Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância ajuiza ADI contra decreto que proibiu cursos EAD
- Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs
- há 2 dias
- 6 min de leitura
O Supremo Tribunal Federal foi acionado a respeito da constitucionalidade do decreto presidencial que determinou que cursos de graduação em direito, medicina, enfermagem, odontologia, psicologia, bem como os cursos de licenciatura, devem ser ministrados de maneira exclusivamente presencial.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade - (ADI) 7845 – foi proposta pela Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância (ABE-EAD) e distribuída ao ministro André Mendonça.
A entidade defende que a medida, prevista no Decreto n. 12.456/2025, cria obrigações e restrições sem respaldo em lei e afronta o direito fundamental à educação, a autonomia universitária e a LDB. Contraria, ainda, a autorização dada pela normativa para que o Ministro da Educação amplie, por ato infralegal, a seleção de cursos proibidos. Para a autora, essa previsão é uma delegação normativa indevida, que ofende os princípios da separação dos Poderes e da legalidade.
De acordo com a ABE-EAD, a vigência do decreto implicará “o fechamento de cursos, a interrupção de matrículas, a frustração de projetos pedagógicos legitimamente aprovados, a exclusão educacional em massa e o retrocesso injustificável no processo de democratização do ensino superior brasileiro”.
Controvérsia
A vedação explícita do EaD em determinados cursos é, de fato, um ponto controverso da Nova Política de Educação a Distância. Medicina, direito, odontologia, enfermagem, psicologia e demais cursos da área da saúde e licenciaturas não poderão ser ofertados a distância; apenas nos formatos presencial e, alguns, apenas no semipresencial.
O MEC garante o direito dos estudantes já matriculados e prevê a classificação de demais cursos por portaria futura. Para a garantia da transição aos alunos que já ingressaram em seus respectivos cursos, haverá dois anos de adaptação gradual.
Vejamos mais detalhadamente as razões pelas quais foi questionada a inconstitucionalidade dos artigos 8o e 9o do Decreto n. 12.456, de 19 de maio de 2025.
A Adin 7845
Os dispositivos impugnados, de acordo com a petição inicial de inconstitucionalidade, cuidam de uma inovação normativa de feição autônoma, porém sob a roupagem formal de decreto regulamentar.
O decreto teria feito vedações gerais e abstratas à oferta da educação a distância, uma modalidade expressamente admitida pela LDB.
No caso, o artigo 8o do decreto impugnado estabelece, de forma peremptória, que diversos cursos de graduação que sempre foram possíveis de fazer parte do EaD fossem, a partir de então, ofertados exclusivamente na modalidade presencial.
Isto causaria, por comando direto do Poder Executivo, verdadeira proibição normativa à modalidade EaD, em áreas inteiras do saber, sem que se encontrasse, no ordenamento jurídico vigente, autorização legislativa que confirasse fundamento jurídico válido a tal restrição.
Por sua vez, o artigo 9o, aprofundando a feição normativa autônoma do ato presidencial, determina que não será admitida a oferta de cursos de graduação a distância na área da saúde, de licenciaturas e de outros cursos que venham a ser definidos por ato do Ministro de Estado da Educação.
Nesse cenário, a autora da ação entende que se verifica ofensa à ordem constitucional em seu ápice. É que o inciso III do artigo 9o autoriza o Ministro de Estado da Educação a, por simples ato administrativo infralegal, estabelecer futuras proibições à oferta de cursos a distância, independentemente de qualquer lei que o autorize a tanto. Seria uma delegação normativa indevida, que subverte a separação de poderes, viola a hierarquia das fontes do Direito e rompe com o regime de legalidade estrita em matéria de direitos fundamentais.
Com estes comandos, o Decreto n. 12.456/2025 confere a um agente político do Poder Executivo competência para criar normas de conteúdo material primário, com efeitos gerais e abstratos, sem qualquer filtro legislativo ou limite legal, o que representa flagrante usurpação da competência do Congresso Nacional para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.
“Essa técnica normativa espúria — que transforma um decreto em veículo de delegação aberta a um ministério, para que este edite normas proibitivas à margem da lei — cria uma zona de instabilidade e imprevisibilidade jurídica, incompatível com os postulados da segurança jurídica, da proteção da confiança e da coerência normativa no espaço constitucional da educação superior.” (Trecho da petição inicial da ADI 7845)
Realmente, a estrutura e a força dos comandos normativos contidos nos dispositivos citados mostram que não se está diante de uma simples regulamentação técnica ou executiva de preceitos legais, mas sim da criação de um regime jurídico restritivo e, pior, com impacto estrutural sobre o acesso ao ensino superior e sobre a conformação das políticas públicas de educação superior — matérias que demandam disciplina por meio de lei em sentido formal.
A peça continua constatando uma “exorbitância manifesta do poder regulamentar, pois o decreto, ao invés de se limitar a detalhar os requisitos técnicos ou operacionais da oferta educacional na modalidade a distância, institui proibições de natureza substantiva, autônoma e inovadora, em clara afronta à Constituição Federal e à legalidade estrita”.
São razões que fariam com que o Decreto n. 12.456/2025 assumisse natureza jurídica materialmente primária, e não meramente regulamentar, já que não deriva logicamente de nenhum mandamento legal anterior, mas objetiva ordenar e restringir direitos, o que o torna, relativamente aos incisos definidos, passível de controle concentrado de constitucionalidade pela Suprema Corte.
Princípios estruturantes da educação
Os princípios estruturantes da ordem educacional, como a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II), bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, III) foram citadas na inicial da ADI.
No mesmo sentido, a LDB dispõe que o Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, como modalidade legítima e complementar ao ensino presencial, a ser oferecida por instituições credenciadas, com avaliação e supervisão estatal quanto à qualidade.
A partir da cena brasileira analisada, compreendeu-se que a LDB não apenas reconheceu a validade do ensino a distância, como impôs ao Estado o dever de fomentá-lo, nos termos da lei e dos parâmetros de qualidade fixados em diretrizes curriculares e pareceres técnicos, não sendo autorizado ao Presidente da República vedar ou restringir, por decreto, a oferta de cursos em EaD — seja em caráter absoluto, seja de forma setorial — tampouco a delegar tal competência a Ministro de Estado.
Pedidos
Concluiu-se, em síntese, que o inciso II do artigo 9o do Decreto n. 12.456/2025 é inconstitucional:
por violar o direito à educação e o dever estatal de formação docente;
por frustrar metas legais de expansão e universalização do acesso;
por atentar contra a autonomia universitária e o pluralismo metodológico;
por comprometer a interiorização do ensino superior e
por promover retrocesso social desprovido de base empírica ou legal.
Também foi requerido, caso o STF entenda pela manutenção residual do Decreto, a declaração de inconstitucionalidade autônoma do inciso II do art. 9o, a fim de preservar a continuidade da formação docente no país e o exercício efetivo do direito fundamental à educação superior por milhões de brasileiros excluídos do modelo presencial.
E na hipótese de não ser acolhido de forma integral o pedido de declaração de inconstitucionalidade dos artigos 8o e 9o da norma, requereu-se sucessivamente o exame autônomo da inconstitucionalidade do inciso III do artigo 9o, dispositivo, de acordo com a inicial, que representa vício formal gravíssimo ao outorgar ao Ministro de Estado da Educação competência normativa aberta e ilimitada para definir, mediante ato infralegal, novas hipóteses de vedação à oferta de cursos superiores EaD.
Por fim, houve pedido de medida cautelar a fim de suspender os efeitos jurídicos dos artigos 8o e 9o do Decreto n. 12.456/2025, até o julgamento definitivo da ADI.
O Relator, Ministro André Mendonça, já pediu informações às autoridades envolvidas. Por ora, aguardamos os trâmites regulares do processo.
Complexidade jurídica
O tema da construção deste novo marco regulatório da EaD, que nos acompanha desde a LDB até as normas mais recentes do MEC e do CNE, incluindo pareceres e decisões judiciais, possui uma complexidade jurídica e desafia uma sorte de análises técnicas, inclusive sobre credenciamento e recredenciamento de Instituições.
Há, também, implicações para os cursos lato e stricto sensu.
Em vista disso, já apresentamos várias publicações acerca da matéria e, no momento, disponibilizamos o curso sobre as Novas Regras para a Educação a distância, com foco no Decreto 12.456/2025, na Portaria MEC 378/2025 e no Calendário Acadêmico com disposições transitórias, ocasião em que serão exploradas as origens, contradições e impactos práticos da educação a distância, oferecendo interpretações fundamentadas e caminhos para aplicação segura das novas regras.
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