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Via ADPF, Supremo discute situação de instituições de ensino superior municipais

A ADPF, Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental, é uma das ações por meio das quais o STF realiza o controle de constitucionalidade.


O “preceito fundamental” não é conceituado em lei; sua ideia vem sendo moldada ao longo do tempo pela jurisprudência do STF. Como exemplos, o Tribunal, ao julgar o aborto de anencéfalo, afirmou ser um preceito fundamental o direito à vida; também, ao julgar ato de governador de estado que indevidamente colocou a Defensoria Pública dentro da estrutura da Secretaria de Justiça, considerou a autonomia daquele órgão como um “preceito fundamental”.


A ADPF é mais ampla do que as outras ferramentas do controle concentrado de constitucionalidade (ADI, ADC e ADO), pois permite questionar atos normativos municipais e distritais de natureza municipal, o que não acontece com as demais. Também  verifica a compatibilidade dos atos normativos pré-constitucionais com a Constituição atual, diferentemente das demais.


Não se admite ADPF quando há outro meio de sanar a lesividade e, caso a parte ajuize uma ADPF, a  petição pode ser recebida como ADI se o Tribunal entender que a Ação Direta de Inconstitucionalidade era cabível. Foi o que ocorreu, a título de curiosidade, com a ADI n. 4.277, que tratou do reconhecimento das uniões homoafetivas. Ela foi ajuizada como ADPF, recebendo o número 178, mas, em razão do princípio da fungibilidade entre as ações, foi recebida como ADI.


O caso concreto – ADPF 1.247


No caso em questão, a Associacao dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior impugnou, via ADPF (n.1247),  a criação, autorização e reconhecimento de IES municipais, em especial dos cursos de graduação em medicina, realizada, supostamente, com transgressão às diretrizes e bases da educação nacional e violação do princípio da gratuidade do ensino público.


A questão posta em discussão foi saber se a cobrança de mensalidades em universidades públicas municipais viola o princípio da gratuidade do ensino e se os municípios estão sujeitos às normas da União sobre criação, autorização e reconhecimento de instituições de ensino superior, em especial dos cursos de graduação em medicina.


A  autora sustentou que vários municípios estariam criando IES de perfil híbrido, caracterizadas por elementos do setor público (recursos orçamentários, imunidade tributária, regulação especial) e do setor privado (cobrança de mensalidades e disputa de mercados), o que violaria as normas do Sistema Federal de Ensino.


Que se existe cobrança de mensalidades e disputa de mercado, estas IES devem ser sujeitas às normas do Sistema Federal de Ensino organizado pela União, com fiscalização direta pelo MEC, o que não ocorre.


E mais, que novos cursos de medicina estariam sendo criados pelas entidades municipais sem observância das diretrizes do Programa Mais Médicos e da sistemática do chamamento público, com transgressão aos parâmetros firmados pela Corte.


Arguiu-se, portanto, a inconstitucionalidade formal da prática e, sob o prisma material, apontou-se a violação do princípio da gratuidade do ensino público e dos parâmetros fixados.


Os pedidos foram no seguinte sentido:


  • Que fosse concedida medida cautelar para determinar a suspensão de cobrança de mensalidades pelas IES Municipais dos cursos criados e implantados após a promulgação da CF/88;

  • Que fosse concedida medida cautelar para determinar a suspensão do ingresso de alunos em todas as instituições municipais que atuam onerosamente e fora dos limites territoriais do município sede;

  • Que, no mérito, fossem confirmadas as cautelares concedidas e suspensa em definitivo a cobrança de mensalidades de cursos criados após a promulgação da CF, bem como a atuação das IES municipais fora do município sede”.


Pleiteou-se, ainda, a fixação da seguinte tese jurídica:


“É inconstitucional a exploração onerosa, fora do município-sede e sem interesse público local definido de cursos de graduação na área da saúde, especialmente cursos de graduação em medicina, por Instituições de Ensino Superiormunicipais reguladas pelo Sistema Estadual de Ensino”.


A decisão em caráter cautelar


O relator do processo, Ministro Flávio Dino, iniciou seu voto fixando a conformidade da ADPF.


Quanto a adequação constitucional, especificou que a gratuidade no ensino público em toda sua extensão (educação básica e superior) é parte do sistema educacional brasileiro, alcançando, no ensino superior, taxas e mensalidades.


Súmula vinculante n. 12 — A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal.

O entendimento foi reafirmado em situações semelhantes, nas quais a Corte invalidou a taxa de expedição de diploma em universidades públicas,  a cobrança de alimentação e alojamento dos discentes em universidades públicas e a taxa de inscrição em vestibular seriado.


Três são as exceções:


  • casos que envolvem os cursos de pós-graduação;

  • escolas militares e

  • universidades públicas estaduais ou municipais existentes na data da promulgação da CF/88.


De fato, a universidade pública desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão, sendo que a gratuidade contempla apenas o ensino (graduação) e não as atividades de extensão (pós-graduação). 


No segundo caso,  a gratuidade diz respeito aos sistemas de ensino comum (federal, estadual e municipal), não alcançando o ensino militar, regulado por lei específica, pois a educação ministrada no Sistema de Ensino do Exército, embora com equivalência ao ensino comum, destina-se precipuamente à formação de quadros dentro das Forças Armadas e não se submete aos princípios da Educação Nacional. Não se confunda ensino militar com escolas cívico-militares. 


Por fim,  a exceção existe em respeito ao artigo 242 da CF, que determina:


“Art. 242. O princípio do art. 206, IV, não se aplica às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação desta Constituição, que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos.”

No caso concreto questionou-se a cobrança de mensalidades em cursos de graduação (não pós-graduação), oferecidos em instituições oficiais (ensino público), mantidas por municípios e vinculadas ao Sistema de Ensino Estadual (não do Sistema de Ensino Militar).


De forma que a única possibilidade de cobrança de mensalidades resultaria da aplicação do art. 242, caput, segundo o qual não se aplica a gratuidade no ensino público às instituições educacionais oficiais criadas por lei estadual ou municipal e existentes na data da promulgação da Constituição.


Foi realizada, então, na ADPF, uma consulta à plataforma digital e-MEC e constatado que parcela significativa das IMES (23 unidades), criadas a partir da década de 90, estariam cobrando mensalidades, em possível transgressão ao princípio da gratuidade do ensino público.


As informações, extraídas de fontes oficiais, apresentaram para o Relator grande plausibilidade jurídica à alegação de existência de desrespeito aos princípios regentes da educação nacional, especialmente da gratuidade do ensino, indicando a urgência da medida pleiteada.


O que foi concedido em liminar e os embargos declaratórios


A primeira decisão proferida na ADPF deferiu em parte o pedido de medida cautelar e determinou a suspensão do ingresso de novos alunos nas instituições municipais que atuam onerosamente e fora dos limites territoriais do município sede, até o julgamento de mérito.


Logo em seguida,  uma das rés buscou esclarecimento, via embargos declaratórios,  quanto ao alcance da liminar que suspendeu o ingresso de novos alunos nas IES mencionadas na decisão. Pleiteou, portanto, a reconsideração parcial da decisão, para que fosse admitido o ingresso de novos alunos nas unidades (campi) instaladas e nos cursos oferecidos fora da sede municipal.


Em relação à restrição das atividades educativas aos limites do território municipal, a decisão liminar não foi modificada. O relator reforça que se fosse possível aos Municípios instituírem entidades de ensino superior e campi em outras unidades da Federação (outros Estados ou Municípios), o ente municipal, além de exorbitar o âmbito de suas competências locais, usurparia atribuições da União e dos Estados-membro. E que a única forma de atuação das IES municipais em outras unidades da Federação  consiste na educação à distância, modalidade de ensino que exige credenciamento especial perante o MEC.


A respeito da suspensão do ingresso de novos alunos em faculdades, centros universitários e demais estabelecimentos educacionais (campi) já instalados e em pleno funcionamento fora da sede do município de origem, o relator entendeu que a decisão anteriormente concedida poderia colocar em risco a sustentabilidade desses estabelecimentos de educação superior e prejudicar a continuidade da prestação de serviço público essencial à população.


O que foi decidido até 15 de setembro de 2025


A decisão liminar foi reconsiderada em parte para  temporariamente autorizar, nos estabelecimentos de ensino existentes na data da promulgação da CF, a realização de novas matrículas nos cursos e unidades (campi), que estejam efetivamente já em funcionamento, situados dentro ou fora do município sede, inclusive a cobrança de mensalidades.


Continuou vedada a criação, autorização e reconhecimento de novos cursos e/ou campi fora da sede do município de origem. Cursos já criados, mas que não estejam funcionando efetivamente fora da sede municipal, não podem iniciar suas atividades. São vedações que se aplicam às instituições municipais criadas após a CF/88, que não podem cobrar mensalidades.


Monitoraremos os desdobramentos da ação. Acompanhe-nos e se mantenha informado. 

 

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