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Ruído: uma questão antiga e um novo objeto de estudo para os cursos de Direito

Edgar Jacobs e Juarez Monteiro


Há alguns anos a economia e o direito discutem os vieses como problemas decorrentes dos limites da racionalidade. Estes vieses afetam o direito do consumidor, os contratos, a governança das empresas, dentre outras áreas jurídicas. Quando compramos por impulso, por exemplo, deixamos de lado a racionalidade e cedemos a emoções ou automatismos. O resultado é um desvio de conduta, um viés, em relação ao comportamento mais eficiente em termos econômicos.


Mais recentemente a questão dos vieses vem sendo usada também para o estudo de problemas e da regulação dos algoritmos. Neste caso, o viés é uma tendência de decisão, normalmente contrária aos interessas das minorias incluídas em bancos de dados. Reconhecimento facial que não dá bons resultados para faces de pessoas negras e softwares de seleção de recursos humanos que discriminam mulheres são exemplos desse tipo de decisão algorítmica enviesada.


Ambas as distorções são relevantes e emergem das conclusões de trabalhos de psicólogos e economistas que deram origem à chamada economia comportamental, uma escola que contesta as bases da teoria clássica na medida em que discutem ou mesmo afastam o pressuposto de que as pessoas são racionais em suas escolhas. Em um primeiro olhar a falta de racionalidade poderia implicar em comportamentos totalmente imprevisíveis, irracionais mesmo. Contudo, usando a premissa de que os comportamentos não racionais seguem tendências – vieses, o estudioso das decisões humanas pode tentar antecipar quais os potenciais desvios das condutas reais em relação ao comportamento racional esperado.


Da mesma forma, compreendendo que algoritmos são treinados com dados resultantes de escolhas não racionais é possível estudar os vieses e tentar corrigir o código ou até o resultado das decisões baseadas em inteligência artificial.


Na área jurídica, estas questões levantam hipóteses de que decisões de juízes podem conter vieses e que ao usar tecnologia para decidir processos judiciais seria possível imprimir o mesmo nível de falta de racionalidade a um juiz-robô.


Neste artigo, porém, pretendemos ir além dos vieses.


Imaginemos uma situação em que Juízes estão decidindo sobre casos de liberdade provisória. Nesse exemplo, muitos juízes decidem mais a favor de pessoas brancas, sendo em média 30% mais favoráveis à liberdade quando o demandante não é negro. Imaginemos, ainda, que os dados sobre essas decisões permitam a determinação do momento do dia em que foram tomadas, constatando-se que antes do almoço e no final da tarde apenas 20% das decisões são favoráveis e que logo após o almoço ou no início da manhã, cerca de 65% das decisões são a favor da liberdade provisória dos demandantes.


Considerando que os dados foram tratados e se referem a situações efetivamente semelhantes, como poderíamos analisar esses resultados?


Seria possível concluir que há um viés de preconceito, pois há uma nítida diferença de julgamentos em relação às raças. Para confirmar essa diferença poderiam ser escolhidas outras variáveis para checagem ou confirmação do viés, como os dados populacionais sobre percentuais de brancos e negros na amostra, a reincidência dos que foram libertados ou o tipo de crime, que poderia classificado como mais ou menos grave. Após essas medidas, talvez fosse possível afirmar que decisões foram injustas porque preconceituosas.


Ainda apoiando-se em dados simplificados - que por certo representam apenas uma parte da complexa realidade que envolve decisões judiciais desse nível, um estudioso poderia observar que os juízes decidem melhor quando estão descansados em bem alimentados. Esta situação não seria assustadora, pois além de se enquadrar no senso comum já foi verificada em estudos com rigor científico.


Em um estudo feito por DANZIGER et ali. Em 2011 foi constatado, por exemplo que:


Registramos as duas pausas diárias de alimentação dos juízes, o que resulta em segmentar as deliberações do dia em três "sessões de decisão" distintas. Verificamos que a porcentagem de decisões favoráveis cai gradualmente de ≈65% para quase zero dentro de cada sessão de decisão e retorna abruptamente para ≈65% após um intervalo. Nossas conclusões sugerem que as decisões judiciais podem ser influenciadas por variáveis estranhas que não devem ter nenhuma influência nas decisões legais. (DANZIGER, Shai; LEVAV, Jonathan; AVNAIM-PESSO, Liora. Extraneous factors in judicial decisions. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 108, n. 17, p. 6889-6892, 2011)

Tal como concluiríamos a partir do senso comum a pesquisa constatou que o os magistrados decidem de forma mais benevolente quando estão sem fome e menos cansados. Provavelmente, como acontece como qualquer ser humano.


Essa conclusão pode parecer irrelevante, mas analisando nossos números ilustrativos no início do artigo, mesmo com um possível viés de preconceito elevado - 30% - a variação em decorrência do horário de descanso e comida é potencialmente mais relevante, pois indica uma variação de 45% entre os resultados das decisões sobre liberdade provisória.


E qual seria a consequência desse contexto? Deveríamos desprezar o viés de preconceito, por que é menor? Por certo, não! O que pode ser feito é uma análise mais abrangente, que não credite as falhas apenas a vieses.


Para fazer essa análise um dos maiores economistas de nosso tempo, Daniel Kahneman fez um artigo em 2016 e agora, em 2021, publicou um livro (sempre em companhia de outros grandes pesquisadores) nos quais dá o nome de “ruído” para este tipo de interferência externa.


Nas palavras de Kahneman e seus coautores:


“…seres humanos não são tomadores de decisão confiáveis; seus julgamentos são fortemente influenciados por fatores irrelevantes, como seu humor atual, o horário desde a última refeição e o clima. Chamamos a variabilidade casual dos julgamentos de ruído” (KAHNEMAN, Daniel et al. Noise: How to Overcome the High, Hidden Cost of Inconsistent Decision Making. Disponível em https://hbr.org/2016/10/noise. Acesso em 10 de maio de 2021).

A introdução do conceito é importante para quem estuda o Direito. Ainda que os bons professores de direito processual já cuidassem do assunto quando ensinam sobre súmulas vinculantes e recursos repetitivos, o conceito de ruído facilita a sistematização do estudo do tema.


Por outro lado, nas decisões tomadas no âmbito jurídico, o ruído nem sempre é um problema, na maioria das vezes provavelmente reflete diferenças pequenas nos fatos. Mas em alguns casos, como os descritos acima, são um risco grave para a isonomia. As pessoas não deveriam perder uma causa porque um Juiz está cansado nem mesmo porque teve um dia ruim. Por isso, estudar o temas e propor soluções é necessário.


E se o problema é comportamental, essas soluções não podem vir somente de normas processuais, devem ser abordadas possíveis reformas no Judiciário e até uso de algoritmos ou de Inteligência Artificial para mitigar a dissonância de decisões.


A partir de um conceito bem definido, enfim, as críticas podem se tornar mais fundamentadas e os ajustes podem ser tornar menos complexos.


Em suma, ao lado do estudo dos vieses, que já se consolida como tema relevante nos cursos de Direito, agora precisamos tratar com mais ênfase dos ruídos. Afinal, podemos até cogitar que seres humanos nem sempre estão presos a vieses, mas sempre haverá um contexto e um história pessoal que interfere nos julgamento e cria ruídos indesejáveis.


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