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Insegurança Regulatória no EaD: Custos e Passivos Evitáveis

Atualizado: há 5 dias

Mudar as bases de uma atividade econômica nunca é simples — especialmente quando se trata de uma área de enorme relevância social, como a educação. Às vezes, esse desafio é inevitável. E talvez este seja o caso da Educação a Distância (EaD), cuja expansão é impulsionada por novas tecnologias, mudanças culturais e uma geração cada vez mais habituada à comunicação por áudio e vídeo.

Nesse cenário, travas como a proibição de cursos totalmente on-line ou a imposição de cargas horárias presenciais desvinculadas das Diretrizes Curriculares Nacionais precisam ser revistas, assim como há necessidade de regulamentação do uso de Inteligência Artificial (IA) nos cursos. Além disso, é preciso lembrar que o Art. 80 da LDB, em vigor há quase três décadas, ainda não foi plenamente implementado. Os incentivos ali previstos — como a redução de custos de transmissão, a concessão de canais exclusivos e a reserva de tempo mínimo — poderiam, hoje, incluir obrigações inclusive para redes sociais, que se tornaram plataformas com potencial para atividades educativas relevantes.

No entanto, qualquer avanço exige cautela jurídica e responsabilidade institucional. Atacar o desenvolvimento da EaD sem dados consistentes, como tem ocorrido, é sinal de atraso — ou, no mínimo, de um saudosismo desconectado da realidade. Pior: os sinais do novo marco indicam a extinção retroativa de milhares de processos administrativos em andamento, prática com graves implicações jurídicas.

Problemas jurídicos com a extinção de processos

A lição, ao que parece, não foi aprendida. A União já enfrenta discussões judiciais recorrentes em razão da tentativa de aplicar normas novas de forma retroativa aos processos de autorização de cursos de Medicina. Agora, o risco é ainda maior: não há qualquer decisão do STF que declare ilegais os procedimentos atuais de credenciamento e autorização de EaD — logo, não há fundamento jurídico para sua extinção.

É certo que a Administração Pública pode, de forma legítima, optar por encerrar processos com base em decreto ou portaria devidamente fundamentados. No entanto, mesmo atos lícitos podem gerar o dever de indenizar quando impõem prejuízos a particulares que confiaram nas regras vigentes.

Esse entendimento já foi consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente no voto da Ministra Cármen Lúcia no RE 571.969/DF, que reconheceu:

“O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. […] Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas […] às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição.”

É exatamente esse o cenário que se apresenta para as instituições de ensino com processos em curso. Ao terem seus projetos interrompidos retroativamente, são colocadas em desvantagem concreta e desigual — suportando custos elevados sem qualquer compensação. Nessa hipótese, o direito à indenização não apenas é juridicamente plausível, como também constitucionalmente exigível.

Prejuízos e indenizações

As possíveis indenizações seriam expressivas. Estamos diante de centenas — possivelmente milhares — de processos com investimentos iniciais relevantes, despesas mensais de manutenção e pagamento de taxas administrativas. Para ilustrar a magnitude do impacto, elaboramos uma estimativa preliminar com apoio de inteligência artificial generativa, utilizando parâmetros reais de estruturação para 300 credenciamentos institucionais, 500 autorizações de curso e 1.000 polos de apoio presencial:

Item

Quantidade

Valor unitário

Subtotal

Credenciamentos institucionais

300 processos

R$   10.440,00

R$ 3.132.000,00

Autorizações de curso EAD

500 cursos

R$      6.960,00

R$ 3.480.000,00

Infraestrutura da sede (mínima)

300 sedes

R$   80.000,00

R$ 24.000.000,00

Infraestrutura de polos

1.000 polos

R$   50.000,00

R$ 50.000.000,00

Manutenção sede (jun/24 a mai/25)

300 sedes

× 12 meses

R$   30.000,00

R$ 108.000.000,00

Manutenção polos (jun/24 a mai/25)

1.000 polos

× 12 meses

R$      8.000,00

R$ 96.000.000,00

Desenvolvimento e projeto pedagógico*

500 cursos

R$ 1.000.000,00 (com redutor de 50%)

R$ 250.000.000,00

TOTAL ESTIMADO

R$ 534.612.000,00

* Inclui: Elaboração do Projeto Pedagógico do Curso (PPC); Desenvolvimento de Conteúdo Didático Digital; Implementação de AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem); Revisão jurídica e regulatória dos materiais e do PPC. O redutor de 50% foi usado como meio de sopesar o uso de projetos já iniciados ou prontos.


Aplicando-se redutores compatíveis com a teoria da perda de uma chance — considerando que nem todos os projetos seriam aprovados e adotando uma estimativa média de 50% de probabilidade —, o valor indenizável ficaria em torno de R$ 267.306.000,00. Trata-se de uma simulação deliberadamente conservadora, que desconsidera danos reputacionais e contratuais, especialmente em casos de polos firmados por meio de parcerias ou com contratos de locação já vigentes. São prejuízos de grande escala, juridicamente indenizáveis, cuja dimensão real poderá ser significativamente mais precisa — e possivelmente mais elevada — quando submetida à apuração técnico-pericial por especialistas da área.

Estes quase 270 milhões de reais são, portanto, uma estimativa simples, que indica da gravidade econômica do cenário. O montante ilustra o resultado econômico de uma escolha administrativa feita sem planejamento adequado e em descompasso com o ordenamento jurídico. Pior: não se trata de uma verdadeira transição regulatória, mas de uma ruptura abrupta.

Ruptura regulatória injustificada

Extinguir processos em andamento não configura, em hipótese alguma, uma transição regulatória legítima. A própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) exige que mudanças normativas observem critérios de proporcionalidade, equidade e eficiência, com a definição expressa de prazos e condições para o cumprimento de novos deveres. Isso implica, de forma inequívoca, que os processos administrativos já instaurados devem ser analisados à luz das regras vigentes no momento de sua propositura. Qualquer alteração só poderia ser aplicada após um período de adaptação compatível com aquele usualmente concedido aos cursos e polos já autorizados.

Essa lógica deve valer para todos os processos em andamento, independentemente da fase em que se encontram. Ao contrário do que ocorreu na ADC 81, o Ministério da Educação não possui competência constitucional para modular os efeitos de normas ou aplicar tratamentos diferenciados com base em critérios subjetivos — como o estágio procedimental (por exemplo, se o processo já passou por avaliação in loco ou não). A modulação de efeitos normativos é prerrogativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua função de guardião da Constituição.

Nos processos administrativos, diferentemente das ações constitucionais, não cabe à União “modular” o tempo de vigência da norma ou de sua aplicação. Cabe-lhe apenas adotar critérios técnicos, objetivos e isonômicos, sem violar os direitos de quem confiou no regramento anterior.

Uma medida técnica minimamente responsável seria a realização de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) — instrumento previsto no Decreto nº 10.411/2019 e obrigatório em situações como essa. A relevância da AIR, inclusive, foi expressamente reconhecida por ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 81, ao destacarem sua ausência nos atos normativos que afetaram os processos de autorização de cursos de Medicina. O precedente, no entanto, parece não ter servido de aprendizado para a Administração.

A AIR exige, entre outros pontos, a identificação clara do problema regulatório a ser enfrentado, suas causas e extensão. Prevê também a definição de objetivos, a descrição de alternativas — inclusive a opção de não agir — e a avaliação de impactos, com especial atenção aos custos para empresas, inclusive de pequeno porte. Essas análises devem ser feitas com base em critérios objetivos, como custo-benefício, custo-efetividade e risco regulatório. Além disso, há incentivo para a participação social e a consulta pública prévia à elaboração do normativo — exatamente como fazia, com frequência, o Conselho Nacional de Educação.

Conclusões

Em resumo, os problemas que surgem com o novo marco regulatório da EaD não decorrem de uma necessidade inadiável, mas de decisões administrativas apressadas e mal fundamentadas. A ausência de diálogo, de transição adequada e de uso dos instrumentos legais disponíveis representa uma grave violação dos princípios que regem a atuação estatal. A consequência provável é a judicialização em larga escala e a formação de passivos milionários.

Infelizmente, esse padrão não é novo. A União já foi condenada a arcar com prejuízos expressivos em casos apreciados pelo STF, resultantes de regulações malconduzidas. Situações semelhantes ainda ocorrem — como se vê no campo previdenciário, onde flexibilizações ilegais nos critérios de desconto geraram danos significativos tanto às pessoas quanto ao erário.

Repetir o mesmo erro agora, no setor educacional, seria mais que um retrocesso. Seria uma escolha injustificável sob qualquer perspectiva — jurídica, moral ou econômica.


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