O Programa Nacional de Imunização brasileiro (PNI), criado em 1973, se tornou uma referência mundial. O Brasil foi pioneiro na incorporação de diversas vacinas no calendário do Sistema Único do Saúde (SUS) e é um dos poucos países no mundo que ofertam de maneira universal um rol extenso e abrangente de imunobiológicos.
E desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, se estabeleceu como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde, dentre outros direitos, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência.
A Constituição de 88, suas perspectivas e propósitos, permitiu também a promulgação do ECA em 1990, um marco legal sobre o assunto, que instituiu que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e merecem acesso à cidadania e proteção.
Os primeiros direitos fundamentais garantidos às crianças e adolescentes pelo Estatuto são o direito à vida e à saúde e uma das políticas prioritárias da lei é justamente a saúde.
O direito à saúde/vacinação
Fato que o direito à saúde não se restringe a poder ser atendido nos hospitais ou em unidades básicas quando necessário. Embora estes serviços sejam relevantes, o direito à saúde implica na garantia ampla de qualidade de vida, em associação a outros direitos fundamentais, como saneamento básico e vacinação.
Quanto às vacinas em si, não é de hoje que os especialistas debatem os ganhos oriundos do PNI para a prevenção, controle e erradicação de doenças preveníveis.
A propósito, segundo o ECA, a vacinação é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Quem descumpre "os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda" está sujeito a multa de três a 20 salários - podendo haver, ainda, punições mais severas. Para que esta regra tenha validade, é preciso que a vacina conste no PNI, o que ocorre, apenas como exemplo, com as vacinas BCG, a tríplice viral e agora com a vacina do covid-19.
Debates desde 2018
Desde 2016 o Ministério da Saúde vem percebendo queda nas coberturas vacinais. Em 2018 começou a estudar estratégias para reverter o quadro, sendo uma delas exigir a apresentação da carteira de vacinação para matrículas nas escolas, obrigação que já existia em alguns municípios brasileiros.
A falta de consenso resultou no embate entre a proteção das crianças contra doenças já eliminadas e a necessidade de garantir o acesso à escola para todas, sem distinção.
Desde então alguns estados, como São Paulo, publicaram leis que exigem a apresentação do cartão de vacinação completo no momento da vacina; no âmbito federal há projetos de lei sobre o tema em tramitação.
No caso de São Paulo, a ideia é que o estudante apresente a caderneta de vacinação no ato da matrícula e as instituições de ensino comuniquem o sistema de saúde sobre as doses prioritárias para os seus alunos. Com isso, a escola informará o sistema de saúde, que saberá quais vacinas faltam para aquele grupo de crianças e adolescentes matriculados, possibilitando regularizar a caderneta vacinal desses alunos. O objetivo é diminuir os índices de crianças não vacinadas e evitar surtos de doenças como sarampo, meningite, entre outras e não obstar a frequência às aulas, obviamente.
A vacinação é um pacto social
Infelizmente, as gestões de alguns estados brasileiros, sob a justificativa da liberdade individual, insistem que a apresentação do cartão de vacinação nunca foi obrigatória para a realização de matrícula na rede estadual de ensino e fazem campanha pública que desincentiva a vacina.
Dois exemplos são os estados de Minas Gerais e Santa Catarina. Em Minas, no início do mês de fevereiro, o representante do Executivo publicou um vídeo em suas redes sociais deixando claro que, no estado, “todo aluno, independentemente de ter ou vacinado, terá acesso a todas as escolas”.
O governador não menciona uma vacina específica, mas se esquece que o ECA estabelece que "é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias".
Da mesma maneira, o governador de Santa Catarina publicou vídeo dizendo que professores e alunos não seriam obrigados a tomar vacina para frequentar as escolas no estado, entregando nas mãos do indivíduo a consciência de exercer o seu ‘direito de cidadão’.
No estado de Santa Catarina, vale lembrar, vários municípios haviam publicado decretos dispensando a apresentação do cartão de vacinação no ato da matrícula; seus prefeitos obtiveram, por óbvio, um reforço positivo por parte do governador.
Supremo Tribunal federal
No caso de Minas Gerais, após a publicação do material na internet, uma ação foi apresentada no Supremo Tribunal Federal, requerendo-se a sua remoção e que o governador fosse proibido de acabar com a exigência da vacinação.
O relator, Ministro Alexandre de Moraes, para melhor apreciação da questão posta nos autos, determinou, então, que o governador prestasse informações em até cinco dias sobre a fala de que alunos no estado poderão ir à escola sem vacina.
No caso de Santa Catarina, já houve uma decisão cautelar emitida pelo Ministro Cristiano Zanin suspendendo os efeitos dos decretos que dispensavam a vacina contra a covid-19 para matrícula e rematrícula na rede pública de 19 municípios. A decisão foi proferida em uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 1123), que questiona atos do poder público que possam ferir pontos basilares da Constituição brasileira. O ministro, a propósito, salientou que não pode o poder público municipal normatizar no sentido da não obrigatoriedade da vacinação infantil, sob pena de desrespeito à distribuição de competências legislativas.
Solução é sensibilização dos pais e respeito ao ECA
A obrigatoriedade da vacinação infantil decorre de uma determinação legal. É um direito da criança e um dever dos pais.
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Renato Kfouri, em entrevista à Agência Brasil, lembrou que, no país, nenhuma criança deixa de frequentar a escola porque não está com a carteira de vacinação em dia. A ideia não é penalizar a criança duplamente, pois ficaria sem saúde e sem educação. Pelo contrário: a matrícula escolar se torna, na verdade, uma excelente oportunidade de checagem do status vacinal. É o momento de recuperação de atraso vacinal e de orientação das famílias sobre vacinas.
Ainda, para o pediatra, as falas publicadas pelos governos de Minas Gerais e de Santa Catarina atacam a credibilidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI), além de configurar o que ele classifica como “discussão inócua”, pois, como já dito, ninguém vai deixar de frequentar a escola por falta de vacina. Isso nunca aconteceu e não acontecerá.
O que pode ocorrer, no caso dos pais se recusarem a levar a criança ou adolescente para receber a vacina, é responderem nos termos do ECA, que prevê penalidades para o eventual descumprimento do dever de vacinar os filhos, como a aplicação de multa. A criança, contudo, não será impedida de frequentar a escola.
Bom lembrar que desde o início deste ano a vacina contra a covid-19 faz parte do Calendário Nacional de Vacinação e que agora temos um novo desafio, o de combater a epidemia de dengue, decretada em vários estados brasileiros. Para a doença, o Ministério da Saúde irá priorizar justamente a faixa etária de 6 a 16 anos na aplicação da vacina, grupo que, em sua grande maioria, necessita dos pais e responsáveis para ser imunizado.
Mais do que ser vista como uma obrigação e exigência banal da instituição de ensino, a apresentação de cartão de vacinação no ato da matrícula escolar é um compromisso dos pais com a criança e com a sociedade e, portanto, a escola que o demandar está amparada pelas normas nacionais. Inclusive, sendo instituição particular, pode constar a exigência de seu contrato de serviços de ensino.
Como já afirmamos, a falta do documento não impede a matrícula ou o acesso à escola, mas estabelece um prazo para sua regularização. Após o fim deste prazo é que poderiam ser tomadas outras medidas, como o contato com o Conselho Tutelar ou Ministério Público.
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