Em 2019, a Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com uma ação judicial contra a União pleiteando que o Ministério da Educação paralisasse os processos de autorização e credenciamento de cursos de graduação de Direito oferecidos em EaD.
O processo foi ajuizado perante a Justiça Federal do Distrito Federal pelo Conselho Federal da OAB, que argumentava não existir previsão legal para o oferecimento do curso de Direito nesta modalidade.
Para a entidade, a autorização de cursos de Direito a distância afronta a Constituição Federal brasileira que, em seu artigo 209, dispõe que o ensino é de iniciativa privada, porém desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional, com autorização e aprovação pelo poder público.
A ação do Conselho Federal da OAB
Segundo a Ordem, a expansão do ensino a distância respondeu a um afrouxamento das regras para credenciamento e autorização de funcionamento dos cursos em EaD; os argumentos foram no sentido de que, no entanto, não havia regulamentação específica que autorizasse a oferta em EaD e de que era nítida a incompatibilidade entre as diretrizes curriculares da graduação em Direito - que tem a prática jurídica como eixo nuclear - e a formação virtual fornecida pela EaD.
A base normativa existente não ofereceria critérios objetivos para a aprovação de cursos nessa modalidade e que, caso elaborada fosse, deveria contar com a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados no Brasil, tendo em vista suas finalidades institucionais e atribuições que exerce no âmbito dos processos de avaliação dos cursos jurídicos no país.
Em relação às diretrizes curriculares, alegou que ainda que os cursos em EaD comportem a obrigatoriedade de atividades presenciais, tal previsão não seria suficiente para abarcar o treinamento prático que os estudantes de Direito devem obter ao longo de todo o curso e que não se restringe à realização do estágio ou de uma disciplina isolada.
Na ocasião, o pedido foi pela procedência da ação para determinar ao Ministério da Educação que se abstivesse de credenciar instituições e de autorizar a abertura de cursos de Direito na modalidade de ensino a distância, por inexistência de previsão legal.
A decisão judicial inicial, proferida em fevereiro de 2020, indeferiu a tutela de urgência e deixou claro que a Lei nº 9.394/96 determina como atribuição da União, por meio do Ministério da Educação, autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos oferecidos pelas instituições de ensino superior, bem como o dever de encorajar o processo de crescimento e difusão do ensino à distância em todos os níveis e modalidades de ensino e educação continuada.
Fica evidente para o julgador que as IES devem passar pelo crivo do MEC quando se encontrarem nas situações descritas pela norma, incumbindo a esse Ministério avaliar os dados e documentos apresentados para, ao final, emitir decisão definitiva sobre o requerimento de credenciamento, autorização, etc, sem extrapolar os comandos legal e constitucional.
A decisão também toca num importante ponto: a melhor adequação dos cursos superiores às normas que regem a matéria e às suas peculiaridades intrínsecas na modalidade EAD, seja curso jurídico ou outros cursos de graduação superior, deve ser proporcionada por cada IES, não se cuidando de responsabilidade restrita da União, justamente pelo princípio da autonomia didático-científica e administrativa das universidades.
Por fim, a decisão reafirma que a Constituição Federal realmente prevê que o ensino seja livre à iniciativa privada, cumpridas as normas gerais da educação nacional, autorizado e avaliado em sua qualidade pelo Poder Público. E complementa que não compete ao intérprete restringir aquilo que o constituinte ampliou ou liberou.
Enfim, ainda não houve decisão final na ação proposta pela OAB Federal, mas entendemos que ela dificilmente vá prosperar, pois, definitivamente, a norma não veda o credenciamento e autorização de oferta de curso de graduação em Direito na modalidade a distância e, como bem lembrado pelo parecer apresentado nos autos pela AGU, o processo autorizativo do curso de Direto tem padrão regulatório e decisório elevado.
Mais a mais, a OAB tem a prerrogativa de se manifestar nos processos autorizativos do curso de graduação em Direito, podendo trazer à discussão os fundamentos que eventualmente não obedeçam às Diretrizes Nacionais do curso de Direito.
Ofício ao Ministério da Educação - dezembro de 2021
Além da ação ajuizada em 2019, em dezembro de 2021 a OAB Nacional encaminhou um ofício ao Ministério da Educação solicitando a suspensão dos processos de autorização de cursos de Direito a distância, por 180 dias, e a criação de um grupo de trabalho para definir um marco regulatório para a modalidade.
Os pontos do documento são:
• a alegada fragilidade técnica dos parâmetros observados pelo MEC para conferir a nota máxima de qualidade a um curso;
• os pedidos de algumas instituições de ensino superior para um volume que a OAB reputa grande de vagas de Direito; e
• a oferta do curso de Direito 100% na modalidade a distância.
A Ordem afirma não ser contrária ao ensino remoto nem à massificação do acesso ao ensino presencial e que se preocupa com a qualidade do ensino e dos profissionais do Direito que chegam ao mercado.
Pré e pós-pandemia
De acordo com o Censo da Educação Superior de 2020, com exceção da forma de ingresso em programas especiais, a ocupação na modalidade presencial ainda é maior que na modalidade a distância. O montante de 37,6% das vagas ofertadas nos processos seletivos de vagas novas para cursos presenciais foi preenchido, enquanto na educação a distância menos de 1/5 foram ocupadas.
De qualquer forma, o volume de ingressos em 2020 teve um aumento significativo na modalidade a distância e na modalidade presencial uma certa queda.
Já o aumento do número de ingressantes entre 2019 e 2020 é ocasionado, exclusivamente, pela modalidade a distância, que teve uma variação positiva de 26,2% entre esses anos, já que nos cursos presenciais houve um decréscimo de -13,9%.
O número de matrículas na modalidade a distância continua crescendo, atingindo mais de 3 milhões em 2020, o que já representa uma participação de 35,8% do total de matrículas de graduação.
Se fizermos a contabilidade de uma década, entre 2010 e 2020 as matrículas de cursos de graduação a distância aumentaram 233,9%.
Ou seja, essa mudança de costumes em direção aos cursos EaD vem ocorrendo ao longo do tempo, como uma tendência natural – e mundial.
Ainda tivemos o isolamento social imposto pela pandemia Covid-19 e, a partir daí, muitos estudantes travaram conhecimento com o modelo a distância, que foi muito bem recebido. Hoje, a predisposição do estudante em se manter em um curso híbrido ou em se matricular no EaD aumentou.
Como bem exposto pela juíza da ação interposta pela OAB em 2019 quando da decisão que analisou o pedido liminar, não existe nenhuma comprovação a respeito da alegada retração do ensino presencial simplesmente porque o setor privado pôde oferecer mais vagas no EAD quando comparada ao setor público.
Tampouco há dados que mostrem que o MEC enfraqueça propositadamente as regras para facilitar o credenciamento e a autorização de funcionamento dos cursos de EAD.
Muito menos há evidências de queda vertiginosa na qualidade de ensino da educação superior causada exclusivamente e diretamente pelos cursos à distância de alegada má qualidade.
A tecnologia e a transformação digital que vivemos nos últimos anos vieram para ficar; não há como voltar atrás. Nos resta repensar processos, modelos de negócios e aprender com as experiências dos estudantes, familiares, docentes e demais agentes da comunidade escolar.
E, claro, precisamos da ação efetiva do Ministério da Educação, que deve assumir a responsabilidade de, com suas normativas, melhorar o nível de informação para gerar a confiança e a segurança jurídica necessárias para garantir que o setor educacional atue da melhor maneira possível para toda a sociedade.
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