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Edgar Jacobs

A questão do EAD na proposta de resolução sobre a formação docente.

Docentes em geral amam lecionar e ter contato real com seus alunos; por isso, muitos devem ter achado difícil dar aulas por vídeo durante a crise pandêmica, aulas que eram mais um improviso do que EAD. Os alunos também podem ter um pensamento parecido, talvez sentissem falta da interação próxima com os colegas. Nos últimos anos a questão do em tempo e lugar diferentes desperta emotividade em docentes e discentes de vários cursos e é natural que a Formação de Professores seja uma das primeiras áreas a resgatar um debate técnico sobre o assunto. Isso ocorreu no caso da proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial em Nível Superior de Profissional do Magistério da Educação Escolar Básica, definidas pelo CNE por meio do Parecer CNE/CP 4/2024, ainda não homologado.

Este parecer deu origem a uma proposta de resolução que exige, em síntese, 880 horas de atividades presenciais em cursos a distância (mais de 25% do mínimo), além, é claro, de extensão e estágio também feitos presencialmente.

O uso do espaço virtual na educação gera polêmicas, uma situação vivenciada em 2021 ilustra isso: Em plena pandemia, um professor criticou com veemência de uma aluna que não abria o vídeo em um encontro virtual. O docente protestou várias vezes, mas a estudante continuou ausente entre os pequenos retângulos que preenchiam a tela do ensino à distância. Depois da aula o professor recebeu uma mensagem era a aluna. Ela explicou que não ligou sua câmera porque estava dentro do banheiro de sua casa, único lugar isolado e silencioso o suficiente para acompanhar o curso.

Algumas abordagens poderiam indicar este caso como uma prova do quanto ao EAD é ruim, desumano e invasivo. Esse seria um olhar comum, que acaba culpando a modalidade de ensino - ou a adaptação emergencial que se parece com ela - pela condição do aluno e a falta de preparo da escola ou do docente. Entretanto, três outras hipóteses podem ser exploradas: (1) O EAD precisa ser bem-planejado; (2) deve ser escolha do aluno conforme sua condição e aptidão; e (3) há um preconceito, sugerindo que estudantes de cursos a distância são lenientes consigo mesmos e sempre estão desinteressados das aulas.

A terceira hipótese é o ponto de partida da análise feita neste artigo: existe uma visão preconcebida de que EAD é necessariamente uma modalidade pior que a presencial.

O parecer que fundamenta a proposta de resolução das chamadas DCN de Formação de Professores é um documento excelente. Aborda com técnica invejável diversos pontos que prometem dar aos cursos para docentes um novo status, porém, em relação às restrições que impõe ao EAD o texto traz poucos dados e argumentos.

Em uma busca simples, relacionada a termos com “distância”, “EAD” ou “presencial” no texto do parecer, nenhuma justificativa consistente é encontrada. Na página 9 talvez exista a única sequência de parágrafos sobre o assunto, lá em três parágrafos é dito que: o aumento de matrículas na modalidade é “um problema que vem se agravando nos últimos anos”, que os cursos de licenciatura estão “alavancado o crescimento do EAD”, em geral, e que “…os estudantes que buscam cursos de licenciatura têm mais de 30 (trinta) anos, são mais pobres, têm pior desempenho no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) em relação a alunos de cursos presenciais e em relação a outros estudantes que também fizeram curso EaD”. Essas afirmações não contém um fundamento consistente nem parecem sopesar a importância social do fenômeno dos cursos a distância. Por isso, é possível considerar que há um debate pendente.

O aumento da procura pelo EAD nas licenciatura é certamente resultado de uma maior demanda e isso deve ser analisado com cuidado. Os cursos são mais baratos? O estudante se sente mais interessado? O modelo é menos custoso para ser replicado e ampliado? Talvez as respostas a estas perguntas sejam incômodas. A primeira resposta indicaria que o apelo econômico é um importante incentivo para a escolha do curso e da modalidade, isso é um entendimento claro. A segunda evidenciaria que estudantes preferem EAD enquanto os especialistas optam pela presencialidade. Neste caso, está posto um paradoxo, pois cursos presenciais podem não ter demanda e os a distância - os cursos, de fato, a distância - podem deixar de existir se a resolução em questão for implementada. Por fim, a última resposta mostraria que há uma questão social maior: cursos na modalidade EAD com mais interação obrigatória e mais custos associados podem não interessar às instituições de ensino, especialmente se, como presumido acima, não houver demanda por eles. Dessa forma, a mudança pode gerar externalidades negativas, que precisam ser considerada desde já, sob pena de haver falta de professores no médio prazo.

Essas são provocações de cunho social e econômico que podem e devem ser enfrentadas a luz do complexo panorama da ampliação das tecnologias de ensino, mas não está claro que isso ocorreu na feitura do Parecer CNE/CP 4/2024. Um indício em contrário é que foram citados artigos artigos científicos, nenhum deles posterior a 2019, ou seja, todos anteriores à terrível pandemia de COVID, que foi decisiva na aceleração da oferta de cursos a distância.

Estudos mais atuais também trazem críticas à oferta de formação de professores em EAD. Contudo, existem também ressaltos de vantagens. Dois deles, publicados em 2023, afirmam que:

“A educação a distância traz diversos benefícios na formação de professores, permitindo uma abordagem flexível e inovadora para o desenvolvimento profissional. Alguns dos principais benefícios incluem:
Acesso ampliado: A educação a distância supera barreiras geográficas, permitindo que professores em formação tenham acesso a cursos e programas de instituições de ensino renomadas, mesmo que estejam distantes. Isso possibilita o acesso a uma variedade de recursos e especialistas em diferentes áreas, enriquecendo a formação dos professores.
Flexibilidade de horários: A modalidade a distância permite que os professores em formação tenham maior flexibilidade para organizar seus horários de estudo, conciliando a formação com outras responsabilidades pessoais e profissionais. Isso facilita o acesso à formação continuada, especialmente para aqueles que estão trabalhando em tempo integral.
Autonomia no processo de aprendizagem: A educação a distância proporciona um ambiente de aprendizagem autônomo, onde os professores em formação têm a oportunidade de assumir a responsabilidade por seu próprio progresso. Eles podem avançar no ritmo mais adequado às suas necessidades, revisitando conteúdos, tirando dúvidas e explorando recursos adicionais de acordo com suas demandas individuais.
Uso de recursos tecnológicos inovadores: A formação de professores a distância utiliza uma ampla gama de recursos tecnológicos, como ambientes virtuais de aprendizagem, videoconferências, fóruns de discussão e plataformas interativas. Essas ferramentas permitem a criação de experiências de aprendizagem dinâmicas e engajadoras, facilitando a assimilação e aplicação dos conhecimentos.
Colaboração e interação: A educação a distância promove a colaboração e interação entre os professores em formação por meio de fóruns de discussão, trabalhos em grupo e atividades colaborativas. Isso possibilita a troca de experiências, o compartilhamento de práticas pedagógicas e o desenvolvimento de uma rede de contatos profissionais.
Atualização constante: A formação de professores a distância permite que os profissionais se mantenham atualizados com as tendências, pesquisas e inovações na área da educação. Eles têm a oportunidade de adquirir novos conhecimentos, desenvolver habilidades relevantes e aprimorar suas práticas pedagógicas, garantindo uma atuação mais eficiente e atualizada em sala de aula”. (DOS SANTOS, Adelcio Machado et al. Educação a distância para formação de professores. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 9, n. 5, p. 2318-2333, 2023.)
“Concluiu-se que os professores com formação específica em matemática geram melhores resultados entre seus alunos nos testes de matemática, principalmente em lugares que as outras condições ambientais e escolares são desfavoráveis, como na zona rural e escolas de nível socioeconômico menores. Os efeitos da formação do professor não diferem estatisticamente se os professores são formados em matemática na modalidade presencial ou a distância. O que pode indicar que no caso da formação em matemática o ensino a distância pode ser uma opção para os gestores de políticas públicas educacionais, principalmente para prover formação específica àqueles indivíduos que já atuam como professores, mas não possuem a formação adequada.
Contudo, é importante enfatizar que a EAD não resolve todos os problemas da formação de professores, é importante melhorar a qualidade dos cursos de formação docente, pois as pesquisas indicam que mesmo os cursos presenciais possuem deficiências que afetam a atuação do professor. Além disso, é necessário que a oferta de cursos de formação de professores seja ajustada as necessidades da formação docente, adequadas as condições estruturais e tecnológicas dos municípios e garantam pleno suporte acadêmico e pedagógico para que os estudantes concluam efetivamente as formações”. (SOUZA, Dayane da Silva Rodrigues de. Ensaios sobre os efeitos da educação a distância nos indicadores do ensino básico público: um olhar para a formação de professores. 2023)

Aqui também há pouca informação, mas os dois estudos são um indicativo que há material para o CNE discutir mais o tema, cujo debate foi iniciado em 2019, interrompido e agora retomado. E que fique claro, o trabalho do CNE neste caso é louvável, sendo nossa abordagem voltada apenas ao tópico do EAD. Além disso, nossa análise se debruça apenas sobre o texto final, portanto é uma visão limitada que não está imune a falhas e críticas.

Todas essas reflexões, enfim, são superficiais, até porque nossa principal área de atuação é o Direito. Nesse campo, as críticas podem ser mais aprofundadas e indicam o risco de uma batalha judicial caso o Parecer seja homologado e a resolução entre em vigor.

Os principais motivos incluem a afronta ao modelo constitucional de “liberdade de concepções pedagógicas”, uma das mais importantes conquistas inseridas na Constituição de 1988. Outra questão de Direito é uso de uma resolução para criar restrições que não existem na lei e, por fim, a possível infringência do princípio da vedação do retrocesso social, pois o direito de acesso à educação parece estar em jogo. Os três temas são complexos e precisam ser detalhados, por isso serão objeto de nosso segundo artigo sobre as DCN de formação docente.

Por enquanto, é necessário observar que o assunto precisa ser mais discutido, em especial para não reproduzir uma visão preconceituosa do EAD. Saudades e preferências pessoais à parte, é necessário respeitar a escolha que vem sendo feita pelos estudantes. E é preciso acreditar que não há uma turba tola querendo apenas desfrutar de facilidades. Existem estudantes que querem aprender, precisam ter acesso a educação e já sabem que o EAD bem-planejado, além de uma comodidade, é uma ferramenta poderosa, atual e totalmente alinhada com a sala de aula contemporânea.


 


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