Por Edgar Jacobs*
O Ministério da Educação (MEC) está lançando um novo edital de chamamento público para abrir mais de 100 cursos de medicina em todo o Brasil, e isso tem atraído grande interesse das grandes empresas do setor. No entanto, a participação destes grupos enfrenta desafios significativos devido a mudanças na legislação e em virtude de possíveis interpretações das regras do edital.
A nova Lei de Licitações trouxe uma mudança importante; ao contrário da norma anterior, ela proíbe explicitamente a participação conjunta de empresas controladas e coligadas. Isto levanta preocupações para grupos educacionais que compartilham participações societárias ou de alguma forma estão vinculados a um grupo gerenciado pela empresa controladora. Estas empresas podem enfrentar restrições à sua participação no certame, tendo limitada a apresentação de propostas em um mesmo estado ou região de saúde, pois a Lei 14.133/2021 prevê, no Art. 14, V, que as empresas membro do grupo não podem “…disputar licitação […] concorrendo entre si”.
No Brasil, a AFYA Participações S.A., por exemplo, identifica em um documento disponível na internet mais de 20 empresas coligadas que aparentemente são mantenedoras. E em razão da regra acima, essas empresas não poderiam competir entre si e não poderiam apresentar, eventualmente, 10 propostas em São Paulo ou 05 na Bahia. Além disso, cursos e mantidas usadas para pontuar em uma proposta não poderiam ser usados em outras.
Uma interpretação sistemática, considerando a Lei e o Edital, poderia restringir ainda mais essa participação. Se considerada a regra geral do edital, que só permite duas propostas por mantenedora, e a proibição do uso de coligadas como concorrentes, a conclusão seria que o grupo educacional só poderia apresentar duas propostas, tal e qual uma mantenedora. A lógica, neste caso, seria a de que a tentativa de redução de concentração de mercado no edital deve atingir igualmente as mantenedoras e os grupos educacionais, impedindo-os, igualmente, de autorizarem mais de 02 cursos.
Além desta questão legal, existe outra incerteza significativa relacionada aos termos do Edital 01/2023. Esse ato convocatório proíbe a participação de "Consórcios de Mantenedoras […] ou, ainda, quaisquer outras formas ou institutos jurídicos que reúnam Mantenedoras para fins de apresentação de propostas.” (Item 5.2.1). E há decisão judicial sobre chamamento público similar que incluiu um grupo educacional nessa mesma proibição (TRF1. Apelação Cível 10032363020184013400, julgada em 21/07/2021). Sendo assim, o próprio edital pode ser ainda mais restritivo que a norma mencionada acima.
A polêmica tinha sido evitada, ou ao menos mitigada, em 2018. O edital de chamamento daquele ano continha uma regra sobre grupos econômicos que dizia: "Serão inadmitidas as propostas apresentadas por 02 (duas) ou mais mantenedoras pertencentes a um mesmo grupo educacional inscritas para um mesmo município" (item 5.9). No entanto, o edital atual não trouxe uma regra semelhante e reacendeu o debate jurídico.
Portanto, a situação dos grupos educacionais no edital de chamamento de 2023 é, no mínimo, incerta. Com a restrição de concorrência entre as coligadas ou controladas e a equiparação a consórcios, eles podem tornar-se apenas mais um bom concorrente, com bastante qualificação para vencerem nos estados que participarem, mas sem a possibilidade de acumularem dezenas de vitórias no chamamento.
Este panorama ruim para os grupos educacionais abre as portas para uma desconcentração do mercado, mas pode gerar, também, muitos litígios evitáveis. Por isso, talvez, o melhor caminho fosse definir regras claras para sua participação e, com base na nova lei de licitações e na equiparação ja feita em juízo, também para consórcios. Nesse sentido, valeria trazer de volta a regra do edital de 2018 sobre os grupos, criar regras que evitem a participação conjunta por estado e deixar claro que as IES “indicadas" para pontuar na experiência regulatória devem estar ligadas a uma única mantenedora.
Em síntese, percebemos que a perspectiva para os grupos educacionais não é boa, mas também há uma tendência ruim, de judicialização e perda de tempo, para todos os envolvidos. Cabe agora ao MEC, observando esse horizonte, tomar medidas que garantam a segurança jurídica e a eficiência dessa nova etapa do Programa Mais Médicos.
Obs.: Este texto é um resumo de nosso artigo, que será publicado em breve.
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