A República do Quênia, cuja capital e cidade mais populosa é Nairóbi, tem uma população de cerca de 52 milhões de habitantes. Famosa por seus safaris e diversas reservas de vida selvagem e parques nacionais, é habitada por humanos desde o mais antigo período da pré-história do homem.
A exploração europeia no interior do país teve início no século XIX, tendo o Império Britânico estabelecido seu protetorado em 1895. Em 1963 a República do Quênia tornou-se independente e em agosto de 2010 adotou uma nova Constituição que dividiu o país em 47 condados semiautônomos, governados por governadores eleitos.
A economia do Quênia é a maior da África Oriental e Central e o país é membro da ONU, da Commonwealth, da União Africana (UA) e da Comunidade da África Oriental (CAO), mas infelizmente o histórico de exploração e guerras prolongadas fez com que os quenianos vivam graves problemas socioeconômicos.
Conforme dados das Nações Unidas, o país apresenta um IDH bastante baixo e ocupa o 128° lugar no ranking mundial composto por 169 nações. Mais da metade do povo queniano vive abaixo da linha de pobreza. A subnutrição atinge 32% da população e a taxa de mortalidade infantil ainda é alta: de 62 crianças para cada mil nascidos vivos.
O sistema de educação do Quênia
O sistema de educação do Quênia foi introduzido na década de 1980 e é dividido em 8 anos de ensino primário e quatro anos de ensino secundário. Passou por uma reforma significativa em 2000 e, logo após 5 anos, já havia reduzido em muito as taxas de analfabetismo. O país tem cinco universidades, duas na capital e as outras três distribuídas pelas regiões do Estado.
Quando o país se tornou independente, a maioria dos estados africanos tentou estabelecer um sistema universal de ensino primário, mas poucos consideraram a educação para crianças de 3 a 6 anos de idade. Isso segundo a Fundação Bernard van Leer, instituição privada com sede em Haia, Holanda, e que trabalha para melhorar as oportunidades para crianças dos zero aos 8 anos de idade que crescem em circunstâncias de vulnerabilidade social e econômica.
A fundação colabora com o governo do Quênia desde a década de 70 e, segundo suas informações, até esse momento não se dava importância para a pré-escola; os campos acadêmicos como a psicologia do desenvolvimento estavam ainda em estágios bastante iniciais.
A história é interessante: a Fundação Bernard van Leer havia trabalhado no apoio à educação infantil na Jamaica, havia ganhado experiência nas ações executadas, e estava à procura de um país africano para lançar trabalhos semelhantes. E então, em 1971, iniciou a colaboração com o governo queniano associando-se ao Instituto de Educação do Quênia (KIE), organização vinculada ao Ministério da Educação. E juntos estabeleceram o Centro Nacional de Educação Infantil (NACECE) em Nairóbi, a única instituição desse tipo na África.
A partir daí produziram-se estudos sobre as necessidades das crianças pequenas e suas famílias, formaram-se os formadores de professores, desenvolveram-se programas e materiais de ensino e foi criada uma rede descentralizada de Centros de Educação Infantil.
O trabalho da fundação atraiu o interesse do Banco Mundial e pela primeira vez um país africano recebeu financiamento de recursos destinados à educação destinada à primeira infância: o empréstimo ampliou o acesso ao ensino pré-escolar a 60% da população.
É muito curioso o quão recente é a formalização da responsabilidade do Estado pela educação na primeira infância no Quênia, que hoje, felizmente, segundo dados da própria Fundação, conta com a infraestrutura de ensino pré-escolar mais sólida da África.
A proposito, a título de curiosidade, a instituição holandesa, que é referência mundial em primeira infância, também trabalha no Brasil propondo projetos inovadores e financiando pesquisas como a que produziu o Mapa da desigualdade da primeira infância em São Paulo/2020, cujos dados servem à prefeitura na avaliação de quais serviços deve priorizar e quais regiões/bairros estão mais desatendidos.
Enfim, a introdução ao texto nos mostra o quão incipiente é o processo de política pública de Educação no Quênia, que também surpreendeu o mundo ao anunciar a anulação do ano escolar de 2020. Quando reiniciar o calendário escolar em 2021, todos os alunos precisarão repetir de ano.
A decisão foi tomada por causa da interrupção das aulas, provocada pela pandemia da covid-19, e pela incerteza sobre a retomada dos cursos no que resta do ano letivo. Além disso, é uma forma de reforçar as práticas de isolamento social para evitar que a doença se espalhe.
A Covid-19 no Quênia
No dia 11 de agosto de 2020 o coronavírus já havia matado 438 pessoas no Quênia, sendo 27.425 infectados. Os números são pequenos ao compararmos com a realidade brasileira, mas houve mais de 14.000 novos casos em julho. O número de mortos a partir de junho mais do que dobrou.
E ainda que as viagens locais e voos aéreos internacionais já estejam flexibilizados, o país ainda vive um toque de recolher das 21h às 4h, todos os dias, proibição de confraternizações e suspensão do funcionamento dos bares. Os locais de culto reabrirão em etapas a partir de agora, impedindo, no entanto, a presença de indivíduos com menos de 13 ou mais de 58 anos.
Em relação à educação, as aulas foram suspensas em março, como ocorreu no Brasil, e inicialmente as autoridades permitiram a educação não presencial, com aulas assíncronas e síncronas. A desigualdade social, todavia, impediu o seguimento do projeto: não havia condições de acesso à tecnologia por uma boa parte da população estudantil.
Para contornar a situação tentou-se a transmissão de aulas pelas rádios locais e televisões, como vem fazendo o Governo de Minas Gerais, além do uso do YouTube como plataforma de postagem de vídeos. Mas ainda assim não seria possível acessar os alunos, muitos sem aparelhos de rádio, TV ou mesmo energia elétrica.
Como bem exposto na reportagem do Nexo Jornal, o governo queniano resolveu assumir que a disparidade era insustentável e anunciou a anulação de todo o ano letivo de 2020.
Serão 90 mil escolas afetadas pela decisão e 18 milhões os estudantes sem aula. O Quênia se tornou o único país do mundo a adotar essa medida, que não se aplicará às universidades: essas continuam com autonomia para decidir se continuam com as aulas não presenciais.
A decisão governamental cria embaraço porque realmente muitos estudantes não estavam sendo beneficiados com as aulas remotas, mas outros tantos sim e a solução pode piorar ainda mais a desigualdade educacional pré-existente.
Consequências da anulação do ano letivo
Já mencionamos em texto nosso dessa semana (Reabertura das escolas: entre a necessidade e o medo) todos os prejuízos que o fechamento de escolas representa para a educação, a proteção e o bem-estar infantil.
Desde não ter aonde ficar enquanto os pais trabalham à privação da merenda escolar, muitas vezes uma das únicas refeições do dia, ainda há riscos iminentes de evasão escolar, violência doméstica e gravidez precoce. Com a anulação do ano letivo serão mais 5 meses sem qualquer ligação com a comunidade escolar.
É fato que a decisão de descartar o ano letivo foi tomada para proteger professores e alunos do coronavírus e também para abordar questões gritantes de desigualdade que surgiram quando as aulas foram suspensas em março, mas a princípio parece que a decisão vai apenas ampliar as diferenças já existentes: algumas escolas particulares continuaram oferecendo aulas online e famílias mais abastadas simplesmente matricularam seus filhos em escolas internacionais (britânicas, francesas ou outras escolas privadas estrangeiras no Quênia) nos cursos que se iniciarão em setembro, conectando os estudos ao sistema europeu.
Dessa forma, a alternativa de cancelar o ano letivo acentua ainda mais a distância econômica e social entre as famílias.
Outras graves consequências da decisão são econômicas. O Ministério da Educação do Quênia está tentando apoiar escolas e professores, mas muitos, especialmente da rede particular, tiveram que recorrer a outros empregos para sobreviver.
No caso das escolas públicas o governo segue pagando salários, mas no caso das escolas privadas que continuam disponibilizando o ensino remoto, muitos pais se recusam a pagar por aulas protocolares que não terão efeito real na progressão acadêmica dos filhos. Não por menos 124 delas já faliram durante a pandemia.
A pandemia expôs – no mundo todo – a exclusão digital. Mas decretar o cancelamento do ano letivo em vez de investir em soluções práticas e socorrer as crianças não nos parece uma boa decisão.
A codiretora do programa de educação global do Center for Global Development afirma que a decisão de manter as escolas fechadas até janeiro era compreensível, mas cancelar o ano – sem alternativas ou apoio - pode ser devastador para as crianças, ressaltando que os mais pobres estarão em grande desvantagem e muitos não voltarão quando as escolas forem reabertas.
As famílias se preocupam agora com o que ocorrerá em janeiro de 2021 e buscam suporte em centros comunitários onde professores voluntários ajudam a coletividade.
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