A pandemia da COVID-19 obrigou o fechamento das escolas em todo o país. Enquanto as famílias se esforçam para dividir o tempo entre trabalho e crianças, os educadores – desde o primeiro momento da suspensão das aulas – se esforçam para encontrar maneiras de continuar assistindo seus alunos.
A crise mundial exacerba as desigualdades existentes e aumenta as disparidades acadêmicas. Apesar de praticamente dois terços da população do país possuir conexão com a internet, as lacunas entre as diferentes classes ficaram ainda mais evidentes e os educadores se empenham para reduzi-las.
Quais as duas principais necessidades que precisam ser atendidas para que se reduzam as disparidades crescentes no acesso ao aprendizado? Professores de diversos estados norte-americanos fizeram um compilado e as informações podem ser trazidas para a realidade brasileira, com as devidas adaptações, respeitando o nosso cenário e circunstâncias.
Falta de equipamentos e de internet de alta velocidade
A primeira grande dificuldade verificada na pesquisa é que os estudantes não possuem acesso à internet de alta velocidade. No Brasil estima-se que 67% dos brasileiros têm acesso à internet, mas o acesso em alta velocidade a partir de dispositivos como computadores ou tablets é mais restrito às classes A e B. Entre as classes D e E esse número despenca para 42%, normalmente feito via celular, com internet limitada.
O IPEA também aponta que 70% dos moradores das cidades estão conectados, mas nas áreas rurais apenas 44% dos moradores tem acesso à internet e a lógica da disparidade é a mesma: também nas áreas rurais o conectado é o cidadão das classes A e B. O mais pobre é excluído.
Há de se atentar para o fato de que nas classes mais altas há multiplicidade de dispositivos e na classe D e E o uso está muito baseado no celular, o que reduz e limita as oportunidades de uso da internet para educação e mercado de trabalho. A constatação é do coordenador de projetos de pesquisas do cetic.br, Fábio Senne.
Muitos estudantes possuem acesso limitado ao WhatsApp, Facebook e Instagram. E muitos outros sequer têm acesso ao celular, sendo inclusive comum que mais de uma família compartilhe o mesmo roteador de Wi-fi, quando o tem.
Estima-se, enfim, que milhares de estudantes brasileiros não consigam ter acesso ao EAD, existindo um verdadeiro fosso digital entre as classes sociais. Mesmo que as escolas possam fornecer ou emprestar computadores a seus alunos pelo período de suspensão das aulas, a falta de internet de boa qualidade prejudicará as interações em sala de aula para todos os alunos.
No caso de Minas Gerais, os estudantes do ensino público receberão apostilas mensais de orientação de estudo e atividades por ano de escolaridade, que serão distribuídas prioritariamente por meios virtuais. Para aqueles que não têm acesso à internet, as escolas e Superintendências Regionais de Ensino identificarão a melhor forma de distribuição do material, levando em consideração as orientações de prevenção à Covid-19.
O governo estadual de Minas Gerais, portanto, não conseguiu munir seus alunos de equipamentos e internet. A alternativa foi desenvolver, em parceria com a Rede Minas, um programa educativo (“Se Liga na Educação”), que será transmitido de segunda a sexta-feira, onde serão apresentados conteúdos que apresentam mais dificuldades aos estudantes, além de debates específicos sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No caso, os programas serão exibidos ao vivo e durante as aulas via TV os estudantes poderão interagir com os professores no estúdio, por meio das redes sociais, WhatsApp e telefone.
A falta de treinamento dos professores
Grande dificuldade aparece também na falta de treinamento dos professores. É claro que muitos já foram treinados para usar ferramentas virtuais de ensino, mas as disciplinas exigem diferentes abordagens e os professores precisam de instruções específicas sobre como traduzir efetivamente seus assuntos para plataformas online. Para Renee Moore, do Mississippi Delta Community College, "aprender a ensinar on-line é difícil". Ela sugere que os educadores mais familiarizados com o ensino on-line sejam os tutores dos mais novos.
Esta colaboração entre professores facilita na descoberta de como adaptar as tarefas às necessidades específicas de diferentes alunos. Mesmo porque, como inclusive já escrevemos por aqui, ensinar também é envolver os alunos: conversar com eles sobre suas necessidades, incentivando-os e ajudando-os a desenvolver suas habilidades no momento.
Em um momento como esse a capacidade dos professores em flexibilizar regras é importante. E os professores precisam confiar em seus planejamentos. O momento é de priorizar o bem-estar dos alunos, mesmo que isso exija abordagens incomuns, como diminuir a quantidade de parte do conteúdo e ser mais flexível com prazos e avaliações.
O desafio agora não é cobrir todo o conteúdo, mesmo porque a escola é muito mais do que o material acadêmico. A educação também é sobre o senso de comunidade, a colaboração, a empatia e confiança no futuro.
Isso, no caso, dos alunos que poderão continuar seus estudos a distância. Em áreas de maior pobreza a prioridade são as necessidades básicas.
Alguns pesquisadores norte-americanos argumentam que as localidades com poucos recursos e com um número maior de estudantes vivendo em situação de pobreza podem se resolver melhor se abandonarem completamente as aulas remotas e se concentrarem em fortalecer as instruções presenciais quando as escolas reabrirem.
A realidade brasileira pode não suportar tal posicionamento pois, mesmo em períodos de normalidade, as escolas que atendem comunidades carentes já passam por percalços como falta de estrutura e falta de pessoal, sendo corriqueiro que toda a classe de professores públicos esteja com salários defasados (e atrasados).
Então, ainda que existam evidências de que o aprendizado remoto funcione menos para os alunos mais vulneráveis, proceder a uma paralisação completa – sem ao menos tentar um novo projeto, como o que mencionamos do Estado de Minas Gerais, que irá fornecer material on-line e aulas via TV – poderia trazer danos incalculáveis a estes estudantes, que terão pela frente, ao final do ano, que enfrentar o ENEM, mantido pelo governo federal.
Em condições ideais, o que é falado do EAD emergencial?
Bem antes de o mundo enfrentar o coronavírus, a pesquisa Challenger, feita pelo Google, mostrou que, no Brasil, 82% dos professores estavam preocupados com a equidade de acesso quando se tratava de tecnologia nas escolas. 91% dos pais acreditavam que a tecnologia na sala de aula tornava o aprendizado mais envolvente. A tecnologia, enfim, com o apoio de pais e professores, já adentrava várias salas de aula pelo país e seu crescimento vinha sendo imenso.
Com a paralisação das aulas em razão da pandemia, as escolas, professores, pais e alunos vivenciaram o choque da realidade. Passado o brevíssimo período de adaptação técnica e de pessoal, iniciaram-se as aulas on-line e muitos hoje concordam que a mudança foi desafiadora, mas também cheia de surpresas agradáveis. Uma revelação para alguns, principalmente em se tratando de estudantes mais maduros.
Realmente, para cursos práticos e baseados em laboratório existe uma questão a ser superada e fazer a transição é desafiador. Mas em relação aos demais conteúdos, podemos verificar sucesso, principalmente se pensarmos que muitos professores experimentaram o ensino on-line pela primeira vez.
Ainda são deficientes as pesquisas a respeito no Brasil, então nos reportamos a estudos realizados nos Estados Unidos. Na Harvard Medical School (HMS) a transição foi relativamente suave. No caso, a escola já vivia a experiência da "sala de aula invertida", um formato em que os alunos leem, estudam e se preparam com antecedência para as aulas. Adicionar o Zoom a essa fórmula foi uma boa experiência de aprendizado.
Aqui no Brasil, em Goiânia, uma escola particular aderiu à sala de aula invertida e, segundo a diretora pedagógica, Tatiana Santana, apesar de ser um grande desafio e do período de adaptação, os alunos estão indo muito bem.
Pelo visto, tanto os alunos quanto os professores estão descobrindo as suas capacidades e não há dúvidas de que ideias novas e interessantes ainda serão desenvolvidas; é fato que a união dos alunos, professores e funcionários será de grande valia durante esta pandemia.
Mais uma vez, é certo que cursos práticos precisarão de adiamento, até que os alunos possam ter acesso a instalações adequadas, mas há sempre um lado positivo em todo o caos. Aprenderemos a fazer diferente, sempre facilitando o aprendizado e focando nas mesmas habilidades. E as inovações deste período poderão ser utilizadas quando as nuvens negras desaparecem.
Interessante mencionar a opinião da professora Jeannie Suk Gersen, da Faculdade de Direito de Harvard. Ela disse que considerava o Zoom "altamente compatível com o ensino socrático" e "mais agradável e menos performático do que ficar em um pódio na frente de uma grande sala de aula". O também professor de Direito John H. Watson, da Harvard Law Today, salientou que a plataforma facilita “chamar os alunos” e promover sua participação sem causar nervosismo. "Vários alunos comentaram depois que seus colegas de classe pareciam menos nervosos e mais preparados ao falar no Zoom do que em uma grande sala de 115 alunos" (tradução livre de trecho do texto Zooming through the grad Schools).
Dificuldades técnicas e falta de interação pessoal com os colegas ainda são esperadas, mas não é raro encontrarmos professores e alunos que elogiam as aulas virtuais, que funcionaram melhor do que esperavam.
Ferramentas on-line como HangOuts Meet, Webex, Microsoft Teams, Jitsi, Zoom, BigBlueButton e GoToMeeting vieram à tona carregadas de benefícios imprevistos. E isso é muito bom.
O futuro chegou mais rápido que prevíamos.
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