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Existe um debate LGBTQI+ nas escolas?

Não é fácil verificar se as escolas, no geral, abordam temas de diversidade e inclusão. Em relação ao debate LGBTQI+, por exemplo, diante de uma onda conservadora em que vivemos, se torna ainda mais difícil verificar se as instituições de ensino têm abordado o tema como necessário.


Uma forma de proceder a essa verificação é analisar pesquisas que são feitas com os estudantes pré-adolescentes e adolescentes, como a PeNSE, fruto da parceria entre o Ministério da Saúde e o IBGE, com o apoio do Ministério da Educação; a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, ou, de forma mais específica, a Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTI+, realizada pela sociedade civil sob os cuidados da startup Todxs.


Esses estudantes são o alvo ideal das pesquisas, pois vivem o momento de importantes mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais, experimentam novos comportamentos e vivências e também, infelizmente, um número importante sofre agressões físicas de outros alunos, atura preconceitos - muitas vezes por parte dos próprios professores e coordenadores -, e não se vê representado em materiais didáticos. Sofrem todo tipo de bullying, a bem dizer, os que fogem dos estereótipos de gênero.


Fato que as pesquisas desnudam que as escolas acabam por se inibir na discussão de sexualidade e gênero e, em meio aos retrocessos, são educadores isolados e iniciativas regionais que buscam meios para combater a LGBTfobia.


A escola reproduz o que acontece na sociedade. Então, infelizmente, da mesma forma que a escola continua reproduzindo o racismo e o machismo, existe uma prática arraigada de LGBTfobia.


Do Plano Nacional de Educação, de 2001, até os dias de hoje


Um excelente resumo do que vem acontecendo está traçado no texto Como anda o debate LGBTQI+ nas escolas?, de Betina Neves, publicado pela Revista Gama, do Grupo Nexo. É demonstrado que os anos 2000 foram marcados por uma série de avanços nas políticas públicas educacionais voltadas para a inclusão da população LGBTQIA+.


O próprio Plano Nacional de Educação de 2001 tinha como objetivo a promoção de uma sociedade menos desigual no que diz respeito à gênero e sexualidade e propunha a avaliação de materiais didáticos para retirar textos discriminatórios ou que reproduzissem estereótipos.


Em 2004, foi lançado o programa “Brasil sem Homofobia”, com o objetivo de promover a cidadania e os Direitos Humanos à população LGBTQIA+ a partir de equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação.


Houve o fortalecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBTQIA+ e algumas outras medidas, como reconhecimento dos direitos de casais de mesmo sexo no serviço público federal.

Posteriormente, menos de duas décadas depois, começamos a vislumbrar um aumento de grupos que se opõem às discussões de gênero (e isso no mundo todo) e o modo como a questão era abordada nas escolas. Como bem mencionado no texto, o que era feito de forma tímida, minguou ainda mais.


Nas últimas versões tanto do Plano Nacional de Educação quanto da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – documento que define as linhas gerais do que os alunos das 190 mil escolas do país devem aprender – foram suprimidas todas as referências à gênero e diversidade sexual, apesar de ambos versarem sobre princípios de equidade no acesso escolar e inclusão universal nesses espaços, o que coloca em xeque a formação de alunos para o respeito à diversidade e a concepção de escola como um espaço democrático de conhecimento e discussão.


À época, o MEC justificou a ação dizendo que a mudança foi feita para evitar a redundância e que a supressão – que havia gerado tantas críticas - não alterava os pressupostos da Base. A ausência da citação explícita das expressões não significa proibição do debate, mas o documento fundamenta a elaboração dos currículos, materiais didáticos e a formação dos professores.


Então, mostra uma opção ao desamparo da questão da identidade de gênero e orientação sexual. No caso, não se posicionar é um posicionamento.


Retomando as pesquisas, a última Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil, de 2016, relatou que 73% dos estudantes LGBTQIA+ informaram já terem sido agredidos verbalmente em razão de sua condição, e 36%, fisicamente.


E a Pesquisa Nacional por Amostra da População LGBTI+, da startup Todxs, realizada no fim de 2020, demostrou que 07 em cada 10 pessoas LGBTQIA+ não se sentem seguras para declarar suas identidades de gênero ou orientações sexuais no ensino médio.


A necessidade de se discutir sexualidade e gênero nas escolas


A PeNSE, de 2021, demonstrou que mais de um terço dos estudantes de 13 e 17 anos já teve relação sexual. Na faixa dos 16 aos 17 anos, 55,8% dos escolares já haviam iniciado a vida sexual. Na faixa dos 13 aos 15 anos, o percentual foi menor (24,3%). Entre os meninos, o índice de adolescentes que já tiveram relação sexual é mais alto (39,9%) do que entre as 31% meninas. A idade média de iniciação sexual é de 13,4 anos para os meninos e de 14,2 anos para as meninas.


Cerca de 14,6% dos escolares de 13 a 17 anos alguma vez na vida foram tocados, manipulados, beijados ou passaram por situações de exposição de partes do corpo contra a sua vontade. Tais casos de abuso sexual foram bem mais frequentes entre as meninas (20,1%), com taxa duas vezes maior do que a observada para os meninos (9,0%). Na rede privada, houve mais relatos desse tipo de violência do que na rede pública.


Cerca de 6,3% dos escolares foram obrigados a ter relação sexual contra a vontade. Aqui as meninas estão em número maior de vítimas e os casos foram mais elevados entre os alunos da rede pública do que da rede privada. Em 68,2% dos casos de relação sexual forçada, o aluno tinha 13 anos ou menos quando ocorreu a violência.


Mencionamos todos esses dados para lembrar que o estudante (notadamente o adolescente) precisa de orientação sexual, bem como orientação e debates em relação a gênero, e esse mérito também é da escola. É a escola que vai ter a capacidade de desconstruir preconceitos e estereótipos, sem tabus.


É óbvio que as famílias podem e vão educar seus filhos dentro de seus valores, mas as escolas não podem se omitir das discussões - por mais polêmicas que sejam – trazendo as informações técnicas e científicas sobre os mais diversos assuntos.


E discutir sexualidade é também discutir identidade de gênero: é discutir orientação sexual; é normalizar comportamentos; é promover aceitação; é reduzir a violência; é cumprir o papel social de educar sem homofobia. Da Educação Infantil até o ensino superior.


Infelizmente, a resposta ao questionamento do nosso título é negativa. Ainda não existe, pelo menos como regra e rotina, um debate LGBTQI+ nas escolas. A formação dos professores ainda é falha: as universidades não têm disciplinas obrigatórias que tratem da questão e a maioria chega na escola despreparada para lidar com a diversidade.


De qualquer forma, os docentes não podem repassar para os alunos suas representações ideológicas, quase sempre com caráter religioso; se o fizerem se tornam os produtores do sofrimento dos LGBTQIA+.


Enfim, a instituição de ensino deve ser um ambiente em que todos os estudantes se sentem acolhidos e, para isso, a sexualidade deve ser pauta frequente, guiada por profissionais competentes.


Os alunos também devem ser encorajados a buscar os educadores em casos de necessidade e deve ser muito claro dentro da comunidade escolar que situações de homofobia, piadinhas etc não são toleráveis. A escola cumprindo seu papel social.




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