O livro "Menino Marrom", de Ziraldo, foi suspenso das atividades escolares na cidade de Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, em meados de junho deste ano. A decisão foi tomada pela Secretaria Municipal de Educação, após reclamações e opiniões negativas dos responsáveis pelos alunos acerca da obra. Eles se manifestaram alegando que o livro teria conteúdo “agressivo” e poderia induzir um comportamento violento nas crianças.
A resposta ao ato do Executivo não tardou e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou na última quinta-feira, dia 27, o cancelamento imediato da suspensão das atividades envolvendo a obra. O juiz considerou a determinação da Secretaria Municipal de Educação de Lafaiete em desacordo com a Constituição e com a legislação infraconstitucional e que a única censura passível de ser aplicada, nestes casos, é a indicativa de faixa etária de público leitor.
Para o magistrado, a administração pública, ao suspender livro que retrata o racismo de maneira pertinente, tolhe os estudantes de importantes ensinamentos para o seu desenvolvimento como cidadãos de uma sociedade diversa e plural. A decisão, ainda de caráter liminar, prevê multa diária de R$ 5.000,00 caso a Prefeitura insista na suspensão.
Os gestores de educação
O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) foi criado para avaliar e disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e também às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público.
Escolas particulares também podem indicar para seus alunos livros provenientes do PNLD. Estas obras são as mesmas vendidas no mercado privado, com poucas adaptações de formato exigidas nos editais públicos.
Conteúdos, autores e propostas pedagógicas são iguais e os especialistas acreditam que as exigências do PNLD ao longo de tantas décadas impulsionaram a qualidade do mercado editorial de livros didáticos no país.
Sobre a legislação, o Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, unificou as ações de aquisição e distribuição de livros didáticos e literários. Antes dele havia o PNLD e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Depois do Decreto n. 9.099, o PNLD passou a incluir outros materiais de apoio à prática educativa além das obras didáticas e literárias, como softwares e jogos educacionais.
A execução do PNLD
A execução do PNLD se dá de forma alternada. Em ciclos diferentes vão sendo atendidos os quatro segmentos da educação: educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Quando um seguimento não é atendido em um ciclo, ele recebe livros, a título de complementação, correspondentes a novas matrículas registradas ou à reposição de livros estragados ou não devolvidos.
Além dos quatro seguimentos que o programa precisa considerar, estudantes e professores de diferentes etapas e modalidades, bem como públicos específicos da educação básica, também são atendidos.
Em se tratando da compra e distribuição dos materiais e livros didáticos selecionados pelo MEC, são de responsabilidade do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); é este o órgão que faz a logística de prover e remanejar os materiais didáticos para todas as escolas públicas, que devem ser cadastradas no censo escolar.
Exemplo de segmento que será atendido em 2026/2029
Neste momento as editoras interessadas podem começar a preparar suas obras literárias, informativas e de apoio pedagógico que se destinam ao PNLD para a educação infantil, pois o FNDE já publicou o edital para a seleção de materiais que serão utilizados por crianças de 0 a 5 anos no período de 2026 a 2029.
As empresas que forem participar da seleção deverão solicitar acesso à Plataforma PNLD Digital, carregar a documentação obrigatória e submeter as obras finalizadas. Quanto mais empresas diferentes concorrerem melhor a diversidade e a qualidade dos materiais disponíveis para a educação infantil.
No edital constam as informações detalhadas sobre as obras que podem vir a fazer parte dos catálogos escolares, o que inclui características, categorização dos materiais e critérios de avaliação pedagógica, além de especificações técnicas sobre os produtos a serem adquiridos pelo governo federal.
Em um próximo ciclo poderão se inscrever editoras que forneçam livros e materiais didáticos para os anos iniciais ou finais do ensino fundamental ou para o ensino médio.
Como são escolhidos os livros didáticos que vão para a escola?
As etapas de execução do PNLD, como já mencionado, são compartilhadas entre o Ministério da Educação e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e são:
Inscrição no programa do PNLD pelas editoras;
Validação;
Avaliação Pedagógica;
Análise de Atributos;
Habilitação;
Escolha;
Aquisição;
Produção;
Distribuição; e
Recebimento.
Uma das etapas mais importantes é a da Avaliação Pedagógica. Ela é a única que compete ao Ministério da Educação. As demais são de competência do FNDE.
Para a realização desta Avaliação Pedagógica, existe um Referencial Pedagógico, constante do edital, que dita as regras e os critérios para a escolha dos materiais didáticos, que, posteriormente, já definidos, serão organizados pelo FNDE e selecionados pelas escolas na etapa de escolha, dependendo da quantidade de crianças e professores declarados no Censo Escolar.
A formação do acervo pelo FNDE vai considerar fatores como variedade de temas e gêneros, a diversidade das editoras e dos títulos aprovados e habilitados.
Vale lembrar que, em atendimento à Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146/2015, somente podem participar do concurso do PNLD os interessados cujas obras inscritas sejam também fornecidas em formato acessível, conforme definido no edital.
Pois bem, a escolha das obras pelas escolas das redes de ensino participantes será feita com base na análise das informações do Guia do PNLD e também após o acesso das obras na íntegra.
Estas escolas são públicas, cujas Secretarias de Educação tenham aderido previamente ao PNLD para recebimento de obras literárias para a educação infantil. Escolas públicas e privadas (conveniadas com o poder público) que possuam alunos cadastrados na educação infantil, registrado no Censo Escolar, também podem participar.
Fato é que os materiais são escolhidos pelas escolas e antes passaram por avaliações pedagógicas coordenadas pelo MEC e pelo crivo de Comissões Técnicas específicas, integradas por especialistas das diferentes áreas do conhecimento correlatas.
As obras ficam disponíveis em um Guia Digital do PNLD, que orienta o corpo docente e o corpo diretivo da escola na escolha das coleções para cada etapa de ensino.
Escolhidos os livros, a distribuição é realizada por contrato entre o FNDE e os Correios, que os levam diretamente da editora para as escolas. Nas zonas rurais, são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de educação. Entre o mês de outubro do ano anterior até o início do ano letivo o material já deve estar disponível para as instituições de ensino.
Confiança na instituição de ensino escolhida
Os pais e/ou responsáveis, quando da matrícula de seus filhos na instituição de ensino escolhida, devem compreender como funciona a seleção do material didático, que conta com um grande número de profissionais capacitados trabalhando em um processo com várias etapas.
Há uma ótima reflexão no texto O que esperar dos novos livros didáticos alinhados à BNCC, de Diel Santos: o livro didático, em tese, não deverá ser utilizado como a “aula em si”, mas como um importante recurso. O livro é um parâmetro e não a única fonte de conhecimento. Para o autor citado, talvez o uso da tecnologia, sem grande sofisticação, pode ser um grande auxiliar na produção de conhecimentos. Fato é que, para ele, além da formação continuada, os gestores e professores podem estimular uma maior aproximação entre alunos e as obras didáticas que vão acompanhá-los durante o ano. A escola deve favorecer o debate em sala de aula, estimulando as discussões em torno das temáticas presentes nos livros e que sejam de interesse dos estudantes.
Entendemos que desta forma, mesmo o que for considerado um tabu social poderá ser trabalhado de forma consciente, consistente, de acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas e com as propostas dos livros adotados.
Outro ponto levantado pelo autor do artigo é que gestores e docentes devem favorecer o diálogo entre o PPP da escola e as propostas apresentadas pelos livros. Afinal, nosso país possui inúmeros contextos escolares e em diversas instituições os livros didáticos são os principais instrumentos pedagógicos.
E no momento da escolha das obras as escolas precisam dialogar com a BNCC, com a clareza do que deve servir de objeto de aprendizagem pelos seus alunos ao longo da sua trajetória escolar. O ideal é que a equipe de gestão e os professores definam em conjunto os critérios de escolha dos livros didáticos. Os professores jamais podem ser deixados de lado: afinal, são eles que irão utilizar na prática o material selecionado.
Debates e ideologias
Neste mesmo ano, um romance selecionado pelo PNLD e destinado aos alunos do ensino médio também foi alvo de censura em escolas das redes públicas de Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul. Obviamente escolhido com liberdade pelas próprias escolas, o recolhimento de “O avesso da pele” foi feito após reclamação dos pais, sob a justificativa de que a obra contém palavras de “baixo calão” e temas que envolvem sexualidade.
É de se esperar que não exista leviandade por parte das equipes escolares quando da escolha das obras. Este processo respeita o histórico das editoras e experiência nos contextos de publicação de materiais pedagógicos. Respeita a diversidade de linguagem da obra, a adequação dos interesses e necessidades dos alunos de diferentes faixas etárias. Ele também precisa estar alinhado a princípios éticos explícitos e implícitos e respeitar, acima de tudo, os direitos humanos.
Quando pais/responsáveis por um estudante defende que a escola não possa ter determinado tipo de literatura – que já passou por todos os critérios citados – eles estão impossibilitando um pensamento divergente. É uma intervenção no projeto pedagógico que tem um fundo de cuidado, mas é justamente o lugar do cuidado que vira censura, como bem citado pela educadora Janine Durand no texto de Renata Rossi. E censura não combina com Educação.
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