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O MEC não deveria se exceder nem se surpreender com novos vestibulares de medicina: foi sua resistência que os criou.

Hoje, dia 26 de março de 2024, foi autorizado um novo curso de medicina, um curso de universidade pública, a UNILAB, uma medida que demonstra a necessidade de mais vagas na área. Contudo, o fato mais marcante são duas Portarias, 105 e 106, que foram publicadas no mesmo Diário Oficial impondo medidas cautelares à Instituições de Ensino Superior que abriram recentemente vestibulares de cursos de medicina. As cautelares determinam:

  • a suspensão do ingresso de estudantes no anunciado curso de graduação em Medicina até emissão de ato autorizativo;

  • a publicação, de forma visível e destacada, na página principal do sítio eletrônico institucional de retratação sobre a ocupação de vagas no primeiro semestre letivo de 2024, dirigida à comunidade acadêmica;

  • o encaminhamento de correspondência física e eletrônica aos estudantes inscritos e ingressantes comunicando a suspensão da oferta efetiva de aulas do referido curso.

Dessas medidas cabe recurso ao Conselho Nacional de Educação e discussão judicial.

As imposições são bastante controvertidas, pois passam a impressão de que não há suporte jurídico para os procedimentos e, principalmente, de que o próprio Órgão não teve participação nos atos praticados pelas IES. Todavia, todas as decisões sobre vestibulares de medicina conhecidas são tecnicamente fundamentadas e ponderaram inclusive que o MEC atribuiu conceito satisfatório aos projetos e que fez isso após submetê-los a rigorosos critérios e visitas in loco. Além disso, essas decisões ocorreram como um recurso para neutralizar a desobediência aos comandos judiciais para que o Ministério concluísse, ele mesmo, os processos de autorização.

De fato, todas as decisões das quais temos conhecimento, um total de cinco, estão fundamentadas na decisão do STF na ADC 81 e no Art. 139, IV, do Código de Processo Civil, que impõe ao Juiz da causa: “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”. Ou seja, as decisões são uma forma, talvez a única, encontrada pelo Poder Judiciário para evitar que o MEC continuasse descumprindo ordens judiciais que determinavam o seguimento de um grupo de processos administrativos e sua derradeira análise.

Neste contexto, uma intimação para que quem fez processos seletivos fundamentados em decisões judiciais se “suspenda o ingresso de estudantes” soa bastante atípica e desperta indagações: Por que o MEC não fez isso logo que o vestibular foi lançado? Por que o MEC, com seus atrasos, deixou a situação chegar a este ponto? Por que não divulgou informações relevantes sobre o assunto para assegurar o direito à informação dos estudantes?

Diante desses questionamentos, a segunda e a terceira cautelares parecem ainda mais absurdas. O silêncio do MEC, e em alguns casos a falta de recurso contra decisões judiciais, o deslegitima para questionar a necessidade de informar os estudantes. Até porque, tanto quanto a publicidade nas relações de consumo, exigida das IES, o princípio da publicidade e a lealdade processual exigem outra conduta do Ministério, que foi intimado da decisão e nada fez para, na sua visão, “proteger” os estudantes.

Moralidade, transparência, publicidade, eficiência e confiança são predicados dos quais nenhum ente público pode se abster. Uma intimação a posteriori não corrige estas falhas, nem justifica porque os estudantes estariam em situação melhor se não tivessem acesso a cursos muito bem avaliados, e repita-se: avaliados pelo próprio MEC.

Por fim, existe uma questão jurídica importante: Algumas decisões, como a referendada com mérito pela 5ª Turma do TRF1, reconheceram o direito de as instituições de ensino ofertarem os cursos como premissa para autorizarem os vestibulares. Neste caso, a decisão e origem é muito técnica e diz:

“Dada a necessidade de assegurar-se a efetividade da decisão judicial, com esteio no art. 139, IV, do CPC e na jurisprudência desta Corte, caso não comprovado o cumprimento integral da decisão Id. XXXXXX no prazo assinalado, e independentemente de nova intimação, restará reconhecido o direito buscado pela autora na via administrativa, com base nas conclusões das câmaras técnicas já mencionadas, e deferida a tutela incidental de evidência para autorizar o XXX, mantido pela requerente XXX, a realizar o vestibular para o curso superior de Medicina, para o primeiro semestre de 2024, para o preenchimento de 60 (sessenta) vagas anuais…” (Decisão no processo nº 1066986-35.2020.4.01.3400)

Ora, ao reconhecer o “direito buscado na via administrativa” a decisão autorizou o curso. E isso ocorreu, não por causa de um Poder Judiciário intransigente que se imiscuiu no mérito do curso, mas por reiterados e ilegais atrasos do Poder Executivo em relação a um pedido de autorização já avaliado por ele.

Este reconhecimento do direito, ou “autorização tácita”, serve como um contrapeso democrático a atos autoritários do Poder Executivo. Ele não apenas reflete a insofismável lógica de que é preciso coibir a demora ilegal na análise de atos administrativos, como tem fundamento em Lei, que garante que “…transcorrido o prazo fixado, o silêncio da autoridade competente importará aprovação tácita para todos os efeitos...” (Art. 3º, IX, da Lei 13.874/2019).

Seis meses depois da decisão do STF e três depois das regras criadas pelo próprio MEC já era possível constatar a inação do Órgão e foi esta situação que criou os recentes vestibulares. Ao contrário do que consta nas portarias 105 e 106/2024, não há motivo para barrar os cursos, pois existem precedentes sobre a ausência de riscos justifiquem o fechamento de cursos de medicina com avaliação satisfatória. Um bom exemplo é a decisão do Superior Tribunal de Justiça, na qual consta memorável voto do Min. Aldir Passarinho Júnior, com as seguintes afirmações:

“Não consigo ver onde haveria a grave lesão senão com relação aos alunos que já vêm cursando há um ano e meio essa instituição de nível superior, que [...] alcançou uma nota satisfatória pela inspeção do Ministério da Educação.
[...] O problema de ensino no Brasil é muito sério, mesmo porque existe uma política governamental no sentido de não aprovar novos cursos. Quer dizer: não é propriamente um atestado de incapacidade das novas instituições. É tão-somente uma política para atender às reivindicações dos órgãos de classe...”. (STJ – Trecho do voto do Min. Aldir Passarinho Júnior no AgRg na SS: 1762 DF 2007/0172074-6, Data de Publicação: 25/08/2008, grifamos)

Enfim, a reação da SERES às autorizações de realização de vestibular é tardia e equivocada, pois não considera as decisões judiciais, as leis aplicáveis, os atrasos do MEC e a sua obrigação de tornar público que esses vestibulares, autorizados há algum tempo, são fruto de sua omissão. Por outro lado, foi muito rápida a autorização de um curso de medicina em universidade pública no Ceará, um curso proposto em 2023, para o qual o MEC concedeu portaria hoje. Esses dois atos demonstram que a celeridade, que evitaria os vestibulares a partir de decisões judiciais, aparentemente fica reservada aos processos nos quais o órgão tem interesse.

Injusto, muito injusto, que agora alunos e instituições sejam tratados assim, como se os processos seletivos fossem uma surpresa e o MEC não percebesse a importância da abertura de novos cursos de medicina.


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