Foi publicado, no final de 2023, o Parecer CNE/CP Nº: 50/2023, favorável às Orientações Específicas para o Público da Educação Especial, mais especificamente se tratando do Atendimento de Estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Neste contexto, importante frisar que a garantia do direito humano à educação de estudantes com TEA é um direito fundamental e interesse público nacional pela igualdade de oportunidades para todos, segundo suas necessidades, habilidade e potencialidades.
Para alcançar estas prerrogativas, o CNE organizou um grupo de trabalho com profissionais com experiência e formação voltadas para o tema, os quais, ao final, propuseram um Relatório Técnico para contribuir com a construção e a reafirmação de uma educação inclusiva.
O Relatório Técnico considerou três pontos básicos:
1) os documentos legais existentes sobre o tema;
2) o conhecimento científico para a formulação de propostas; e
3) a construção do processo educacional como instrumento fundamental de alcance de
uma sociedade mais equânime e inclusiva para todos.
Em relação aos pontos principais da discussão, o Relatório aborda a concepção do direito humano à educação inclusiva e seus aspectos de acesso, permanência, participação e aprendizagem. Refere-se a questões como matrícula e formação de turmas, importância do PPP e a participação das famílias e das pessoas com Transtorno do Espectro Autista nas deliberações educacionais.
Ainda, foram considerados temas como gênero, raça, localização geográfica e demais fatores econômicos e sociais que podem alterar significativamente a realidade de estudantes com TEA por todo o país.
Parte importante do estudo se volta ao desenho universal e às adaptações razoáveis com foco nas garantias previstas na Convenção sobre os Diretos das Pessoas com Deficiência e o Decreto nº 6.949/2009, que traz a esta convenção força de norma constitucional.
Parte, então, da importância dos estudos de caso e avaliação, passando pela necessidade de que os sistemas educacionais adotem Protocolos de Conduta para proteger este público-alvo.
Ainda, salienta a importância da produção científica como essencial para identificar itinerários e propostas que possam melhor atender o estudante com TEA, sinalizando suas possibilidades de alcance e desafios na realidade brasileira.
Finalmente, o relatório aborda a importância da formação do professor de regência em sala de aula, do professor do atendimento educacional especializado e do acompanhante especializado.
O planejamento educacional voltado ao estudante com Transtorno do Espectro Autista
Dois pontos da legislação são cruciais para entender o planejamento educacional no caso específico:
1) o desenho universal e
2) as adaptações razoáveis.
Sobre o desenho universal, convidamos ao acesso de material nosso, publicado sob o título O Desenho Universal como conteúdo básico da Arquitetura/Urbanismo e Engenharia, mas já adiantamos, nos termos do Parecer do CNE, que a relação técnica entre os conceitos de desenho universal e adaptações razoáveis encontra-se descrita na Lei nº 13.146/2015 – LBI: o desenho universal será sempre tomado como regra de caráter geral. E nas hipóteses em que comprovadamente o desenho universal não possa ser empreendido, deve ser adotada a adaptação razoável.
O desenho universal foi pensado, de fato, para proporcionar ambientes acessíveis a toda a população e, no caso do Relatório, utiliza-se o termo Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), considerando esta ser a nomenclatura mais utilizada nos textos de referência, compreendido como um conjunto de princípios, estratégias e ações que visam tornar o ensino acessível e funcional a todas as pessoas.
PAEE e PEI
Outros dois instrumentos comuns no âmbito educacional e que podem se comunicar tanto no planejamento voltado ao desenho universal quanto na perspectiva das adaptações razoáveis são o PAEE e o PEI.
O Plano de Atendimento Educacional Especializado – PAEE - está previsto no Decreto nº 7.611/2011 e na Resolução nº 4/2009 do CNE e prevê a definição das necessidades, recursos e atividades a serem desenvolvidas no âmbito das salas de recursos multifuncionais ou em Centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
O Planejamento Educacional Individualizado – PEI -, por sua vez, tem sido descrito em diversos artigos científicos, assim como no comentário geral nº 4 de 2016, elaborado pelo Comitê de monitoramento da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas – ONU, como instrumento que organiza o plano educacional do estudante com todas as adaptações razoáveis que se façam necessárias em termos de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico (artigo 1º, inciso VI, do Decreto nº 7.611/2011).
A utilização do PEI se dá por todos os ambientes da escola e no Relatório são abordadas todas as possibilidades previstas em ambos os instrumentos, considerando sua relevância no processo de inclusão do estudante com TEA.
Sobre o estudo de caso/avaliação do estudante com TEA
Existe a previsão de uma avaliação do estudante com TEA, que deverá seguir as diretrizes definidas na Lei nº 13.146/2015 – LBI. Esta avaliação deve ser biopsicossocial, a ser realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
Para o CNE, o estudo de caso/avaliação do estudante autista deve orientar tanto a construção do PEI quanto do PAEE e deve se basear em três fontes:
o relato dos pais ou responsáveis,
o relato da própria pessoa com Transtorno do Espectro Autista (sempre que possível) em reunião específica e documentada sobre o tema; e
a implementação de um protocolo/instrumento cientificamente validado, aplicado ao menos uma vez por ano (que pode variar de ano a ano para acompanhar as novas evidências científicas e o próprio crescimento e desenvolvimento do estudante), complementado por quaisquer outras avaliações que sejam necessárias para o atendimento das necessidades individuais do aluno.
Assim, são os sistemas educacionais, ao promoverem o estudo de caso/avaliação do educando com TEA, os responsáveis por considerar o processo educativo ao longo da vida.
Sobre o Protocolo de Conduta
Outro instrumento previsto no Relatório Técnico é o Protocolo de Conduta do Estudante, que contém as informações fundamentais sobre o aluno, “como suas habilidades para interagir com pessoas, do que ele gosta ou não, como se comunica, suas dificuldades, os eventuais gatilhos para crises, estratégias de como lidar com comportamentos desafiadores e procedimentos apropriados a seu caso, quando apresentar crises heterolesivas ou autolesivas”.
O protocolo também deve mencionar se o estudante toma medicações, informações nutricionais, como alergias ou intolerâncias, entre outras observações pertinentes, sendo fundamental para que a comunidade escolar se comporte de maneira consistente com o estudante atendido.
Sobre os programas de ensino, adaptação de avaliação e atividades
O programa de ensino deve descrever como ele será implementado, em que oportunidades e com que frequência ou temporalidade, assim como os materiais utilizados no processo de implementação.
Também, no processo de implementação dos procedimentos de ensino com pessoas com TEA, é imprescindível que cada um destes programas descreva o sistema de ajuda ao aluno nas tarefas de ensino, sempre que necessário, como Ajuda Física Completa, Ajuda Física Parcial, Gestual, Verbal, Ecóica, Intraverbal, Oral-Motora, entre outros, que podem apoiar o estudante.
É igualmente importante prever a forma e critérios de retirada gradual e progressiva das ajudas (o chamado esvanecimento), até que ocorra a aprendizagem independente da habilidade alvo, de acordo com critérios estabelecidos.
Formação de professores/profissionais
A Lei nº 9.394/1996 prevê (artigo 59) a importância da formação de professores para o atendimento do público-alvo da Educação Especial.
Três sujeitos são essenciais nesta equação: o professor de regência em sala de aula, nas redes públicas e privadas de ensino, que é o responsável por planejar, adaptar e implementar estratégias pedagógicas que atendam às necessidades individuais de cada estudante com demandas de atendimento educacional diferenciado. Ele deve estar preparado para realizar adaptações curriculares e metodológicas como a utilização de recursos visuais, estratégias de comunicação alternativas, organização do ambiente de sala de aula, entre outros, de acordo com as necessidades dos estudantes com TEA.
Também, o professor do atendimento educacional especializado ao estudante com transtorno do espectro autista, que é essencial como condutor no processo de acesso, permanência, participação e aprendizagem deste estudante na medida em que, em muitos casos, tem maior expertise na área, além de formação específica.
Por fim, outra figura importante é a do acompanhante especializado ao estudante com TEA. Este profissional está descrito no artigo 3º, inciso III, da LBI e exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas.
O ponto de relevância aqui tem sido as discussões sobre a ausência de regulamentação específica sobre o acompanhante especializado, que deixa em aberto critérios como perfil, atribuição e formação deste profissional.
Conclusão apresentada no Parecer do CNE
Estudantes neurotípicos que tem a oportunidade de conviver desde cedo com a diferença possuem mais chances de serem adultos preparados para promover a diversidade nos espaços que estejam atuando com a diferença, em especial porque terão adquirido habilidades de enxergar potenciais e necessidades de forma natural pelo convívio e laços formados.
E se considerarmos que é na diferença que podemos ver potencialidades; que é na diversidade que encontramos novas formas de ver o mundo, é essencial que esta multiplicidade também se apresente em diversos métodos e modelos de escolarização.
O CNE finaliza explicitando que o Relatório Técnico apresentado não pretende que as questões sejam unidirecionais e fechadas. Lado outro, a proposição é discutir e apontar aspectos e elementos com comprovada relevância para o atendimento educacional de qualidade para estudantes com TEA, na expectativa que sejam propulsores de novas práticas, novos resultados e questionamentos.
Só assim as metas imediatas podem ser atingidas, pode haver aumento na qualidade e a assertividade nos atendimentos educacionais e também pode ocorrer sucesso nas metas de médio e longo prazo, ou seja, o surgimentos de outros estudos, debates e políticas públicas que possam fortalecer as lutas por oferta de educação de qualidade para todos os estudantes, dentre eles, em igualdade de direitos, os estudantes com Transtornos do Espectro Autista.
Críticas de entes da sociedade civil
Organizações da sociedade civil, como o Instituto Caue, não aprovaram o Parecer em sua integralidade, criticando-o por entenderem que o documento desconsidera as diretrizes a respeito do "acompanhante especializado", que já constam na nota técnica n.24/2013 do MEC. Em seu juízo, as distorções do documento dão a entender existir a necessidade de aval da Medicina para encaminhamento pedagógico e educacional.
Ainda, se referem a um erro do Parecer ao propor a introdução de "um protocolo cientificamente validade" para estudantes autistas nas escolas. Ainda que este protocolo não seja detalhado, apresenta as características de uma determinada abordagem de análise de comportamento, significando a entrada privilegiada de uma ação terapêutica do campo da saúde no campo da educação.
A conclusão destes grupos é que interesses mercadológicos poderiam estar sustentando a orientação para a implementação de abordagem terapêutica específica junto a crianças autistas nas escolas brasileiras, motivo pelo qual, por ora, requerem que o MEC não homologue o Parecer.
Acesse o Parecer CNE/CP Nº: 50/2023 na íntegra.
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