No Brasil, diversas instituições desenvolvem a pesquisa científica; algumas são bastante conhecidas, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, o Instituto Butantan - de pesquisas imunobiológicas - e o Instituto de Tecnologia de Alimentos. A pesquisa e a inovação tecnológica também ocorrem em empresas e parques industriais particulares.
De acordo com o número de artigos publicados, todavia, são as universidades e os institutos públicos os maiores responsáveis pela maior parte da produção científica do país. A Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, é considerada a maior "fábrica de ciência" do país, contribuindo com mais de 20% das pesquisas publicadas no território nacional.
Por isto a importância de conhecer a lei que dispõe sobre a pesquisa com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, estabelecendo princípios, diretrizes e regras para a condução de pesquisas com seres humanos por instituições públicas ou privadas.
Os pesquisadores devem se familiarizar com a norma para garantir que suas práticas estejam alinhadas com as novas regras e padrões éticos estabelecidos.
Marco Legal
A nova lei é verdadeiro marco legal das pesquisas com seres humanos no país. Ela foi dividida em nove capítulos:
Disposições Gerais;
Do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos;
Da Proteção do Participante da Pesquisa;
Das Responsabilidades do Patrocinador e do Pesquisador;
Da Fabricação, do Uso, da Importação e da Exportação de Bens ou Produtos para Fins de Pesquisa Clínica com Seres Humanos;
Da Continuidade do Tratamento Pós-Ensaio Clínico;
Do Armazenamento e da Utilização de Dados e de Material Biológico Humano;
Da Publicidade, da Transparência e do Monitoramento da Pesquisa; e
Disposições Finais.
Ela vai abranger regras para pesquisas clínicas realizadas com medicamentos e também com produtos, dispositivos médicos e produtos de terapias avançadas experimentais, no que for compatível.
Em relação ao que seja pesquisa com seres humanos, temos algumas categorias, e a lei assim as define no art. 2º, incisos XXXII, XXXIII e XXXIV:
Pesquisa científica, tecnológica ou de inovação envolvendo seres humanos: pesquisa que, individual ou coletivamente, tem interação com o ser humano, de forma direta, sem fins de registro do produto sob pesquisa;
Pesquisa clínica com seres humanos: conjunto de procedimentos científicos desenvolvidos de forma sistemática com seres humanos com vistas a:
avaliar a ação, a segurança e a eficácia de medicamentos, de produtos, de técnicas, de procedimentos, de dispositivos médicos ou de cuidados à saúde, para fins terapêuticos, preventivos ou de diagnóstico;
verificar a distribuição de fatores de risco, de doenças ou de agravos na população;
avaliar os efeitos de fatores ou de estados sobre a saúde;
Pesquisa com seres humanos: pesquisa que, individual ou coletivamente, tem como participante o ser humano, em sua totalidade ou em parte, e o envolve de forma direta ou indireta, incluído o manejo de seus dados, informações ou material biológico.
Esta normativa, que não altera e não é alterada por nenhuma legislação, tramitou por mais de sete anos no Congresso Nacional e foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União de 28 de maio de 2024. O projeto original foi aprovado pelo Senado Federal em 2017 (PLS nº 200/2015), encaminhado para revisão à Câmara dos Deputados (Projeto nº 7082/217), e retornou à casa iniciadora, na forma de substitutivo, sendo aprovado em 23 de abril de 2024 (PL nº 6007/2023).
A lei amplia o âmbito das pesquisas clínicas na área da saúde com seres humanos para qualquer área do conhecimento. Além, claro, como mencionado, de instituir o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, que ainda deverá ser regulamentado pelo Poder Executivo e segmentado em instância nacional de ética em pesquisa e instância de análise ética em pesquisa.
Foram estipuladas regras a respeito da aprovação e execução dos ensaios clínicos e abordadas as responsabilidades atribuídas aos patrocinadores e pesquisadores, bem como os direitos conferidos aos participantes.
Ponto importante da lei são as questões relativas ao impedimento da discriminação e estigmatização de pessoa, família ou grupo participante de pesquisa, quaisquer que sejam os seus benefícios.
Os direitos do participante também são destacados e o claro objetivo é proteger a dignidade, segurança, privacidade e bem-estar de quem, voluntariamente, colabora com o estudo científico.
O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e o CEP
O Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos será segmentado na instância nacional de ética em pesquisa e na instância de análise ética em pesquisa representada pelos CEPs, que são os Comitês de Ética em Pesquisa.
Toda pesquisa com seres humanos se sujeitará à análise ética prévia - a ser realizada pela instância de análise ética em pesquisa - para garantir a dignidade, a segurança e o bem-estar do participante. As diretrizes desta análise serão, exemplificadamente, a proteção da dignidade, da segurança e do bem-estar do participante da pesquisa, além do incentivo ao desenvolvimento técnico-científico e o respeito as boas práticas clínicas.
A propósito, não podemos deixar de examinar o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Como mencionado, este Comitê é uma instância de análise ética da pesquisa, deve estar credenciado na instância nacional de ética em pesquisa e será composto por uma equipe interdisciplinar, nas áreas médica, científica e não científica.
O CEP é quem vai verificar e assegurar os direitos dos participantes da pesquisa, especialmente dos que estiverem em situação de vulnerabilidade; conduzirá análises dos protocolos de pesquisa a ele submetidos e monitorar sua execução; e vai assegurar que estejam previstos os meios adequados para a obtenção do consentimento do participante ou de seu representante legal.
As pesquisas de interesse estratégico para o Sistema Único de Saúde (SUS) e que sejam relevantes para o atendimento de situações de emergência pública de saúde merecerão prioridade e contarão com procedimentos especiais de análise, inclusive quanto aos prazos de aprovação. O regulamento ainda será publicado pelo Poder Executivo Federal.
Vetos
O Executivo vetou dois dispositivos do projeto. Um deles previa a concordância do Ministério Público na ocasião da pesquisa envolver integrante de grupo indígena. Para o Executivo, a norma vetada fere o princípio da isonomia e aponta para possível situação de tutela estatal em relação aos povos indígenas, condição já superada pela legislação.
O outro ponto vetado autorizava a suspensão da oferta gratuita de medicamento experimental a quem participasse de pesquisa, cinco anos depois de o produto estar disponível no mercado. No caso, a justificativa foi a de que, atualmente, é assegurado a todos os participantes, no final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado a métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes. A interrupção da oferta do medicamento no período pós-estudo feriria os direitos dos participantes de pesquisa e comprometeria o eventual desenvolvimento de pesquisas éticas baseadas em princípios de dignidade, da beneficência e da justiça. E que, portanto, para conferir efetividade ao preceito constitucional de atendimento integral das ações e serviços públicos de saúde, o medicamento experimental deve continuar a ser fornecido, ao participantes de pesquisa, independentemente de sua disponibilidade comercial pela iniciativa privada.
Os vetos ainda serão analisados pelo Congresso Nacional.
Enfim, o novo Marco Legal promete proteção aos sujeitos da pesquisa e a garantia da qualidade e credibilidade do resultado por meio da fiscalização de boas práticas. Para maior conhecimento, acesse a lei na íntegra.
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