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Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

A Educação Escolar Quilombola nas DCNs da Educação Básica

A aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola ocorreu na forma do Parecer CNE/CEB nº 16/2012 e da Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012.


Nossa publicação de hoje vem na esteira de outros três textos que tratam de capítulos/tópicos das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica.



Em relação à Educação Escolar Quilombola, é preciso ter em conta, inicialmente, que ela é desenvolvida em unidades educacionais inscritas nas terras e cultura quilombola; requer uma pedagogia própria devido à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e também requer formação específica do quadro docente. Tudo conforme a CF, a BNCC e os princípios da Educação Básica brasileira.


Os quilombolas


Os quilombolas são considerados comunidades e povos tradicionais culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuidores de formas próprias de organização social e que utilizam conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição; são ocupantes e usuários de territórios e recursos naturais como condição à sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica. (Definição constante das DCNs da Educação Básica)


Além disso, reproduzem sua existência nos territórios tradicionais, aqueles onde vivem comunidades quilombolas, povos indígenas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, faxinalenses e comunidades de fundo de pasto, dentre outros. Estes territórios são necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais e são utilizados de forma permanente ou temporária.


O processo de aquilombamento existiu em todos os lugares onde houve escravidão dos africanos e de seus descendentes. Em todas as Américas, inclusive, há grupos semelhantes, porém com nomes diferentes e eles não se perderam no passado. Eles estão vivos e têm direito a uma educação escolar que respeite e reconheça sua história, memória, tecnologias, territórios e conhecimentos.


Vale ressaltar que também há quilombos em áreas urbanas e não apenas no meio rural.


Direito à educação


A Constituição Federal de 1988 assegurou a todos em idade escolar o ensino fundamental, obrigatório e gratuito, garantido, inclusive, sua oferta gratuita para aqueles que a ele não tiverem acesso na idade própria (EJA).


As DCNs para a Educação Escolar Quilombola devem estar de acordo com o conjunto das DCNs em vigor na educação brasileira. Porém, é preciso respeitar uma especificidade histórica, econômica, social, política, cultural e educacional dos quilombolas. Também é importante salientar que muitas comunidades quilombolas estão inseridas em contextos rurais e, portanto, podem ser compreendidas como integrantes da configuração formada pelos povos do campo.


Desta forma, as comunidades quilombolas podem ser destinatárias também das políticas públicas voltadas para povos indígenas e do campo, respeitando-se as peculiaridades de cada um.


Características das escolas quilombolas e escolas que atendem estudantes de territórios quilombolas


A Educação Quilombola é a mesma das demais instituições educacionais, porém agrega a memória coletiva, as línguas reminescentes, os marcos civilizatórios, as práticas culturais, os acervos, os repertórios orais, os festejos, os usos, as tradições e demais elementos que compõem a cultura dos quilombolas.


A Educação Básica, em suas etapas e modalidades, compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação Especial, a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a Educação de Jovens e Adultos, inclusive na Educação a Distância, e destina-se ao atendimento das populações quilombolas rurais e urbanas.


Deve ser ofertada por estabelecimentos de ensino, públicos e/ou privados, localizados em comunidades reconhecidas pelos órgãos públicos responsáveis como quilombolas, rurais e urbanas, bem como por estabelecimentos de ensino próximos aos territórios quilombolas e que recebem parte significativa dos seus estudantes.


Não basta que a instituição escolar esteja localizada em uma comunidade quilombola ou atenda a estudantes quilombolas para assegurar que seu currículo ou PPP dialoguem com a realidade quilombola. Muito menos que os profissionais destes estabelecimentos estejam preparados.


Etapas e modalidades da Educação Escolar Quilombola


AS DCNs da Educação Básica entendem a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade alargada, pois, em razão de sua especificidade, possui todas as etapas e modalidades da Educação Básica e, ao mesmo tempo, precisa de legislação específica que contemple as suas características.


Ela contempla, portanto, todas as etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e o Ensino Médio) e as modalidades da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, a EJA, a Educação Especial, bem como a Educação a Distância.


Em razão das especificidades das comunidades, a Educação Escolar Quilombola pode se organizar em séries anuais; períodos semestrais; ciclos; alternância regular de períodos de estudos com tempos e espaços específicos; grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar. Sempre respeitando, claro, o disposto nas DCNs da Educação Básica.


O currículo


O currículo deve considerar aspectos gerais previstos nas DCNs Gerais da Educação Básica e também as singularidades das comunidades quilombolas constantes nas Diretrizes específicas.


Ou seja, o percurso formativo dos estudantes deve ser aberto e contextualizado, incluindo os componentes curriculares centrais obrigatórios e outros componentes flexíveis e variáveis que possibilitem percursos formativos que atendam aos inúmeros interesses, necessidades e características dos educandos.


A norma prevê que exista diálogo entre a comunidade, os movimentos sociais, as lideranças quilombolas e os docentes, gestores, pedagogos e estudantes. Só assim poderá ser construído um currículo flexível e aberto, que faz parte da ideia de se afirmar

a identidade quilombola, inclusive em relação às questões de liberdade religiosa, questões étnico-raciais e à diversidade sexual.


O projeto político-pedagógico


O PPP deverá expressar as especificidades históricas, sociais, culturais, econômicas e étnico-raciais da comunidade quilombola na qual a escola se insere ou é atendida por ela. Nos termos das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, o PPP das escolas quilombolas e das escolas que atendem os estudantes oriundos de territórios quilombolas deverá ser uma proposta “transgressora”, que induza um currículo também transgressor. Isto quer dizer que ele deverá romper com práticas inflexíveis, com os tempos e espaços escolares rígidos na relação entre o ensinar e o aprender, com a visão estereotipada e preconceituosa sobre a história e a cultura de matrizes afro-brasileira e africana no Brasil.


Deverá ter sempre como tema, de forma profunda e competente, as questões do racismo, os conflitos em relação à terra, a importância do território, a cultura, o trabalho, a memória e a oralidade.


A gestão e a organização da escola


As práticas de gestão deverão ser realizadas junto com as comunidades quilombolas por ela atendidas, sendo importante o diálogo entre a gestão da escola, a coordenação pedagógica, as comunidades quilombolas e suas lideranças em âmbitos nacional, estadual e local. Os gestores – preferencialmente quilombolas - devem considerar os aspectos históricos, políticos, sociais, culturais e econômicos do universo sociocultural quilombola no qual a escola está inserida.


A distribuição e o controle da carga horária docente, ainda que se considerem os aspectos normativos do país, estados e municípios, devem respeitar o universo local, atendendo ao PPP e aos regimentos escolares.


Sobre a formação de gestores, o ideal é que exista uma equipe que cuide especificamente das questões étnico-raciais e quilombolas. Algo inovador é contactar e reconhecer o conhecimento dos guardiões dos conhecimentos tradicionais, os quais, na maioria das vezes, não são dominados pelos gestores do poder público.


A formação de professores


Os sistemas de ensino devem estimular a criação e implementar programas de formação inicial de professores em Licenciatura para atuação em escolas quilombolas e escolas que atendem estudantes oriundos dos territórios quilombolas ou ainda em cursos de magistério em nível médio na modalidade normal de acordo com a necessidade das comunidades quilombolas.


Pelo analisado, esta tem sido uma grande pedra no sapato da gestão pública no trato com a Educação Escolar Quilombola. Muitos professores não são aptos à sala de aula quilombola, trabalham de maneira rotativa nas escolas, recebem salários baixíssimos, sem formação especializada, além de enfrentarem problemas com gestores autoritários e inexperientes.


Desafios atuais


As participações dos quilombolas nas audiências públicas demonstram uma vivência dura; suas principais reivindicações no campo da educação hoje são que o Estado lhes auxilie no processo de acessar a tecnologia adequadamente, receber a formação profissional dos jovens e adultos e acessar o ensino superior.


É querer ser visto, ouvido, sujeito de direitos. Cidadão.


“Na representação quilombola, não é o passado que retorna. É o presente que faz aflorar a história e a ancestralidade dentro das experiências que levam à organização social. Propostas educacionais que partam da etnicidade e da cultura podem abarcar o contexto e o texto territorial. Os quilombolas trazem o território que fala, por meio da história oral, possibilitando uma escuta desses significados. (trecho do artigo “Os desafios da educação quilombola no Brasil: o território como contexto e texto”)

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