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Decisões judiciais poderão ser tomadas por uma inteligência artificial?

Atualizado: 6 de ago. de 2021

Não há um conceito único de inteligência artificial. O termo existe para se referir a técnicas diferentes e é abordado de várias maneiras por pesquisadores e desenvolvedores. Ele é normalmente tratado como a inteligência similar à humana e exibida por sistemas de software, além de ser um campo de estudo acadêmico.


A maioria dos estudiosos do assunto o definem como o estudo e projeto de agentes inteligentes, no qual o agente inteligente é um sistema que entende seu ambiente e toma atitudes e decisões que maximizam as chances de sucesso naquele caso e situação específica.


Uma boa definição de inteligência artificial para a área do Direito, para a qual podem ser desenvolvidos sistemas a partir de diferentes estratégias conforme o objetivo almejado, é a de Andreas Kaplan e Michael Haenlein, que definem a IA como “uma capacidade do sistema para interpretar corretamente dados externos, aprender a partir desses dados e utilizar essas aprendizagens para atingir objetivos e tarefas específicas através de adaptação flexível”.


Lembrando que quem forjou a expressão foi o cientista da computação John McCarthy, em 1956, definindo-a como "a ciência e engenharia de produzir sistemas inteligentes".


No Direito


Já publicamos sobre a inteligência artificial ser aliada dos advogados na sugestão de ações utilizando-se de teses conhecidas ou ao calcular probabilidades dentro de cenários específicos, o que não é pouca coisa. Técnicas e algoritmos também podem ser utilizados para solucionar questões e problemas determinados dos escritórios - ainda que bastante complexos - incluindo geração e administração de contratos.


No judiciário, a IA também dá suporte para responder ao crescimento exponencial das demandas. As diversas iniciativas desenvolvidas e implementadas pelos tribunais do país são sistematizadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para compartilhamento com todo o sistema do judiciário. Em 2019, inclusive, o CNJ instituiu o Laboratório de Inovação do Processo Judicial em meio Eletrônico – Inova PJe e o Centro de Inteligência Artificial Aplicada ao PJe, de acordo com as diretrizes estabelecidas na Portaria n. 25/2019.


É esperado que a IA consiga replicar o raciocínio do julgador humano, ou melhor, consiga refazer o processo mental executado para a tomada de determinada decisão jurídica. Pela análise de um grande número de decisões, é possível que a IA avalie, perceba e replique como juízes ou tribunais se comportam. Isso, claro, para situações semelhantes.


O Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP, José Miguel Garcia Medina, salienta que a “estratégia de desenvolvimento da Inteligência Artificial não é um dado irrelevante, pois a concepção de Direito adotada (consciente ou inconscientemente) pelos programadores terá influência no funcionamento e nos resultados do sistema de Inteligência Artificial”.


Ele explica que se utiliza uma espécie de "atalho",


“buscando identificar e tomar como referência decisões judiciais já existentes, nas quais o trabalho de interpretação já foi realizado por humanos (julgadores), seja em um único caso semelhante, seja por meio da análise de um conjunto de decisões, a fim de apurar o entendimento dominante. Essa técnica tem grande potencial de aplicação, em especial no gerenciamento dos chamados casos repetitivos ("demandas repetitivas") e no fortalecimento do sistema de precedentes”.

Nesse sistema de inteligência artificial o direito aplicável ao caso concreto será o mesmo já definido em decisões passadas, pois há uma programação que assumiu que a decisão judicial paradigma era a solução correta.


O professor José Miguel Garcia Medina, em seu texto A era da inteligência artificial: as máquinas poderão tomar decisões judiciais?, faz o exercício de imaginar o desenvolvimento de um sistema de IA que tenha como base de dados todo o conteúdo normativo do país e contenha uma lógica de operação dos critérios interpretativos para a subsunção do problema às regras do ordenamento jurídico, a fim de fornecer a solução jurídica.


Veja que neste caso a solução de um processo, por exemplo, não partiria da comparação com casos semelhantes, mas se tentaria reproduzir o processo racional de tomada de decisões e de construção da norma jurídica aplicável ao caso específico a partir dos textos legais. E às críticas de que a IA desconsideraria certos valores necessários à correta aplicação do Direito, o professor responde que talvez sua aplicação devesse conter um mínimo de uniformização e certeza, afastando-se do subjetivismo e casuísmo.


Ele assevera que “a construção de um sistema de Inteligência Artificial que possa realizar um roteiro interpretativo completo é objetivo e altamente complexo, não apenas pelo aspecto técnico-computacional, mas também pela diversidade de concepções jurídicas” e que seria bastante conveniente a participação dos operadores do Direito no processo de desenvolvimento dos programas.


E também que, pelo mínimo de previsibilidade nas decisões judiciais e pelo fato de que o processo de tomada das decisões judiciais pode ser organizado e explicado racionalmente, podemos admitir que essa atividade possa ser traduzida em linguagem computacional.


Por outro lado, de acordo com o professor, se pensarmos que o resultado da interpretação jurídica não pode ser previsto e que as normas jurídicas não podem ser sistematizadas, estamos concluindo que a aplicação do Direito é puramente aleatória e sequer mereceria a qualificação de ciência.


Vieses e premissas básicas


A experiência ordinária tem nos mostrado situações em que os sistemas de IA atuam de maneira preconceituosa. Esta é uma boa razão para que as decisões proferidas por sistemas de IA possam ser auditáveis: um humano no controle dos recursos pode e deve ser uma segurança para os jurisdicionados, com toda a crítica que pode ser feita à ação que se torna automatizada pelos próprios humanos.


Neste ponto, interessante acompanhar o que os professores Andre Vasconcelos Roque e Lucas Braz Rodrigues dos Santos entendem como premissas básicas para a utilização da inteligência artificial na tomada de decisões.


Eles frisam que toda decisão judicial tomada com o auxílio de inteligência artificial deve conter essa informação em seu corpo. Que seria inconstitucional a tomada de decisões exclusivamente por robôs sem que pudessem, de alguma forma, ser submetidas à revisão humana e que, sempre que opostos Embargos de Declaração invocando a ocorrência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material contra decisão proferida com o auxílio de IA, estes devem ser apreciados pelo juiz da causa, sem a utilização de tal mecanismo, sob pena de nulidade.


As premissas nos parecem bastante necessárias; até por não haver regulamentação da matéria e pela necessidade de se garantir o devido processo constitucional a todos os jurisdicionados.


Opiniões contrárias


Para alguns especialistas, mesmo com o avanço da tecnologia, a inteligência artificial não produzirá decisões em processos judiciais (pelo menos por enquanto) e a função continuará sendo de magistrados, com os sistemas auxiliando-os quando possível e tornando o trabalho mais rápido e eficiente.


O pesquisador do Cepi-FGV Direito/SP, Alexandre Zavaglia, na ocasião do seminário virtual sobre os rumos do Conselho Nacional de Justiça na esfera da LGPD, salientou que atos que não são privativos de juízes podem ser executados pela tecnologia, mas que decisões judiciais sempre serão atos exclusivos de magistrado. E que sistemas de IA podem tão somente sugerir decisões.


Tecnologia e desenvolvimento


O desenvolvimento tecnológico está a todo vapor: como bem detalhado pelo professor Garcia Medina, veremos mudanças sociais profundas acompanhar as mudanças tecnológicas. Elas vão ocorrer e não nos espantemos se forem em espaço de tempo ainda menor do que o imaginado.


Os sistemas evoluem a passos largos. Há poucas décadas, apenas a título de ilustração, não imaginaríamos o processo judicial eletrônico (PJe) alcançando 70% dos processos brasileiros.


Hoje já são possíveis mecanismos de conciliação virtual. Os que permitem que juízes usem a tecnologia para proferir decisões - bem mais avançados obviamente - são perfeitamente viáveis e não distantes assim.


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