O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/15, dedicou um capítulo inteiro à educação, reforçando o dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade em assegurar educação de qualidade, colocando a pessoa com deficiência a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
O poder público se torna, desde então, responsável por um rol de atividades que concretizam o sistema educacional inclusivo, como, por exemplo, pelo projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, pela adoção de práticas pedagógicas inclusivas, pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado, dentre outras.
Não é segredo que o processo de inclusão seja repleto de dificuldades, luta e superação dos estudantes deficientes. Hoje, por exemplo, os defensores da escola inclusiva questionam a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE), instituída pelo Decreto 10.502/2020.
A norma foi considerada discriminadora e segregatória e é objeto de ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 6.590).
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Atualmente, o artigo 28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) prevê que incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar a oferta de ensino da Libras (inciso IV), do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação.
Mesmo quando se trata de instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se o disposto nos incisos desse artigo, sendo vedada, inclusive, a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações. À época da publicação da norma houve questionamento neste sentido, mas o Supremo Tribunal Federal decidiu manter a vedação de cobrança, considerando-a constitucional.
No caso, ainda existem duas ressalvas contidas exatamente nos incisos IV e VI (do art. 28 da Lei nº 13.146/15): as instituições privadas não são obrigadas a ofertar educação bilíngue (em Libras e na modalidade escrita da língua portuguesa) e a promover pesquisas voltadas para o desenvolvimento de novos métodos e técnicas pedagógicas, de materiais didáticos, de equipamentos e de recursos de tecnologia assistiva.
Projeto de lei 6.284/2019
Esse cenário pode mudar com a votação final do Projeto de lei 6.284/2019, do senador Romário, do PL-RJ. O PL já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado (CDH) e segue agora para análise da Comissão de Educação do Senado (CE).
O texto modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB — Lei 9.394, de 1996) e determina que todas as instituições públicas e privadas de ensino deverão oferecer a Libras como língua de comunicação para todos os estudantes surdos, em todos os níveis e modalidades da educação básica.
Maiores detalhamentos de como esse processo deverá ocorrer, como condições e formas de adequação deverão ser definidas nos regulamentos dos sistemas de ensino, que deverão prever a necessidade de professores bilíngues, tradutores e intérpretes, além de tecnologias de comunicação em Libras.
Esses regulamentos também deverão tratar do acesso ao aprendizado da Libras da comunidade estudantil ouvinte (não surda) e dos pais ou responsáveis pelos alunos que tenham deficiência auditiva.
O PL determina que os sistemas de ensino terão o prazo de três anos para implementar as exigências estabelecidas na nova lei.
A legislação já existente
A lei 10436/02 dispõe sobre a língua brasileira de sinais; reconhece que ela é uma forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.
Essa lei determina expressamente que o sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Foi um importante passo na inclusão das pessoas com deficiência, mas não suficiente para instrumentalizar a prática de integração.
Prevê a inserção da Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de fonoaudiologia.
Muito importante também por defender o direito a tradução/interpretação em sala de aula; este inquestionável avanço da lei encontra barreira na não exigência de execução, pois cada município passa a ser livre para estabelecer a sua política linguística para o uso da libras e para o processo de inclusão de seus falantes.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou o Estatuto da Pessoa com Deficiência determina que os governos ofertem educação bilíngue, com Libras como primeira língua e a modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas. O que se argumenta é que a inclusão social precisa avançar para além dos limites da escola e das comunidades surdas e que isso só será possível quando o cidadão ouvinte também puder se comunicar com as pessoas surdas.
O projeto de lei 6.284/2019 caminha neste sentido.
A surdez e a Língua Brasileira de Sinais
É muito importante que se garanta a oferta de Libras desde a educação infantil, inclusive considerando que, para muitas crianças, a escola possa ser o primeiro lugar em que ela tenha o contato com a linguagem dos sinais, uma linguagem completa, com gramática própria, complexa e profunda, com regras e sistemas lógicos.
As crianças surdas, de acordo com Andrew Solomon, no livro Longe da Árvore, ed. Companhia das Letras, adquirem a linguagem de sinais da mesma maneira como as crianças que ouvem adquirem uma primeira língua falada; a maioria pode aprender a linguagem sonora em sua forma escrita, como uma segunda língua. Para muitas, no entanto, “a fala é uma ginástica mística da língua e da garganta, enquanto a leitura labial é um jogo de adivinhação”.
Algumas crianças surdas adquirem essas habilidades de forma gradual, mas fazer da fala e da leitura labial o pré-requisito para a comunicação pode relegar crianças surdas à confusão permanente. E se passarem da idade-chave para a aquisição da linguagem sem adquirir alguma língua por completo, elas não poderão desenvolver habilidades cognitivas plenas. (Andrew Solomon, em Longe da Árvore, ed. Companhia das Letras)
Como não podemos imaginar pensamento sem linguagem tanto quanto não podemos imaginar linguagem sem pensamento, não podemos pensar em desenvolvimento infantil sem aprendizagem de linguagem adequada e acessível, responsabilidade também do Estado.
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