A definição de biometria é a análise técnica, feita por meios matemáticos e estatísticos, de características fisiológicas - impressão digital, face, íris, geometria da mão, vascularização da mão, DNA e voz, por exemplo - ou comportamentais, como voz, expressão facial, assinatura ou modo de andar de um indivíduo. Quanto mais dados possuímos, maior será a probabilidade de que aquela amostra tenha uma correspondência única, tornando-a de maior qualidade para uma análise mais precisa e confiável.
Existe, no entanto, a chance de que duas pessoas ou mais possam gerar amostras muito similares ou equivalentes, o que resulta em um falso-positivo ou falso-negativo. E aí que está a maioria dos problemas.
As funcionalidades da biometria
A biometria está popularizada. A possibilidade de seu uso para o aumento da segurança em transações eleitorais e financeiras, no acesso a equipamentos e sistemas a está colocando em nosso uso diário.
O seu uso aliado a câmeras, sistemas de monitoramento e inteligência artificial também tem possibilitado o avanço do reconhecimento facial, que pode ser empregado na verificação de identidade em várias circunstâncias, como em controles de fronteira, de ambientes, de estádios de futebol e frequência escolar.
Como apontado pelo relatório publicado pela ANPD, “teoricamente os resultados sugeridos pelo uso do reconhecimento facial são otimistas, mas seus contrapesos na aplicação real são relevantes, tendo em vista que os dados biométricos são dados pessoais sensíveis e afetam massas populacionais, inclusive grupos vulneráveis. Igualmente, os algoritmos utilizados são passíveis de erro e podem refletir e perpetrar aspectos discriminatórios”.
As preocupações sobre a privacidade e a proteção dos dados pessoais dos titulares, principalmente em relação ao reconhecimento facial e sua crescente popularidade, são significativas.
A Coordenação-Geral de Tecnologia e Pesquisa – CGTP da Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD estudou vários casos de uso facial de biometria, especificamente de reconhecimento facial, incluindo casos de segurança pública e uso da biometria em sistemas de pagamentos e serviços de autenticação e entendeu que em todos estes casos há a questão dos vieses e normas culturais e sociais dos indivíduos responsáveis pelo tratamento dos dados biométricos, que podem se refletir nos algoritmos e nos modelos de aprendizagem, levando a efeitos discriminatórios de ordem racial, social, étnica, de gênero, econômica, etc.
Vale dizer que ainda não temos legislação federal específica que cuide da implementação de sistemas de videomonitoramento e reconhecimento facial; o que existem são propostas legislativas em trâmite no Congresso Nacional sobre o tema.
Biometria nas escolas
A ANPD informa que, normalmente, a motivação para a introdução do reconhecimento facial no ambiente escolar se funda no registro automático de frequência dos estudantes, que, por sua vez, serviria para subsidiar políticas de otimização da gestão do ambiente escolar, de combate à evasão e de segurança.
No entanto, apesar desta justificativa, o uso das tecnologias de biometria nas escolas ainda gera preocupação, pois, além de envolver o tratamento de dados sensíveis, os titulares são mais vulneráveis. Eles são crianças e adolescentes em sua maioria e demandam atenção especial, em particular mediante a observância do princípio do melhor interesse, como consta no art. 14 da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018).
E além do uso inadequado do consentimento como base legal, há a possibilidade de coleta não informada; do nível de acurácia da biometria estar aquém do desejado; os efeitos discriminatórios e, com o compartilhamento dos dados entre controladores, os riscos secundários.
O relatório produzido pela ANPD cita o ocorrido em 2019, quando as Autoridades de Proteção de Dados da França e da Suécia mobilizaram uma ação contra a utilização de reconhecimento facial nas escolas que, mediante consentimento prévio, estavam coletando informações através das pupilas dos estudantes. A autoridade francesa entendeu que o sistema era avesso aos princípios fundamentais da proporcionalidade e minimização de dados estabelecidos pela GDPR. A autoridade sueca, após a análise do desequilíbrio entre os titulares dos dados e o controlador, considerou que o consentimento não era uma base legal válida.
O InternetLab, inclusive, publicou em 2023 o relatório “Tecnologias de vigilância e educação: um mapeamento das políticas de reconhecimento facial em escolas públicas brasileiras”, que identificou e analisou políticas de adoção do reconhecimento facial em escolas brasileiras e verificou as finalidades definidas elos governos para a implementação da tecnologia.
A intenção destes governos é otimizar a gestão do ambiente escolar pelo controle do registro de presença, das merendas e material escolar; combater a evasão escolar; evitar que estudantes saiam da instituição sem autorização e salvaguardar o patrimônio escolar.
O estudo também demonstra que o Brasil já conta com 15 cidades que utilizam tecnologias de reconhecimento facial nas escolas, todas pertencentes à rede pública. Uma das questões é que o tema não é regulamentado pelo MEC, mas pelas secretarias municipais e a maioria delas não se orientam por normas locais que tratam sobre o tratamento de dados pessoais e a segurança da informação municipal, o que gera, sim, diversos riscos para os alunos.
Lembrando, como já afirmamos em outros textos, que esta tecnologia apresenta imprecisões, tornando seu objetivo incerto e deixando vulneráveis seus titulares.
Um outro problema é o uso secundário dos dados pessoais, ou seja, o tratamento posterior de dados pessoais com o fim de alcançar novos objetivos, diferentes daqueles que justificaram o tratamento inicial. Nestes casos, um eventual tratamento posterior somente pode ser realizado para uma finalidade que seja compatível com a original do tratamento (art. 6º, I e II da LGPD) e desde que necessário para a concretização das finalidades previamente estabelecidas pelo controlador, respeitando a abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos para tal finalidade.
Leia mais a respeito
O assunto é vasto e não podemos nos furtar aos avanços da tecnologia. Riscos, principalmente quanto à privacidade, à proteção de dados e à segurança da informação, devem ser enfrentados.
De se lembrar que o uso concomitante da inteligência artificial e o tratamento de dados em larga escala tende a aumentar a acurácia da biometria, o que não afasta, claro, o constante debate e cuidado, seja pelo setor público, seja pelo setor privado.
E, como bem exposto pela ANPD, apenas com o aprofundamento das análises acerca da temática será possível ampliar a compreensão do cenário nacional, bem como a identificação das principais controvérsias e a relação das tecnologias de biometria com a própria Lei de dados.
Para leitura do material publicado na íntegra, acesse: Estudos Preliminares sobre biometria e reconhecimento facial, por Fabiana S. P. Faraco Cebrian Gustavo do Amaral Prudente Marcelo Santiago Guedes Maria Carolina Ferreira da Silva Maria Luiza Duarte Sa Thiago Guimarães Moraes.
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