Portarias, vagas e modulação (parte 1): o alcance real do primeiro voto nos embargos da ADC 81 sobre medicina.
- Edgar Jacobs
- há 13 minutos
- 4 min de leitura
Em 21 de março, foi proferido o primeiro voto nos embargos de declaração da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 81, que trata da abertura de cursos de Medicina no Brasil. O voto do ministro relator, Gilmar Mendes, manteve o padrão de clareza e fundamentação jurídica característico de suas decisões. Os embargos foram parcialmente acolhidos, exclusivamente para acrescentar fundamentação ao acórdão anterior, “sem quaisquer efeitos modificativos”, ou seja, sem alterar o entendimento já firmado sobre a matéria. Não houve nova decisão sobre a constitucionalidade das normas, apenas esclarecimentos sobre pontos correlatos.
O relator, no entanto, acatou parcialmente algumas informações apresentadas pela União, ainda que essas informações sejam, em nosso entendimento, incompletas e distorcidas. Este ponto merece uma análise cuidadosa, pois há indícios de que parte dos argumentos incorporados não reflete integralmente o contexto normativo ou a realidade dos processos administrativos em andamento.
Para situar a questão, em 2024, no julgamento da ADC 81, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a abertura de novos cursos de Medicina deve ocorrer exclusivamente por meio de chamamento público, conforme previsto na Lei 12.871/2013 (Lei do Programa Mais Médicos). A decisão ressalvou, entretanto, que processos de autorização já iniciados por força de decisões judiciais poderiam ser concluídos, desde que respeitadas as exigências legais.
Pouco depois da decisão principal, o STF apreciou uma nova controvérsia em sede de medida cautelar, relacionada à Portaria MEC nº 397/2023, que estabelecia critérios para a autorização de novos cursos de Medicina. Naquela oportunidade, a Corte reconheceu que a norma estava em conformidade com o julgamento de constitucionalidade realizado na ADC 81, mas reforçou que a União deveria respeitar o contraditório e os demais princípios do devido processo legal ao conduzir os processos administrativos.
Posteriormente, o Ministério da Educação revogou a referida portaria e editou a Portaria MEC nº 531/2023, introduzindo novos critérios sobre a oferta de vagas e promovendo ajustes metodológicos por meio da Nota Técnica nº 81/2023, especialmente quanto à aferição da necessidade social.
Diante desse contexto, os embargos de declaração não retomaram a discussão sobre a constitucionalidade das normas centrais da ADC 81, mas se concentram na conformidade/ legalidade desses dois últimos atos administrativos — a Portaria 531 e a NT 81 — no contexto da aplicação da modulação de efeitos, ou seja, da análise dos processos de autorização ainda pendentes.
Embargos incomuns.
Como se observa, é evidente que os embargos de declaração na ADC 81 geraram um debate lateral, com foco não no mérito da constitucionalidade, mas na modulação de efeitos — mais especificamente, nos critérios adotados para essa modulação.
Tanto os proponentes da ação quanto os que defendem os interesses das Instituições de Ensino passaram a discutir se os critérios estabelecidos pelo MEC seriam ou não legais. No entanto, enfrentam uma limitação estrutural: o controle concentrado de constitucionalidade — e o próprio STF — não possuem competência para apreciar, em sede de ADC, a legalidade de atos administrativos infralegais, especialmente quando a controvérsia se refere ao descumprimento de normas federais como a LINDB ou a Lei nº 12.871/2013, e não diretamente à Constituição.
Para contornar essa limitação, passou-se a adotar uma espécie de eufemismo argumentativo: as partes passaram a sustentar que os critérios do MEC “*contrariam o acórdão”* da ADC 81 — e não que seriam ilegais per se.
Nesse contexto, o primeiro voto proferido nos embargos — técnico e bem fundamentado — ressalta expressamente que não analisa a legalidade dos atos administrativos, limitando-se a avaliar se tais atos estariam em desconformidade com o acórdão da ADC 81. Essa distinção é fundamental, pois reafirma os limites objetivos do julgamento dos embargos, sem impedir, evidentemente, a judicialização futura da legalidade desses atos em outras vias processuais.
Acréscimo de fundamentação.
Considerando esse enquadramento, seria plenamente possível ao STF rejeitar integralmente os embargos, ou acolhê-los apenas para examinar a compatibilidade formal da Portaria MEC nº 531/2023 e da Nota Técnica nº 81/2023 com os termos da decisão da ADC 81. No entanto, o voto optou por um meio-termo: acolheu parcialmente os embargos, unicamente para acrescer fundamentação ao acórdão, sem efeitos modificativos.
Isso significa que todo o conteúdo adicional trazido pelo voto configura uma análise lateral, não essencial à decisão de mérito. Em termos técnicos, trata-se de um obiter dictum — ou seja, considerações relevantes, mas que não integram o núcleo vinculante da decisão. Mesmo proferido pelo STF, esse tipo de manifestação não possui efeito vinculante e não impede o controle judicial dos atos administrativos questionados.
A título de analogia, é como se um juiz de primeira instância, ao proferir sentença, declarasse que sua decisão deveria ser aplicada por todo o Judiciário. Ainda que sua opinião possa ser respeitável, carece de eficácia erga omnes. O mesmo se aplica aqui: ao tratar da legalidade de normas infralegais frente à Lei nº 12.871/2013 e à LINDB, o STF emitiu um juízo de valor que, embora relevante, ultrapassa os limites formais da ADC 81.
Os atos administrativos realmente se adequam à ADC 81?
Nossa resposta é clara: não. A Portaria MEC nº 531/2023 impôs limitações arbitrárias ao número de vagas, e a Nota Técnica nº 81/2023 foi indevidamente utilizada como base normativa para a aferição da necessidade social, o que extrapola suas funções técnicas.
Tais vícios serão aprofundados nos dois artigos que complementam este texto introdutório, com base em um dos eixos centrais da própria ADC 81: a razoabilidade como parâmetro de controle da atuação administrativa.

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