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Legal Design, uma nova fronteira para o ensino jurídico?

Atualizado: 8 de jan. de 2020

Ao longo das últimas décadas percebemos grandes mudanças entre as gerações e, consequentemente, a necessidade de enfrentarmos novas metodologias de ensino. Esse tema já foi abordado em um de nossos posts recentes. Na área jurídica, as novas tecnologias trouxeram, não apenas novos temas de estudo, mas novas técnicas, as quais os docentes, em geral, vão precisar aprender e ensinar.


Neste post o tema será o Legal Design, uma técnica que visa tornar o direito mais acessível e as teses jurídicas mais claras.


O porquê da ideia do Legal Design. E o que significa?


Foi em 2001, com a lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que primeiramente a prática jurídica serviu-se dos meios eletrônicos, sendo desenvolvido pela Justiça Federal o sistema conhecido como e-Proc. Em 2006 alterações no Código de Processo Civil possibilitaram a informatização do processo judicial como conhecemos atualmente, surgindo novos sistemas de processos eletrônicos que permitem, em alguns casos, a eliminação total do uso do papel. Fato que hoje os advogados não precisam se deslocar em todos os momentos aos órgãos competentes, podem visualizar seus processos de forma mais cômoda, peticionar de forma mais ágil, tudo desde a petição inicial até o arquivamento. As mudanças foram excelentes para os operadores do Direito, mas ainda existe o peso de uma rotina enfadonha, baseada quase exclusivamente na escrita e na leitura.


Nesse contexto, para o público leigo o Direito continua incompreensível. Contratos com incontáveis cláusulas, textos enormes, cheios de jargões, sentenças e acórdãos que precisam ser lidos, relidos e interpretados.


O conceito do Visual Law como nova forma de comunicação visual surge a partir daí. Segundo a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, o objetivo do Visual Law é “tornar a informação jurídica mais efetiva e clara com a integração de vídeos, infográficos, story mapping e gamificação, para segmentar a informação conforme a necessidade do usuário de cada serviço jurídico”. E para além da abordagem visual, há também o uso do Legal Design.


Alguns sites especializados tratam do assunto. O site “Lexpert.com”, que tem como principal integrante a professora finlandesa Helena Happio, é uma das referências no tema e explica: Durante décadas, as palavras têm sido ferramentas de negócio dos advogados. No entanto, alguns pioneiros já foram além de texto no legal design (tradução livre). O blog “Open Law Lab”, de Margaret Hagan, Diretora do Laboratório de Legal Design de Stanford, revela o objetivo da inovadora proposta, ao dizer que ...O Direito pode ser mais compreensível se for mais visual (tradução livre). Mas é importante saber que o uso de design não é uma proposta de intervenção superficial e decorativa – que já seria interessante, pensamos –, a técnica é usada para aplicação de design centrado no ser humano ao mundo do Direito, para tornar os sistemas e serviços jurídicos mais “humano-centrados”, utilizáveis e satisfatórios (tradução livre), conforme explica a professora de Stanford em seu livro Law by design.


Essa proposta de mudança abre espaço para mudanças de concepção e para inovações, não só na forma de comunicação dos operadores do Direito como também por meio de propostas como códigos de conduta e contratos acessíveis, tais como os comic contracts ou até vídeo contracts. Dois exemplos interessantes dessa última técnica – que despertam não apenas admiração, mas relevantes controvérsias jurídicas – são (1) a política de privacidade do Google, usado no mundo todo; e (2) os contratos de trabalho usando o aplicativo da Lexigogo. Em casos assim, o termo Visual Law descreve bem a ideia inovadora.


Para futuros juízes e legisladores o tema pode ser ensinado como meio para esclarecer decisões e como método para analisar casos concentrando-se no na experiência e no interesse das partes. Na realidade, cabe aqui comentar que o Legal Design nos foi apresentado por um grande magistrado, que conhece e incentiva o estudo da metodologia inerente a essa técnica, ou seja, ele já é conhecido e valorizado por membros da magistratura e, certamente, pode vir a se tornar requisito para aprimorar a comunicação dos juízes com os advogados e as partes afetadas.


Por outro lado, é possível usar Legal Design para construir novas leis, melhores e mais eficientes. Esta tarefa é muito bem descrita no artigo Human-Centered Civil Justice Design do Professor Victor D. Quintanilla, da Universidade de Indiana, que dá...


... três recomendações para criar regulamentações mais centradas no ser humano. Primeiro, os designers devem avaliar as experiências de todas as partes envolvidas (ou seja, partes, advogados e juízes) em uma base de dados, com pesquisas on-line [no Brasil podem ser usados resultados de julgados e pesquisas de satisfação feitas pelo Judiciário, por exemplo]. Segundo, antes que qualquer alteração seja promulgada, iterações, pilotos e RCTs [Randomised Controlled Trials, ou Estudos Randomizados Controlados – ECRs] devem ser empregados para examinar efeitos pretendidos e não intencionais de tal mudança em diversas partes interessadas. Terceiro, após a promulgação, as experiências das partes interessadas devem ser monitoradas e avaliadas de perto para estudar seus efeitos. (p. 791, tradução livre)

O caso acima demonstra uma aplicação do design thinking como método, ou seja, dá evidência de que o Legal Design pode ser mais que uma técnica de comunicação.


Em resumo, visto dessa forma, o Legal Design – que, talvez mereça uma terminologia um pouco mais “abrasileirada” para evitar o excesso de anglicanismo, talvez um meio-termo como design jurídico – é uma técnica ampla e detalhada que precisa ser aprendida e ensinada na área de Direito.


Como incluir o design jurídico nos cursos de Direito?


Disciplinas específicas são sempre a primeira tentação quando o assunto é inovar currículos, mas talvez não seja o ideal, neste caso.


O design jurídico, por ser técnica e revelar-se como método, deve estar integrado ao ensino de disciplinas-chave, como direito contratual, direito empresarial, direitos humanos, direito processual e certamente ao novo conteúdo indicado pelas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Direito (Resolução CNE/CES 05/2018), denominado “Formas Consensuais de Solução de Conflitos”.


Pode, ainda, ser usado para planejar e executar estágios virtuais, seja por meio de realidade aumentada ou ambientes virtuais compartilhados. Nesse sentido, podemos mencionar a criação do Estágio Virtual, em setembro de 2015, pelo juiz federal Ali Mazloum. O magistrado colocou em prática um projeto pioneiro de transmissão de audiências via streaming, permitindo a estudantes do curso de Direito de todo o Brasil a utilização da internet para a realização do Estágio Curricular Supervisionado.


A Resolução CNE/CES nº 9/2004, em seu art. 7º, estabelece que o “Estágio Supervisionado é componente curricular obrigatório”, sendo indispensável à consolidação do desempenho profissional inerente ao perfil do formando, “devendo cada instituição, por seus colegiados próprios, aprovar o correspondente regulamento, com suas diferentes modalidades de operacionalização”. O § 1º do referido artigo trata do Convênio entre as IES e os órgãos do Poder Judiciário. E esse texto abre espaço para o estágio virtual, regulamentado por norma interna e firmado por convênio.


Esse modelo de estágio pode, certamente, ser tratado por meio de técnicas de Legal Design, focando nos alunos e nas partes envolvidas e aprimorado por meio de Visual Law, que permitiria criar vídeos mais interativos, com diagramas e informações em tempo real para os estudantes.


Paralelamente, as DCN de 2018 também preveem atividades complementares (Art. 8º), que podem ser espaço para cursos de design jurídico e até mesmo para aprendizado de design thinking de forma mais aprofundada, e metodologias ativas (Art. 2º, § 1º, VI), que podem ser usadas para estimular a interação por meio de desenhos, diagramas e vídeos.


Portanto, há espaço para inovar no ensino jurídico e as técnicas de Legal Design e Visual Law são propostas contemporâneas, que podem e devem ser incorporadas desde já. Em contraponto, apesar de exemplos louváveis, nossas faculdades de Direito caminham a passos lentos em relação aos processos inovadores. A boa notícia é que, paralelamente, vários cursos livres têm sido ofertados e atendido à demanda cada vez maior pela compreensão das novas tecnologias, da importância e os impactos de sua relação com o Direito. Um bom exemplo são os cursos da Future Law, uma escola focada em preparar os profissionais do Direito para as transformações tecnológicas, que trata com muita qualidade do tema do Legal Design.


Essa será a educação do futuro: faculdades conservadoras e cursos complementares inovadores? Esperamos que não. Cada vez mais estreita e aprimorada a relação entre Direito e tecnologia e esta associação resulta em novas perspectivas de trabalhos, novos campos de pesquisas e novas demandas. As Instituições de Ensino têm de entender isso e aprimorar seus cursos jurídicos.



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