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Embargos na ADC 81: perspectivas para o ensino de medicina

A ADC 81 parece estar prestes a ter uma decisão definidva, a ultima fase é o julgamento dos embargos. Eles são recursos com a finalidade de esclarecer a decisão já proferida pelo plenário, que eventualmente podem mudar alguns pontos na abordagem da Corte. Na semana de 21 a 28 de março de 2025. Após o voto do Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Flavio Dino acompanhou o relator, enquanto o Ministro Dias Toffoli pediu vistas. Agora o julgamento pode permacer por até 90 dias suspenso, aguardando os novos votos.


Esse cenário se desenhou a partir de um debate em que a análise da Portaria MEC/SERES n. 531/2023 assume papel central – não apenas como instrumento regulatório, mas como peça-chave na discussão sobre o impacto das restrições casuísticas nas políticas públicas de educação médica.


Embora o voto inicial tenha sido elaborado com a habitual competência argumentativa do relator, ele traz pontos que merecem análise detalhada, sobretudo por abordar, de forma indireta, a validade dessa Portaria. Inicialmente, o voto nos embargos pretendia tratar “apenas dos parâmetros constitucionalmente adequados para a aplicação da sistemática do chamamento público”. Essa intenção visava resguardar a segurança jurídica e reduzir a litigiosidade; entretanto, resultou numa decisão com forte peso discursivo em favor da regulamentação e conduta restriva do MEC.


Análise do Voto e Fundamentação Doutrinária


Apesar de afirmar repetidamente que “o exame da legalidade da Portaria 531/2023 extrapola o próprio objeto da ADC”, o voto do relator dedica espaço significativo ao tema, especialmente diante das alegações de suposto descumprimento, pelo MEC, do acórdão embargado. Essa argumentação dificulta afastar a conclusão de que, no plano discursivo, não haja uma legitimação implícita de certas condutas do Ministério da Educação.


Isso constitui um problema, pois a controvérsia envolve questões que exigem análise probatória e aprofundamento em legislação infraconstitucional – assuntos que, em tese, não deveriam integrar o objeto de ações constitucionais. Na via estreita das ações de controle concentrado não cabe discutir se uma norma infraconstitucional atende outra norma também infraconstitucional, pois o processo se destina exclusivamente à análise direta da conformidade com o texto constitucional.


A obra de referência em Direito Constitucional, escrita em coautoria pelo relator da ADC 81, esclarece:


“A ofensa arguida no controle concentrado deve ser direta ao texto constitucional; a inconstitucionalidade reflexa, em que a análise da conformação com o ordenamento exige prévia análise da legislação infraconstitucional, não é caso de ação direta.” (Mendes, G. F. Ferreira; Branco, P. G. Curso de direito constitucional.15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020 (Série IDP), p. 1918. Kindle Edition).

Nesse mesmo sentido, destaca-se a decisão da Ministra Carmen Lúcia:


“Atos normativos infraconstitucionais de natureza regulamentar não se submetem a controle concentrado de constitucionalidade por caracterizar-se ofensa reflexa à Constituição da República” (ADI 5417, Tribunal Pleno, julgado em 07-12-2020).

Doutrina e jurisprudência indicam que o voto dos embargos pode ter ultrapassado seu escopo ao abordar restrições ilegais da Portaria relativas à região de saúde e ao número máximo de vagas, visto que a ilegalidade é analisada à luz da Lei 12.871/2013 – não se tratando, portanto, de matéria constitucional em sentido estrito. Talvez por essa razão, o relator recorra a expressões como “em tese”, “em princípio” ou “em âmbito estritamente objetivo”.


A estratégia de autoconteção abre espaço para que as instâncias ordinárias realizem julgamentos baseados em provas e no confronto entre a Portaria e as regras infraconstitucionais. Contudo, existe o risco de que tais qualificadores sejam negligenciados, levando operadores do direito e o público a interpretar o texto como conclusivo quanto à legalidade de alguns dispositivos da Portaria, em vez de perceber que os argumentos foram produzidos em juízo abstrato e objetivo.


Soluções e Caminhos Alternativos


Diante desse cenário, são salutares alternativas que orientem tanto o Judiciário quanto os demais atores envolvidos. Uma dessas alternativas está na manifestação recente do próprio Ministro Gilmar Mendes na Rcl 73.864:


“…a regulamentação do art. 3º da Lei 12.871/2013, quanto ao número de equipamentos públicos adequados e suficientes para oferta do curso de medicina (inciso II), não foi objeto da controvérsia e das deliberações nos autos da ADC 81/DF. [...]
Assim, é incabível a reclamação, sem prejuízo de a reclamante pleitear o direito por outros instrumentos processuais, perante as instâncias competentes.” (grifos no original)

Essa decisão, proferida em 12 de março de 2025 – coincidindo com a publicação da pauta de julgamento dos embargos – delimita a discussão na ADC 81 tal como ela deveria ser e sugere que outras questões relativas à regulamentação do art. 3º devem ser apreciadas pelas instâncias ordinárias. Sendo assim, ressaltar essa abordagem pode ser um modelo de consenso para o STF nos embargos.


Outra solução foi sugerida pelo Ministro Dias Toffoli, que, no Agravo Regimental na Reclamação 66.439, defendeu como primeira opção a “criação de um ambiente dialógico” entre os responsáveis pela política pública e as instituições de ensino interessada. A Reclamação foi encaminhada ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) do STF por determinação do relator do processo, Ministro Nunes Marques, denotando a valorização de uma alternativa arrojada e já adotada em recentes casos envolvendo temas complexos e interesses conflitantes.


Essa abordagem favorece uma resolução consensual, harmonizando interesses e promovendo decisões mais justas, sem desencadear uma nova onda de ações judiciais. Aplicada ao contexto dos cursos de medicina, ela reforça a possibilidade de se alcançar um consenso que não apenas respeite os limites da competência do Judiciário, mas também ofereça caminhos práticos e eficientes para o cumprimento das ordens judiciais, beneficiando gestores públicos, instituições de ensino e todos aqueles que demandam – com urgência – educação e saúde de qualidade.


Decisões judiciais pendentes de cumprimento


Diante do voto contundente nos embargos, que traça os contornos da competência do STF, é imperativo voltar a atenção para os inúmeros casos de ordens judiciais ainda não cumpridas. Enquanto não houver decisão definitiva, os votos permanecem como posições interpretativas sem eficácia vinculante. Portanto, o Ministério da Educação não pode utilizar as argumentações do voto - obiter dictum - como jurisprudência vinculante ou autorização para descumprir decisões judiciais. O MEC pode recorrer ou impetrar reclamação constitucional, mas não pode desobedecer às ordens judiciais vigentes até a decisão final dos embargos na ADC 81.


A esse respeito, a proposta do Ministro Dias Toffoli no Agravo Regimental citado estipula, como segunda opção, prazo para cumprimento da ordem judicial vigente naquelle processo, afirmando que, caso ultrapassado sem efetividade, “o Poder Público poderá ser responsabilizado por eventuais danos causados aos prejudicados pela mora administrativa, inclusive aos alunos interessados.”


Diante disso, adotar a iminência de decisão do STF como justificativa para descumprimento em instâncias inferiores, como tem feito o MEC, pode gerar graves prejuízos financeiros, como aluguéis mensais de imóveis na ordem de R$ 100.000,00, além de indenizações por danos materiais, morais e à imagem.


Em suma, num Estado Democrático de Direito, o Judiciário deve ser integralmente respeitado. Independentemente da decisão final nos embargos, o MEC deve cumprir as decisões judiciais ou cassá-las por vias próprias, da mesma forma que as Instituições de Ensino devem acatar interpretações judiciais, mesmo as controversas. Direito é assim: cidadãos têm opiniões, mas quem decide é o Juiz.


Jacobs Medicina STF

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