Nesta ocasião vamos refletir sobre uma pesquisa que buscou aprofundar o entendimento sobre a realidade dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos que não estão matriculados na escola e não concluíram a educação básica. Em 2022 eram 9,8 milhões nesta condição, uma verdadeira exclusão do sistema educacional que afronta o direito à educação assegurado pela Constituição Federal.
O projeto se propôs a retratar as diferentes realidades destas juventudes, analisando os motivos que as afastaram da escola, investigando o potencial de diferentes políticas públicas e outras iniciativas para reverter o cenário.
Um ponto importante deste estudo é que em um país grande como o nosso é crucial reconhecer a diversidade de aspectos envolvidos, como questões regionais, econômicas, de gênero, cor e raça, faixa etária, trajetória escolar e tempo fora da escola.
Só assim há como desenvolver iniciativas e políticas públicas efetivas, que juntem o direito à educação aos demais direitos.
A inclusão educacional é urgente
A pesquisa afirma que a exclusão escolar desperta indignação quando ocorre na infância, mas, normalmente, é tolerada (e até naturalizada) quando é do jovem ou do adulto, especialmente se ele é vulnerável.
E o número já mencionado de 9,8 milhões de jovens de 15 a 29 anos, em 2022, que não estudavam e não tinham concluído a educação básica, equivale a 19,9% da população dessa faixa etária. Na medida em que sabemos que diversos estudos comprovam os impactos negativos da baixa escolaridade para indivíduos e sociedades e que mostram que jovens que não concluem a educação básica têm mais chance de enfrentar desemprego, trabalhos precarizados e de baixa remuneração, torna-se essencial tentar reverter a situação, implementando iniciativas e políticas diversificadas e abrangentes que possam garantir que ninguém chegue à vida adulta sem ter ao menos concluído o ensino básico.
“A situação se agrava com o chamado “efeito cicatriz”, pelo qual, segundo evidências, a qualidade do primeiro emprego obtido pelos trabalhadores tende a impactar toda sua trajetória profissional. Ou seja, os prejuízos de não concluir a educação básica na juventude podem se estender ao longo da vida daquela pessoa, perpetuando um ciclo de desigualdade e pobreza que restringe o potencial produtivo e de crescimento de um país”. Trecho da pesquisa Juventudes fora da escola Sem concluir a educação básica
Os resultados
O mais impactante do estudo é perceber que mais de 70% dos jovens fora da escola querem voltar a estudar. Três em cada quatro jovens fora da escola têm a intenção de concluir pelo menos o ensino básico.
Quanto mais jovem, maior é o interesse nos estudos: 79% dos jovens de 15 a 19 anos possuem a intenção de completar a educação básica, ao passo que 75% dos jovens de 20 a 24 anos e 68% de 25 a 29 de sejam fazê-lo. Quanto mais longe do fim do ciclo básico, o interesse em terminar os estudos é menor: 36% dos que não completaram o ensino fundamental afirmam não ter a intenção de completar o ensino médio, competindo com 27% daqueles com fundamental completo e 17% do grupo com ensino médio incompleto.
O desejo de voltar a estudar é mais comum entre as jovens do sexo feminino (78%) do que entre os do sexo masculino (69%).
Pelo menos sete a cada dez jovens que desejam concluir os estudos têm interesse em cursar o ensino médio técnico e o interesse pela educação profissional e tecnológica (EPT) é maior entre as jovens do sexo feminino, no grupo que tem ensino médio incompleto, na faixa etária mais jovem e nas áreas metropolitanas.
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A motivação
Melhorar a condição profissional é, normalmente, o motivo citado para os planos de retorno aos estudos. A vontade de fazer um curso superior também é uma motivação significativa para concluir os estudos. Existe, claro, também uma questão cultural, pois ainda se associa a conclusão da educação a ser “alguém na vida”, ter dignidade e não sofrer discriminação ao buscar emprego.
O que afasta o estudante da escola
As razões para um adolescente não voltar à escola entregam as informações necessárias para gerar as iniciativas e as políticas públicas de retorno. Isto considerando
o grupo dos 27% de jovens que não desejam concluir a educação básica:
Precisam trabalhar: 32%
Precisam cuidar da família: 17% (34% entre as mulheres vs. 8% entre os homens)
Não veem necessidade no momento, não têm vontade: 16%
Não têm paciência para estudar: 16%
Neste tópico vemos experiências anteriores com a escola marcadas por dificuldades de aprendizagem e repetências, o que gera medo de voltar a estudar e não conseguir acompanhar as aulas.
A dificuldade de conciliar escola e trabalho
A maioria dos jovens (92%) entende que terminar os estudos é importante para obter melhores oportunidades e que o diploma é relevante (85% de concordância). Grande parte deles (78%) também concorda, contudo, que, neste momento, o trabalho é prioritário em relação ao estudo. E aí vivemos um dilema, pois, na opinião da maioria dos jovens e dos especialistas, a escola e o mundo do trabalho não estão preparados para acolher o estudante que trabalha e o trabalhador que estuda.
A questão feminina
Duas informações da pesquisa são interessantes neste quesito:
Oito em cada dez jovens do sexo feminino entrevistadas na pesquisa quantitativa já têm filhos;
34% das mulheres citam a necessidade de cuidar da família como razão para não completar os estudos, versus 8% dos homens.
Ora, é fato que vivemos em uma cultura em que, em geral, a responsabilidade de cuidar da criança recai sobre a mãe. Se não houver ações efetivas de apoio às jovens mães que se mostrem cruciais para viabilizar o retorno dessa população aos estudos, ela não vai voltar.
Como bem relatado no estudo, “ela não tem com quem deixar esse menino”.
“O que acaba acontecendo é que a rede fica sendo muito mais familiar e informal do que a rede de proteção das políticas públicas mesmo. A rede de proteção deve incluir não apenas um espaço para a criança ficar, seja na própria escola, seja em creches com horários compatíveis com as aulas, mas também a inserção de mães e filhos em programas governamentais que os acolham de forma abrangente. Tem um aspecto que é da escola, que é de acolhimento, de compreensão do que ela está passando, de traçar uma proposta de aprendizagem pra ela. Mas tem uma outra perspectiva que vai além da educação, que é da rede de proteção.” (Pesquisa "Juventudes fora da escola")
Soluções?
Todos concordam que não existe um modelo que funcione de forma geral. É importante a oferta de várias possibilidades que atendam a jovens de diferentes faixas etárias, condições socioeconômicas, territorialidades e perfis demográficos e que supram demandas diversas que os possam ter afastado da escola.
Algumas destas possibilidades foram identificadas no levantamento bibliográfico da pesquisa:
Bolsas de incentivo;
Fortalecimento da EJA;
Educação profissional e tecnológica;
Lei da aprendizagem;
Ensino médio noturno;
Busca ativa;
Matrícula facilitada;
Acolhimento e apoio a jovens mães;
Reforço, mentoria e motivação;
Alerta preventivo: identificar estudantes com mais risco de evasão e intervir a tempo;
Melhoria da saúde mental e do clima escolar.
As soluções também não podem ser apenas para o retorno, mas para a permanência na instituição escolar até a conclusão dos estudos, o que sugere intervenções de acolhimento de vários setores públicos.
E as ideias são bastante interessantes, como criar compatibilidade entre jornada de escola e trabalho, ofertar bolsa de estudos e creche para quem tem filhos.
Também, oferecer programas de auxílio financeiro a estudantes, com o recurso sendo destinado ao jovem, e não à família; fazer com que a frequência da bolsa seja mensal e que o valor distribuído no ato da matrícula seja maior do que as demais parcelas.
Os especialistas entendem que as bolsas podem incentivar a permanência, mas que o aumento de renda ao longo dos anos impacta de forma mais profunda.
O fato é que o jovem, quando bem informado sobre os benefícios que pode obter com a conclusão da educação básica, deseja voltar aos estudos e seus pontos de vista, para que isto se realize, precisam ser ouvidos. O estudo demonstrou isto muito bem. Resta pôr em prática as políticas públicas favoráveis.
Para mais informações, acesse o Sumário da pesquisa "Juventudes fora da escola" realizada pela Fundação Roberto Marinho, Fundação Itaú e Itaú Educação e Trabalho.
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