top of page

Cursos de Medicina em Hospitais: O Edital Realmente Está Aberto?

Edgar Jacobs

O Edital 05/2024 surge como um complemento relevante à política de chamamentos públicos do Ministério da Educação. Junto aos editais voltados para mantenedoras de ensino que atendem necessidades regionais, essa nova convocação busca habilitar unidades hospitalares de excelência para ofertar graduação em Medicina, conforme previsto na Lei 12.871/2013.


No entanto, o que poderia ser uma alternativa viável para ampliar a formação médica no país acabou se tornando um processo excessivamente restritivo. Como bem destacou o Ministro Gilmar Mendes, na ADC 81 (dezembro de 2023), existe um “segundo fluxo de autorização de novos cursos de medicina, baseado em unidades hospitalares”, mas o edital atual parece ter reduzido essa possibilidade a uma via estreita, quase intransitável.

A Evolução dos Critérios:


Mais Exigências, Menos Oportunidades.


Na criação do Mais Médicos, em 2013, as regras para que hospitais pudessem oferecer cursos de Medicina incluíam: (1) Certificação como hospital de ensino; (2) Programas de residência médica em pelo menos 10 especialidades; (3) Processo permanente de avaliação e certificação da qualidade dos serviços.


Naquela época, havia dificuldades para implementar o primeiro requisito. Como solução, em 2014, o primeiro edital desta modalidade flexibilizou a exigência, permitindo que o candidato fosse uma unidade hospitalar com potencial para ser credenciada como hospital de ensino (HE).


Pouco tempo depois o requisito tornou-se ainda mais anacrônico, pois os processos de certificação de HE foram gradativamente descontinuados. A ponto de, em 2023, um requerimento no Congresso Nacional ter solicitado o debate sobre a suspensão do Programa de Certificação de Hospitais de Ensino. Antes disso, a NOTA TÉCNICA n.º 39/2021/ DDES/ SESU/ SESU, do Ministério da Educação já havia confirmado que a última designação da Comissão responsável pela certificação ocorreu há quase uma década, em 2015.


Apesar desse cenário, o novo edital exige a certificação como pré-requisito, endurecendo ainda mais o processo e ignorando o fato de que não há sequer uma Comissão de Certificação ativa.

 

Um Edital Feito para Poucos?


Além da certificação, o edital trouxe uma segunda opção de credenciamento via reconhecimento de excelência hospitalar. Embora pareça positivo, na prática, o cronograma desta acreditação para 2024/2025 tornava impossível obter a certificação dentro do prazo, que se encerra em abril de 2025. Além disso, apenas seis hospitais no Brasil possuem esse reconhecimento.


Como um desses hospitais já abriu curso de medicina a partir do edital de 2014, apenas cinco hospitais devem interessar-se pelo chamamento. E onde eles estão? Quatro em São Paulo e um em Porto Alegre.


Se o objetivo era realmente selecionar apenas esses hospitais, por que não fazer isso de maneira mais transparente?

 

Outros Gargalos: 400 Leitos Próprios e Exclusividade.


Outro ponto controverso do edital é a exigência de 400 leitos próprios. Embora a regra se baseie na proporção de 5 leitos por vaga (mínimo de 80 vagas), ela ignora a realidade de muitos hospitais que poderiam atender perfeitamente aos critérios acadêmicos, mas não possuem essa estrutura sob gestão direta. Além disso, já há exigência de convênios com o SUS local e regional, o que torna essa limitação ainda mais questionável.


Esse critério penaliza redes hospitalares, que poderiam oferecer aprendizado em diferentes unidades, e prejudica o acesso de diversas regiões do país, como o Norte e Nordeste, onde a disponibilidade de hospitais desse porte é menor. Se em São Paulo essa exigência pode ser viável, em muitas localidades ela simplesmente inviabiliza a participação.


Outro problema é a proibição do compartilhamento dos leitos próprios indicados para o novo curso com atividades acadêmicas de outras instituições de ensino, o que pode forçar hospitais a expulsar estudantes de entidades já conveniados e criar um ambiente de ensino mais isolado e menos dinâmico. Em vez de incentivar a troca de experiências entre alunos de diferentes instituições, cursos e especialidades, a regra segrega a formação médica e reduz a exposição dos futuros médicos a cenários diversificados.


Portanto, a questão da certificação pode até ser o mais evidente, mas não é o único problema do edital de chamamento de hospitais.

 

Mais médicos para São Paulo?


Ressalvada a existência de outras informações ainda não públicas, o resultado já parece definido: cursos novos só poderão ser abertos na região Sul e Sudeste, majoritariamente em São Paulo. Isso ignora, como já mencionado, a presença de hospitais e redes hospitalares de qualidade em diversas regiões do Brasil, tornando o processo seletivo desalinhado com a realidade da saúde pública nacional.


Além disso, o endurecimento das exigências em relação a 2014, somado à suspensão da certificação de Hospitais de Ensino, faz com que o próprio conceito de “chamamento público” perca sentido. Se o objetivo era selecionar um grupo tão pequeno e específico de hospitais, não teria sido mais prático (e moralmente correto) apenas enviar convites aos que já possuíam a certificação de excelência?


Agora, resta acompanhar a reação do Conselho Nacional de Educação e do Supremo Tribunal Federal. O CNE já manifestou preocupação com o excesso de cursos de Medicina em São Paulo, enquanto o STF, que analisou positivamente, mas de forma abstrata, a política de chamamentos públicos, poderá ter que revisar sua posição ao observar as restrições práticas impostas pelo MEC.


Se este é o novo modelo de expansão da formação médica, vale perguntar: qual o sentido de um programa que visa distribuir médicos pelo país, mas acaba concentrando ainda mais o ensino médico?


Até agora, mesmo após diferentes governos e discursos desde 2013, a Lei 12.871/2013 não se justifica na parte que trata dos chamamentos públicos. E o resultado dos últimos editais não deve mudar isso.


Jacobs Monteiro

Gostou deste texto? Faça parte de nossa lista de e-mail para receber regularmente materiais como este. Fazendo seu cadastro você também pode receber notícias sobre nossos cursos, que oferecem informações atualizadas e metodologias adaptadas aos participantes.


Quer ter acesso a todas as normas educacionais relevantes e trabalhar com uma consultoria moderna e eficiente? Visite o site do ILAPE..


Sua instituição participa do Mais Médicos? Vai concorrer como Unidade Hospitalar? Podemos prestar consultoria. Faremos uma consulta e, caso não exista conflito de interesses com nossos atuais clientes, podemos prestar serviços de consultoria técnica, estratégica ou jurídica, por meio do escritório Jacobs Monteiro advogados associados.

  

Temos cursos regulares já consagrados e modelamos cursos in company sobre temas gerais ou específicos relacionados ao Direito da Educação Superior. Conheça nossas opções e participe de nossos eventos.

 
 

Comments


bottom of page