negligenciou direitos fundamentais, caberá adaptar-se.
Enfim, a perspectiva de decisões dos juízes e desembargadores em relação ao impasse sobre o contraditório se apresenta como o próximo divisor de águas nas ações relativas à abertura de cursos de medicina. Elas não apenas determinarão o futuro da educação médica e a efetividade da decisão do Supremo Tribunal Federal, mas também funcionarão como um indicativo vital da integridade do sistema jurídico-administrativo nacional.
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