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STJ julga válido desconto para quem paga mensalidade escolar em dia

O Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com ação civil pública contra instituição de ensino em razão de uma prática comercial denominada desconto de pontualidade. O MP a considerou abusiva, argumentando que consistia na concessão de um desconto fictício no valor da mensalidade para os alunos que efetuassem o pagamento até a data de vencimento, quando, na verdade, no valor nominal cobrado, estaria embutido o valor de uma multa moratória camuflada.

Sustentou que o valor correto e real da mensalidade seria o valor nominal cobrado subtraído o valor do desconto por pontualidade, sob risco de a multa moratória ultrapassar o patamar de 2% (dois por cento), o que afrontaria o art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor.

Em primeira instância os pedidos foram julgados procedentes, declarando-se a ilegalidade da prática comercial "desconto pontualidade" e provocando a nulidade expressa da disposição contratual inserida em todos os negócios jurídicos realizados. Ficou declarado, ainda, que o valor da mensalidade deveria ser considerado como aquele efetivamente pago pelos consumidores no seu vencimento – com os encargos de mora devendo ser calculados com o expurgo (exclusão) do desconto mencionado.

Em relação aos contratos futuros, a instituição deveria se abster de inserir a cláusula nos mesmos termos e, em relação aos contratos em vigor e aqueles já encerrados, a instituição foi condenada a restituir os valores pagos em excesso pelos consumidores inadimplentes.

Recurso de apelação

A instituição de ensino apelou da decisão de primeira instância, mas a sentença foi modificada apenas para determinar que a restituição dos valores pagos indevidamente se restringisse aos valores que não se encontrassem prescritos.

Recurso especial

Em recurso especial, o mérito da questão era saber se o "desconto de pontualidade" concedido pela instituição de ensino aos alunos que efetuassem o pagamento das mensalidades até a data do vencimento consubstanciaria, ou não, prática comercial abusiva. E se esse abono guardaria, em si, aplicação dissimulada de uma multa que extrapolaria o patamar legal previsto no § 1º do art. 52 do CDC (de 2%).

O STJ entendeu que não, por unanimidade.

A compreensão do Tribunal Superior foi a de que o “desconto de pontualidade" consiste em um legítimo e importante prêmio de incentivo ao cumprimento espontâneo das obrigações, de interesse de ambos os contratantes.

E assim entendeu interpretando as normas de proteção ao consumidor em conjunto com os princípios sociais do contrato encampados pelo Código Civil de 2002.

Para a Terceira Turma do STJ, a prática comercial questionada na ação civil pública não guarda nenhuma relação com a aplicação dissimulada de multa a extrapolar o patamar legal previsto no § 1º do art. 52 do CDC (de 2%). Os Ministros entendem, inclusive, que misturar os dois institutos parte de uma premissa absolutamente equivocada.

De fato, em relação à natureza jurídica, o abono por pontualidade e a multa contratual possuem o traço em comum de fomentar a contratante a adimplir a sua obrigação, de garantir o cumprimento da obrigação ajustada. Mas, diversamente do desconto por pontualidade, a multa contratual, concebida como espécie de cláusula penal (no caso, cláusula penal moratória), “assume um viés coercitivo e punitivo, na medida em que as partes, segundo o princípio da autonomia privada, convencionam a imposição de uma penalidade na hipótese de descumprimento da obrigação, cujo limite, nos contratos civis, é de 10% sobre o valor da dívida (arts. 8º e 9º do Decreto n. 22.626/33); nas dívidas condominiais, de 2% (art. 1.336, § 1º, do Código Civil); e nos contratos de consumo, como é o caso dos autos, de 2%" (Trecho da decisão do REsp 1424814).

O desconto de pontualidade tem esteio na autonomia privada: ele é destinado a encorajar, incentivar o contratante a realizar um comportamento positivo, almejado pelas partes e pela sociedade, premiando-o. É um instrumento posto à disposição das partes. E por isso mesmo absolutamente possível que coexista com sanções negativas decorrentes do descumprimento da obrigação.

Contrato

Na compreensão do Ministério Público Estadual, independentemente do pagamento da mensalidade até a data de vencimento, todos os alunos fariam jus ao valor da mensalidade com o mencionado desconto, sobre o que deveria incidir a multa de 2% (e não sobre o valor nominal da mensalidade).

Esse entendimento não está alinhado com o fato de que os serviços educacionais foram efetivamente contratados e ainda propõe que o Estado interfira em uma relação privada e, em substituição à parte contratante, estipule o "preço ideal" pelos serviços por ela prestados.

Como decidido pelo STJ, não há como mensurar todas as variáveis mercadológicas que o empresário/fornecedor leva em conta para definir o preço de seus serviços, em indevida intervenção no domínio econômico. Os serviços educacionais são contratados mediante o pagamento de um preço de anualidade certo, definido e aceito pelas partes.

Não se fala em defeito de informação ou em vício de consentimento em relação ao preço estipulado da anuidade escolar à época da celebração dos contratos de prestação de serviços educacionais entre os consumidores e a instituição de ensino demandada.

Não se cogita que o aluno/consumidor teria sido levado a algum erro em relação aos valores de sua mensalidade com ou sem o desconto.

A decisão judicial mostra claramente que o somatório dos valores nominais constantes das mensalidades (incluídos os valores de matrícula) equivale ao preço da anuidade contratada, mostrando que a concessão do denominado "desconto por pontualidade" é uma medida de estímulo à consecução do cumprimento do contrato, a premiar, legitimamente, o consumidor que efetuar o pagamento de sua mensalidade na data avençada.

É uma atitude da instituição de ensino que beneficia o consumidor, estimulando o cumprimento da obrigação e convergindo com os interesses de ambas as partes contratantes. E o faz não para obter uma contraprestação especial, mas para obter o cumprimento em si da avença ao tempo e modo ajustados.

Quando o “desconto de pontualidade" é concedido para o consumidor que efetiva o pagamento até a data do vencimento da obrigação, há a cobrança de um valor inferior ao efetivamente contratado, que é o preço da anuidade diluído nos valores das mensalidades e matrícula. E o consumidor que não efetiva a sua obrigação até a data do vencimento não faz jus ao desconto, não lhe ocorrendo qualquer incidência de dupla penalização no fato de a multa moratória incidir sobre o valor efetivamente contratado.

Entendimento contrário configuraria um duplo benefício ao consumidor que, além de obter o desconto para efetivar a sua obrigação nos termos contratados, teria, em caso de descumprimento, ainda a seu favor, a incidência da multa moratória sobre valor inferior ao que efetivamente contratou. Neste caso, o desconto puniria aquele que o concedeu.

Finalizando, é muito importante lembrar que não existe um limite legal que determine o preço das mensalidades e que em uma economia de mercado, onde prevalece a livre concorrência, benefícios concedidos em virtude da antecipação do pagamento importa em incentivo para o adimplemento, sendo uma forma de antecipar a captação de mensalidades e receitas para a instituição.

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial e julgou improcedente a ação civil pública, determinando como válido o desconto para quem paga a mensalidade escolar em dia.

Leia o acórdão na íntegra; REsp 1424814.

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