Num contexto em que as decisões judiciais evidenciam que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações entre Instituições de Ensino e Estudantes, a pergunta titulo deste artigo pode parecer sem sentido.
A certeza de que, como contratante e destinatário de serviços educacionais, o aluno é um consumidor é hoje um ponto que aparentemente não abre mais espaço para discussão. Uma certeza reiterada por leis e pela Jurisprudência.
Neste artigo, porém, aceito esta premissa sem rejeitar a necessidade de discutir o tema com maior detalhe e profundidade. Afinal, se o aluno é consumidor, ele terá sempre esta condição em face da Instituição de Ensino? Penso que não!
Aqui analiso a situação dos alunos do ensino superior especificamente, e observando as relações entre estudantes de cursos de graduação e Instituições de Ensino Superior (IES) constato que existem questões de direito do consumidor e questões pedagógicas sendo tratadas indistintamente.
A relação de consumo se forma nas situações em que uma pessoa é destinatária final de um bem ou serviço. O aluno, ao buscar uma Instituição de Ensino procura, certamente, por uma prestação de serviços, na condição de destinatário final.
Teorias que situam o aluno como “produto” dos processos educativos, ou mesmo como um “parceiro” nas tarefas aprendizagem, negligenciam a existência de relações contratuais – inclusive no caso de instituições públicas, de problemas de escolha no momento de optar por esta ou aquela IES e até mesmo de problemas informacionais típicos da atividade de consumo.
Num outro sentido, os consumeristas deixam de lado o fato de que os processos formativos exigem uma hierarquia e disciplina. Além disso, costumam deixar de lado que a concentração de informações e de escolhas de procedimentos na educação escolar decorre do fato de que o aluno busca a IES para aprender o que ainda não sabe, por meio de um método que seja eficiente.
Nesse sentido, posso dizer que a educação escolar nem sempre pode ser tratada como uma relação de consumo. Diante disso, proponho uma análise sob dois ângulos: sob enfoque do direito do consumidor e sob o enfoque do poder disciplinar e da autonomia das Instituições de Ensino.
A primeira abordagem, amplamente reconhecida e abordada pela Jurisprudência, diz respeito a contratos sem cláusulas abusivas e publicidades que não sejam enganosas. No momento da oferta e, depois, quando do cumprimento do contrato, a Instituição de Ensino está sujeita a regras que protegem o consumidor. Aqui há uma proteção ao que a economia denomina problemas de informação assimétrica, ou seja, protege-se o equilíbrio entre as informações que o fornecedor de serviços tem e as que o consumidor deve ter.
Informações assimétricas existem nos casos em que uma parte tenta burlar a relação econômica baseada na lei da oferta e da procura, sobrevalorizando seus produtos e serviços, ou mesmo escondendo os vícios que eles contém. Assim, uma das partes paga um preço irreal por não ter as informações necessárias para realizar uma escolha baseada em critérios objetivos. George Akerlof estudou este tema num brilhante artigo denominado “Market for Lemons”[i], no qual demonstrou que a assimetria era ruim para todos no mercado, inclusive para os próprios fornecedores que informavam mal.
No setor educacional, a desinformação é ruim para as instituições, tanto quanto para os alunos consumidores; assim, há uma regulação específica para evitar esta falha de mercado. Nesse sentido, inclusive, a Profª. Abigail França Ribeiro lembra sempre em seus cursos que “a LDB manda informar tudo aos alunos (art. 47, § 1º). E a Portaria Normativa 40, art. 32, §§ 1º, 2º e 3º diz como”. Isto ocorre justamente para evitar a assimetria informacional e permitir boas escolhas por parte dos alunos.
Anúncios como “curso superior em dois anos” e cláusulas que proíbem os alunos de receber de volta o dinheiro da matrícula são exemplos de desinformações, ou melhor, de regras pactuadas com base numa omissão de detalhes. No caso da devolução do dinheiro da matrícula, por exemplo, é muito difícil imaginar que o aluno, ao contratar, tenha o conhecimento de todos os problemas do curso, mas é certo que as IES têm informações abundantes sobre possíveis motivos que levariam a aluno a desistir. Este déficit informacional justifica a aplicação do direito do consumidor.
Mas esta diferença de informações nem sempre é usada contra o aluno. Em diversas situações, como na formação e alteração dos currículos, ou na realização de avaliações, não há informação assimétrica no sentido econômico. As IES possuem mais informações sobre o que se propõe a ensinar e usam esta diferença de informações a favor dos alunos, fornecendo um curso bem estruturado e uma avaliação justa. Nestes atos as IES exercem seu direito de ensinar (art. 206, da Constituição) e suas competências previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Para ilustrar esta segunda categoria de atos posso usar as avaliações. Nos casos em que os alunos são surpreendidos com lembretes ou “colas”, o professor deve exercer sua autoridade e suas constatações possuem validade. Em circunstâncias reais, os alunos não possuem o direito a inversão do ônus da prova, para obrigar o professor a provar que aluno tinha utilizado algum método irregular para se favorecer. Cabe ao aluno a responsabilidade de demonstrar que o professor que cometeu alguma irregularidade que impeça de prevalecer o ato do docente.
Sobre este tema, duas decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e outra do Tribunal de Justiça de São Paulo são bastante elucidativas. Em Minas Gerais, o Judiciário afirmou que:
“A professora, ao vigiar os alunos durante a realização de uma prova, exerce função disciplinar e, assim, tem toda a autoridade no recinto da sala de aula” (TJMG. Processo 1.0024.05.633387-5/001(1), julgado em 2006) e que
“Para se configurar o uso de meio fraudulento na realização de prova, basta que o aluno esteja portando o artifício apto a interferir no resultado, sendo irrelevante averiguar se o utilizou ou não, o que também não conseguiu provar” (TJMG. Processo 1.0000.00.254756-0/001(1), julgado em 2004).
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça decidiu:
“As instituições educacionais zelam pela boa-formacão de seus alunos, baseadas em princípios éticos e morais, neste passo, as atitudes tomadas no âmbito da universidade, visando a preservação de tais princípios, desde que pautadas pela legalidade, devem ser prestigiadas” (TJSP. Trecho do voto na Apelação Com Revisão 1078258004, julgada em 2008).
Estes diferentes atos praticados pelas Instituições de Ensino, ora vinculados a um poder disciplinar, ora ao seu interesse como fornecedoras de serviços, devem ser avaliados quando o que se pretende é saber se os alunos são ou não, consumidores.
Por certo, em muitos problemas que enfrentam em suas vidas acadêmicas, os alunos das Instituições de Ensino Superior estão na condição de aprendizes e de avaliados. E não são poucas as situações em que usam do discurso de consumidor para evitar obstáculos naturais num processo formativo.
Enquanto isso, as IES também usam do discurso de autonomia para sonegar ou falsear informações que afetam o direito de escolha dos alunos, impedindo-os de ter a noção clara da qualidade dos serviços que lhes são oferecidos.
Enfim, neste momento, busco evidenciar um aspecto básico para diferenciar os atos de consumo dos atos pedagógicos. Apresento a questão das informações assimétricas e proponho a discussão sobre quando, de fato, as IES usam a diferença de informações que possuem sobre seus cursos e sobre o conteúdo deles a favor dos alunos. Nesses casos o aluno não é consumidor, é aluno.
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