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O Escola Sem Partido já foi declarado inconstitucional

A Lei Municipal 14.177/25, de Porto Alegre/RS, impôs restrições ao ensino de questões sociopolíticas nas escolas municipais, motivo pelo qual a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE/RS), por meio dos Núcleos de Defesa do Consumidor e de Tutelas Coletivas (NUDECONTU), da Criança e do Adolescente (NUDECA) e da Diversidade Sexual e de Gênero (NUDIVERSI), protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido liminar para suspendê-la. O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre também ajuizou uma ADI.


A legislação estabeleceu diretrizes para o comportamento de profissionais da educação, proibindo manifestações pessoais que possam influenciar os alunos em temas políticos e ideológicos. Em sua exposição de motivos, a normativa dispõe que busca combater a suposta doutrinação ideológica e garantir a imparcialidade no ensino.


Ajuizada a ação, o Órgão Especial do TJRS concedeu  liminar suspendendo os efeitos da lei, atendendo aos pedidos de tutela antecipada nas duas ADIs; os autores das ações alegaram dano iminente e irreparável, não só para os professores, mas também para os alunos que serão submetidos a uma educação sem potencial crítico algum. O mérito ainda será decidido.


O Escola Sem Partido já foi declarado inconstitucional


Aproveitamos a publicação de uma lei em 2025 que  determina a abstenção da emissão de opiniões pessoais que possam influenciar ou atrair simpatias para uma determinada corrente político-partidária-ideológica para apresentar as razões pelas quais o STF já declarou a inconstitucionalidade do Escola Sem Partido.


Isto se deu no ano de 2020, 16 anos depois da gênese do movimento, que teve como foco o combate ao uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária.


As ideias do movimento subsidiaram vários projetos de lei em âmbito estadual e municipal, sendo o primeiro de Alagoas, que dispunha que "neutralidade política, ideológica", assim como "educação moral livre de doutrinação política, religiosa ou ideológica", seriam alguns dos princípios sobre os quais o sistema estadual de ensino deveria se fundar. Também ditava que, salvo nas escolas confessionais, o professor deveria abster-se de introduzir, em disciplina ou atividade obrigatória, conteúdos que pudessem estar em conflito com os princípios da lei.


A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino - CONTEE - impugnou a lei alagoana via ADI e a Associação Escola Sem Partido (ESP) foi admitida no feito como amicus curiae. Nesta ocasião, a ESP  informou que foi fundada como reação à "doutrinação e a propaganda política, ideológica e partidária nas salas de aula e nos livros didáticos; e a usurpação — pelo governo, pelas escolas e pelos professores — do direito dos pais dos alunos sobre a educação religiosa e moral dos seus filhos".


A decisão do Supremo Tribunal Federal


Inicialmente, o STF declarou a inconstitucionalidade da lei municipal por uma questão formal, qual seja: no que se refere ao poder de legislar sobre educação, a Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para dispor sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF/1988, art. 22, XXIV), bem como  a competência concorrente da União e dos Estados para tratar dos demais temas relacionados à educação que não se incluam no conceito de diretrizes e bases (CF/1988, art. 24).


Assim, em matéria de diretrizes e bases da educação nacional, há competência normativa privativa da União; ao passo que, nos demais temas pertinentes à educação, haverá competência concorrente entre a União e os Estados. No último caso, de competência concorrente, caberá à União dispor sobre as normas gerais aplicáveis à educação, ao passo que caberá aos Estados tão-somente complementar tais normas.


A competência privativa da União para dispor sobre as diretrizes da educação implica o poder de legislar, com exclusividade, sobre a “orientação” e o “direcionamento” que devem conduzir as ações em matéria de educação. Já o poder de tratar das “bases” da educação refere-se à regulação, em caráter privativo, sobre os “alicerces que [lhe] servem de apoio”, sobre os elementos que lhe dão sustentação e que conferem “coesão” à sua organização.


Portanto, legislar sobre diretrizes e bases significa dispor sobre a orientação, sobre as finalidades e sobre os alicerces da educação.


Ocorre justamente que a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição. Assim, compete exclusivamente à União dispor a seu respeito. O Estado não pode sequer pretender complementar tal norma. Deve se abster de legislar sobre o assunto.


Houve, também, a declaração da inconstitucionalidade da lei por uma questão material.

É que a LDB previu que a educação deve se inspirar “nos princípios da liberdade” e ter por finalidade “o pleno desenvolvimento do educando” e “seu preparo para o exercício da cidadania”. Determinou, ainda, que o ensino deve ser ministrado com respeito à “liberdade de aprender e ensinar”, ao “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” e com “apreço à tolerância”.


A Lei do Estado de Alagoas, muito embora tenha reproduzido parte de tais preceitos, determinou que as escolas e seus professores atendessem ao “princípio da neutralidade política e ideológica”. A ideia de neutralidade política e ideológica da lei estadual é antagônica à de proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância, tal como previstas na  LDB.


A imposição da neutralidade – se fosse verdadeiramente possível – impediria a afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas sobre um mesmo fenômeno em sala de aula. A exigência de neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas políticas em sala.


Desse modo, ainda que a questão atinente à liberdade de ensinar e ao pluralismo de ideias pudesse ser objeto da competência estadual concorrente para legislar, o Estado, ao exercê-la, usurpou a competência da União para legislar sobre normas gerais, na medida em que, a pretexto de complementar as normas nacionais, estampadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, regulou a questão de forma conflitante com o que disse a LDB, em evidente violação a seus preceitos. E a competência estadual para suplementar as normas gerais da União não abrange o poder de contrariá-las.


O alcance da Educação segundo a CF/88


Para o STF, a educação assegurada pela Constituição de 1988, segundo seu texto expresso, é aquela capaz de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, a sua capacitação para a cidadania, a sua qualificação para o trabalho, bem como o desenvolvimento humanístico do país.


Ela assegura, portanto, uma educação emancipadora, que habilite a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão, como profissional. Com tal propósito, define as diretrizes que devem ser observadas pelo ensino, a fim de que tal objetivo seja alcançado, dentre elas a já mencionada liberdade de aprender e de ensinar;  o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar.


No mesmo sentido, o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Protocolo Adicional de São Salvador à Convenção Americana sobre Direitos Humanos reconhecem que a educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana, à capacitação para a vida em sociedade e à tolerância e, portanto, fortalecer o pluralismo ideológico e as liberdades fundamentais.


A toda evidência, os pais não podem pretender limitar o universo informacional de seus filhos ou impor à escola que não veicule qualquer conteúdo com o qual não estejam de acordo. Esse tipo de providência – expressa no art. 13, § 5º – significa impedir o acesso dos jovens a domínios inteiros da vida, em evidente violação ao pluralismo e ao seu direito de aprender. A educação é, justamente, o acúmulo e o processamento de informações, conhecimentos e ideias que proveem de pontos de vista distintos, experimentados em casa, no contato com amigos, com eventuais grupos religiosos ou com grupos sem religião, com movimentos sociais e, igualmente, na escola.


Nos limites dos demais princípios consagrados na CF/88, o aluno tem direito à educação e o professor tem direito e liberdade de ensinar,  não havendo mais espaço para leis como a do município de Porto Alegre/RS.

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