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As razões da Unesco para recomendar a proibição do uso de celulares dentro de sala de aula

Uma das constatações trazidas pelo relatório sobre tecnologia e educação recentemente publicado pela Unesco dá a tônica de nosso texto de hoje: existem poucas evidências do valor agregado da tecnologia digital na educação e boa parte destas poucas evidências são produzidas pelos que estão tentando vendê-las.


Não é, de forma alguma, um estudo contrário à tecnologia digital como apoio ao ensino e à aprendizagem, mesmo porque ele deixa claro que ela oferece dois tipos de oportunidades. Primeiro, ela tem o poder de melhorar a aprendizagem ao dar conta de lacunas de qualidade, aumentando as oportunidades de praticar, oferecendo maior tempo disponível e instrução personalizada.


Segundo, ela pode envolver os estudantes ao variar como o conteúdo é representado, estimulando a interação e criando iniciativas de colaboração.

O relatório, inclusive, elogia o ensino online durante a pandemia, o que evitou um colapso na educação mundial, apesar do grande número de estudantes que ainda ficaram à margem do sistema.


Porém, voltando à questão anterior, é importante perceber que revisões sistemáticas do impacto da tecnologia na aprendizagem conduzidas ao longo das duas últimas décadas apontam efeitos positivos pequenos ou médios, em comparação à instrução tradicional.


Porque as avaliações nem sempre isolam o impacto da tecnologia nos casos específicos, o que dificulta a atribuição de efeitos positivos exclusivos, em vez de outros fatores, como, por exemplo, mais tempo de instrução, mais recursos, ou apoio a professores.


E as empresas de tecnologia, como já era de se esperar, exercem uma influência desproporcional na produção de evidências.


Impressões erradas?


O que é interessante é que o relatório aponta que, contrariamente ao senso comum, a prevalência do uso das TIC em sala de aula não é alta, sequer nos países mais ricos do mundo.


O que tem sido feito com mais ênfase é a utilização de aulas gravadas para reduzir lacunas de qualidade de instrução e melhorar o uso do tempo do professor. Na China, por exemplo, o governo tem oferecido aulas de alta qualidade, gravadas por professores da zona urbana, a 100 milhões de estudantes da zona rural. E, neste caso específico, após avaliação de impacto, notou-se melhoria de 32% nas habilidades tanto de matemática quanto da língua chinesa, além de uma redução de longo prazo de 38% na lacuna salarial entre zonas rural e urbana.


Porém, apenas fornecer material didático sem contextualização e apoio não é suficiente. No caso do Peru, o Programa Um Laptop por Criança distribuiu cerca de 1 milhão de laptops com conteúdo, sem impactos positivos na aprendizagem. A explicação é que houve oferta de aparelhos sem qualidade de integração pedagógica.


O que a escola precisa fazer, portanto, é aperfeiçoar a instrução com apoio da tecnologia por meio de personalização. Programas personalizados geram análises que podem ajudar os professores a acompanhar o progresso dos estudantes, identificar padrões de erro, fornecer feedbacks diferenciados e também reduzir a carga de trabalho dos professores.


O estudo publicado pela Unesco cita caso do uso destes softwares personalizados na Índia, onde documentaram ganhos de aprendizagem em contextos pós-escolares e para estudantes com notas baixas.


Porém – e isto sempre é importante ser frisado – não são todas as intervenções de software geralmente usadas que possuem fortes evidências de efeitos positivos em comparação à instrução habitual, conduzida por professores.


Já existem estudos sobre um sistema de aprendizagem e avaliação por inteligência artificial que foi usado em mais de 25 milhões de estudantes nos Estados Unidos que apontou que o desempenho na melhoria de resultados de aprendizagem não era melhor do que o ensino tradicional em sala de aula.

Os jogos


Como já dissemos, o estudo publicado não tem a intenção de negar a importância da tecnologia na educação. O objetivo é verificar em quais práticas há evidências de benefícios e alertar sobre em quais utilizações poderão ocorrer prejuízos aos estudantes.

No caso, relatam-se que interações variadas e representações visuais são capazes de melhorar a participação dos alunos. Estudos detalhados apontaram que jogos digitais traziam melhorias em resultados cognitivos e comportamentais em matemática. Lousas interativas podem ser capazes de oferecer apoio ao ensino e à aprendizagem se forem bem integradas à pedagogia, porém, no Reino Unido, apesar de uma adoção em larga escala, foram usadas basicamente para substituir quadros-negros.


No caso da realidade virtual, aumentada ou híbrida usada como ferramenta de aprendizagem de experiência para a prática em condições próximas à vida real em áreas técnicas, profissionais e científicas nem sempre é tão efetiva quanto o treinamento na vida real, porém pode ser superior a outros métodos digitais, como apresentações em vídeo.


A tecnologia também pode proporcionar aos professores formas convenientes e baratas de comunicação com pais e responsáveis. Na Colômbia, a iniciativa de educação a distância do Instituto Colombiano de Bem-Estar da Família, que trabalha com 1,7 milhão de crianças desfavorecidas, utiliza-se de plataformas de redes sociais para orientar os responsáveis sobre atividades em casa. O problema, neste caso específico, são as limitações dos próprios pais e responsáveis, que possuem baixos níveis de educação, além de falta de tempo e poucos recursos materiais.


Os celulares


Chegamos aos celulares.


Na última semana inúmeros jornais noticiaram que a Unesco emitiu um alerta global contra o uso de celulares nas salas de aula.


"Descobriu-se que a simples proximidade de um aparelho celular era capaz de distrair os estudantes e provocar um impacto negativo na aprendizagem em 14 países. O tempo prolongado de exposição à tela pode afetar de forma negativa o autocontrole e a estabilidade emocional, aumentando a ansiedade e a depressão”, diz o relatório.


Também de acordo com o estudo da Unesco, pelo menos um em cada quatro países do mundo já proíbe ou tem políticas sobre o uso do celular em sala de aula.


O relatório vem para confirmar o que professores e (talvez a maioria dos) pais já sabiam pela experiência ordinária: o uso da tecnologia pelos estudantes em salas de aula e em casa pode ser uma distração, prejudicando a aprendizagem.


Uma meta-análise de pesquisas sobre o uso de telefones celulares por estudantes e seu impacto nos resultados da educação, considerando estudantes do pré-primário à educação superior em 14 países, detectou um efeito negativo pequeno, e um maior efeito em nível universitário.


Estudos usando dados do PISA indicam uma associação negativa entre o uso de tablets e telefones e o desempenho dos estudantes acima do limiar de uso moderado.


Para os professores questionados, o uso destes TIC prejudica a gestão da sala de aula. No caso, um em cada três professores em sete países participantes do ICILS 2018 concordaram que o uso das TIC em salas de aula distrai os estudantes.


“As notificações recebidas ou a mera proximidade do celular podem ser uma distração, fazendo com que os alunos percam a atenção da tarefa. O uso de smartphones nas salas de aula leva os alunos a se envolverem em atividades não relacionadas à escola, o que afeta a memória e a compreensão”, afirma o relatório.


No Brasil, ainda não há regulamentação que proíba o uso de celulares ou tablets dentro de salas de aula; são as escolas individualmente que ditam as regras sobre o uso dos aparelhos e agora, com a publicação da Unesco, estão mais amparadas pelos estudos caso decidam pela proibição total dos gadgets em suas instalações.


Lembrando que, na hipótese da aprendizagem online, espera-se a existência da habilidade do estudante de se autorregular e é muito fácil, na presença de celulares e tablets, os mais novos e os com menor desempenho ficarem em risco de abandono escolar.


Direitos do aluno


Com tantas inovações tecnológicas em nosso tempo, não é de esperar que a educação permaneça inalterada, mas muitos especialistas pedem que ela seja protegida das influências negativas da tecnologia digital.

E é este o desafio, pois a tecnologia é um insumo, um meio de distribuição, uma habilidade e uma ferramenta de planejamento, além de, de acordo com a Unesco, proporcionar um contexto social e cultural, o que levanta questões e problemas específicos.


A premissa básica do relatório é que a tecnologia deve servir as pessoas e colocar os estudantes e professores no centro; deve também lembrar à sociedade que grande parte da tecnologia não foi elaborada para a educação.


Desta forma, para sua utilização, sua adequação e seu valor precisam ser comprovados em relação a uma visão da educação centrada no ser humano. Isto antes de sua inserção na parte prática da educação.


É preciso também lembrar do conflito entre inclusão e exclusividade: a tecnologia pode, potencialmente, oferecer uma salvação educacional para muitos estudantes. No entanto, para muitos outros, traz uma barreira e surgem novas formas de exclusão digital.


Enfim, a tecnologia na educação é uma ferramenta a serviço de quem?

A Unesco nos lembra que os desenvolvedores de tecnologia geralmente estão um passo à frente dos tomadores de decisão e a pesquisa sobre tecnologia educacional é complexa. Evidências robustas e imparciais são escassas.


Será, então, que “as sociedades estão fazendo as perguntas certas sobre a educação antes de recorrer à tecnologia como uma solução?”


A conclusão é a de que as tecnologias de informação e comunicação têm o potencial de apoiar a igualdade e a inclusão para alcançar estudantes desfavorecidos e difundir mais conhecimento em formatos atraentes e acessíveis.


Em alguns casos, ela pode melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem de habilidades básicas, aonde as habilidades digitais estão, inclusive, inseridas. A tecnologia digital pode, da mesma forma, aumentar a eficiência da gestão escolar, ajudando a lidar com volumes maiores de dados educacionais.


Porém, a tecnologia também pode excluir e ser irrelevante e onerosa, ou até – o que é dispensável – ser totalmente prejudicial. Os governos e os gestores precisam garantir as condições certas para não só permitir o acesso igualitário à educação para todos, regulamentar o uso da tecnologia de modo a proteger os estudantes de suas influências negativas, como para preparar os professores.


Ou seja, recomenda-se que a tecnologia seja introduzida na educação com base em evidências que demonstrem que ela seja apropriada, igualitária, escalonável e sustentável. Seu uso deve atender aos melhores interesses dos estudantes e complementar uma educação baseada na interação humana.


No caso dos telefones celulares dentro de sala de aula, por ora, a Unesco recomenda uma proibição global.


“Temos de ensinar as crianças a viver com e sem tecnologia; a tirar o que precisam da abundância de informação, mas a ignorar o que não é necessário; a deixar a tecnologia apoiar, mas nunca suplantar as interações humanas no ensino e na aprendizagem.” (Manos Antoninis, Diretor da equipe que elaborou o relatório)

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