Não raro jovens estudantes – nativos digitais - têm dificuldades em separar fatos verdadeiros da desinformação transmitida online e nas redes sociais. O professor Mike Caulfield, pesquisador da Universidade de Washington, afirma que isto se dá não porque não sejam bons em pensamento crítico, mas em razão da falta de orientação de como abordar a enxurrada de textos, imagens e sites que eles encontram (e nós também!) diariamente. E que esta orientação ainda é mais importante à medida em que o ChatGPT e outras ferramentas de IA passam a fazer parte de nosso dia a dia.
Caulfield, juntamente com o professor emérito de educação da Universidade de Stanford, Sam Wineburg, decidiu criar um guia para os alunos – e, claro, para qualquer pessoa que perceba a confusão do cenário de informação atual. O resultado é o livro “Verified: How to Think Straight, Get Duped Less, and Make Better Decisions about What to Believe Online”.
Em tradução livre o título da obra seria “Verificado: como pensar com clareza, ser menos enganado e tomar melhores decisões sobre em que acreditar online”. O autor argumenta que um problema que qualquer um de nós enfrentamos é que nós nos acostumamos a abordar as informações que encontramos on-line com as mesmas estratégias para diferenciar os fatos da ficção que funcionavam bem em uma época anterior, quando a maior parte do material publicado havia passado por algum nível de verificação.
Para o pesquisador, não houve exatamente um declínio repentino no pensamento crítico e que o erro é aplicar para a informação obtida via internet uma abordagem inapropriada. E com o surgimento das novas ferramentas de IA um novo impacto pode minar os esforços dos educadores no letramento digital.
Orientações e técnicas para lidar com o volume de informações
Desconsideração ou desprezo crítico
No livro do professor Mike Caulfield há uma argumentação de que uma das atitudes mais importantes a se fazer ao classificar informações on-line é a chamada “desconsideração crítica” ou “desprezo crítico”.
Ele considera que uma das principais coisas que fazemos quando lemos na internet é tentar decidir se algo merece ou não nossa atenção e que, na verdade, é provavelmente a habilidade que mais aplicamos durante este processo, já que a internet é relativamente não filtrada. Ela é, claro, filtrada por algoritmos e assim por diante, mas não filtrada quando a comparamos a um jornal tradicional ou um livro, por exemplo.
Desta forma, estamos sempre tomando a decisão sobre o que ler ou não e apenas uma pequena fração das coisas online provavelmente merece nossa atenção.
Um bom exemplo desta orientação consta deste parágrafo abaixo, em tradução livre do texto de Jeffrey R. Young:
“Nos modelos tradicionais, muitas vezes ensinamos aos alunos que a maneira de resolver qualquer problema é dedicando-lhe profunda atenção crítica. E claro, isso é desastroso na internet. Se, por exemplo, um aluno vê algo que é a negação do Holocausto, e se o seu conselho para o aluno for: 'Bem, reserve uma hora, envolva-se profundamente com os argumentos desta pessoa, siga as cadeias de pensamento, veja o que ela está citando.' Quero dizer, esse é um conselho horrível, horrível.
Em vez disso, procure a pessoa que escreveu o que você está lendo e muitas vezes você verá imediatamente: ‘Esta pessoa nega o Holocausto. Ela provavelmente não vale meu tempo.’”
A atenção do estudante (e do usuário da internet em geral) é o recurso limitado, enquanto a informação é abundante. Precisamos, portanto, descobrir em que aplicar a nossa atenção. No caso dos professores, claro, o objetivo é ensinar como escolher melhor em que investir atenção e tempo.
Origem das mensagens
Para o professor as pessoas não estão usando o tipo certo de modelo mental para avaliar adequadamente as informações online. No presencial, nós, muitas vezes, ao ouvirmos uma notícia que soa boato, questionamos o interlocutor sobre onde ele ouviu aquela informação.
Na internet, já que a informação é escrita, parece oficializada; ela chega com um “brilho de autoridade” e as pessoas pulam a etapa do questionamento. Daí vêm as técnicas e métodos que devem ser ensinadas aos alunos.
Uma delas é parar. Parar é um lembrete para quando algo parece particularmente atraente ou interessante; neste momento é importante parar e perguntar a si mesmo se sabe o que está vendo.
Parar não é descobrir se a informação é verdadeira ou não. É se perguntar se sabe o que está vendo. Para o professor a maioria das pessoas erra neste momento. Elas pensam estar lendo um jornal local enquanto estão lendo um blog partidário. Pensam ver uma fotografia recente de 2023 e, na verdade, estão olhando para uma foto de 2011. Ou o evento foi na Alemanha, não nos EUA.
Parar é perguntar a si mesmo: 'Eu sei o que estou vendo?' 'Eu sei de onde veio?' 'Eu sei alguma coisa sobre esse assunto?'
A segunda é investigar a fonte. É verificar informações básicas se o autor da publicação é um repórter ou um comediante. Se é um trabalho acadêmico; se o produtor da informação é um teórico da conspiração; se está produzindo conteúdo por meio de expertise, por meio de experiência profissional, por ser testemunha direta de algo ou é uma pessoa que não tem melhor ideia da situação do que você e talvez não valha a pena gastar seu tempo. Se uma fonte não é substancialmente forte, procure outra coisa.
Uma das descobertas das pesquisas do professor Mike Caulfield é que os alunos parecem estar vinculados à primeira fonte que atingem.
E por isto é necessário ensinar a fazer este peneiramento para encontrar uma cobertura melhor, recuando um segundo e perguntando a si mesmo se aquilo que chegou à sua vista inicialmente é realmente a melhor fonte ou uma fonte boa o suficiente.
A ideia é conseguir uma fonte que respeite o tempo do aluno e na qual ele possa confiar.
Rastreio das informações
A técnica final é aprender a rastrear as afirmações, citações e contextos até a fonte original. É claro que isto nem sempre é necessário, mas o aluno não pode usar um tweet, uma postagem ou um TikTok citando alguma informação supostamente confiável.
É preciso ir além e encontrar uma procedência adequada.
ChatGPT
Hoje, quase toda a preocupação gira em torno do ChatGPT e de outras ferramentas de IA. Para o pesquisador Mike Caulfield um grande modelo de linguagem como o ChatGPT não está “pensando” em nenhum sentido que normalmente definimos como pensamento. Ele monta, para qualquer trecho de texto, incluindo qualquer pergunta realizada, um modelo das coisas que as pessoas provavelmente diriam em resposta a esse texto. E o faz de forma estatística, como o preenchimento automático do telefone.
Ainda assim opera em vários níveis e apresenta respostas bastante convincentes, podendo ser bom para resumos, onde há muito texto para reunir, muito texto para extrair. Mas tem algumas falhas, como não ter objetivos comunicativos, ou seja, o ChatGPT não sabe o que está dizendo. Não é capaz de avaliar as coisas como um ser humano avalia.
Em verdade, isto não é um grande problema para os especialistas em uma área, pois eles percebem imediatamente se a produção do bot foi um resumo útil ou se há coisas erradas. O problema é para os novatos, que não vão saber se os ChatGPT e LLMs (Modelos de Linguagem de Grande Escala) estarão falando besteira. Os estudantes precisam entender, pois, que algo parecer confiável não é suficiente. Eles precisam saber se faz sentido.
Como o ChatGPT permite que qualquer pessoa pareça saber do que está falando, as dicas anteriores são fundamentais. Ainda, por exemplo, que o texto tenha tom acadêmico, procure pelas notas de rodapé.
No mundo dos ‘Modelos de Linguagem de Grande Escala’ qualquer um pode escrever conteúdo com ar oficial, contendo todas as características de textos oficiais, sem sequer saber do que está falando. E, então, resta ao aluno ir além, de imediato, investigando a fonte da mensagem e o produtor do conteúdo, para não ser enganado.
Por fim, bom lembrar que novas tecnologias podem servir tanto como mecanismos de inclusão quanto de exclusão, de forma que é preciso pensar maneiras de democratizá-las para que sejam propulsores da igualdade e não perpetuadoras de desigualdades e diferenças.
É certo que a Base Nacional Comum Curricular já contempla o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas ao uso crítico e responsável das tecnologias digitais, tanto de forma transversal quanto de forma direcionada, ou seja, para o desenvolvimento de competências de compreensão, uso e criação de tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais - incluindo as escolares, mas é preciso atenção especial em relação às orientações do pesquisador mencionado.
São diretrizes que auxiliam bastante no processo de desenvolvimento de habilidades imprescindíveis e, mais do que nunca, urgentes.
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