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Edgar Jacobs

A petição da AGU no Processo dos Cursos de Medicina: novidades e implicações no STF

Atualizado: 7 de nov.

Há algo de inusitado no caso da abertura dos cursos de medicina prudentemente validados pelo Supremo Tribunal Federal, na ADC 81, a partir de agosto de 2023.


Além de processos administrativos que se tornaram mais lentos, observa-se uma postura de resistência às ordens judiciais e uma atuação que negligencia todo o procedimento avaliativo conduzido até este momento.


A mais recente manifestação dessa atuação incomum da União é uma petição que “recomenda o provimento dos embargos de declaração” propostos por uma Associação no STF. Fez isso mesmo após deixar de recorrer e concordar, tacitamente, com os termos da decisão.


Recomendar algo a um Juiz ou Ministro é algo incomum. Porém, a petição parte da crítica a uma suposta “guerra de liminares”. Com base nesta suposta crise, tenta usar uma das decisões do STF para garantir as restrições que opõe ao andamento dos processos regulatórios.


Ocorre que não há um volume significativo de decisões que justifique a intervenção do STF, pois no documento anexo à petição são citadas apenas cinco decisões. Além disso, a União não demonstra ou menciona sequer o cumprimento dessas ordens judiciais, o que poderia denotar um efeito concreto das decisões. Surpreendentemente, argumenta-se que as ordens judiciais constituem um problema, não por estarem sendo descumpridas, mas por existirem.


Antes, porém, de detalhar os erros na petição recomendatória é preciso voltar à origem dos problemas criados pela dificuldade do MEC em cumprir decisões judiciais, como a do STF, que permitam a abertura de cursos de medicina.


O primeiro ato de resistência à decisão do STF


Após a decisão cautelar do STF na ADC 81, o primeiro ato de resistência foi o cancelamento de visitas in loco, que teve como fundamento a Portaria SERES/MEC 397, de outubro de 2023. Essa norma afirmava que só seria permitia a autorização de curso de medicina “incluído na pré-seleção de municípios prevista no Edital de Chamamento Público nº 1, de 4 de outubro de 2023” e previa que todos os demais pedidos administrativos seriam sumariamente indeferidos.


A regra era excepcionalmente desarrazoada. Não é comum ver um comando de “indeferimento sumário” em processo administrativo e não parece coerente vincular processos protocolados entre 2019 e 2023 a um edital que só foi criado e divulgado em abril deste último ano.


O STF reagiu com firmeza e afirmou que a norma incluída na Portaria SERES/MEC 397/2023 “realmente afrontava o que foi determinado pela deliberação cautelar”. Na decisão do STF foi rejeitado o indeferimento sumário e determinado que fosse:


 “...assegurada às instituições de ensino que ultrapassaram a fase inicial de análise documental [...] a oportunidade de comprovar, no bojo do processo administrativo em que pleiteiam a abertura/expansão de vagas em cursos de graduação de medicina, a existência de interesse social em sua pretensão, ainda que localizadas em municipalidades não contempladas por editais de chamamento público”.

O STF reafirmou, então, a necessidade de análise “caso a caso” e observância ao devido processo legal administrativo. Antes desse julgado, porém, a MEC percebeu o erro e criou uma norma modificando a Portaria ilegal, a Portaria SERES/MEC 421, de novembro de 2023.


Por isso, a decisão da Corte Constitucional, confiando na boa-fé da SERES, apenas fez constar na parte dispositiva que a alteração feita “adequava-se” a cautelar vigente na ADC 81, mas também advertiu que a norma deveria ser interpretada de modo a assegurar às instituições de ensino a oportunidade de comprovar o interesse social do curso “ainda que localizadas em municipalidades não contempladas por editais de chamamento público”.


Enfim, o STF só aceitou a norma depois de suprimido o indeferimento sumário de cidades fora do escopo do edital. Portanto, neste primeiro ato o único acerto do MEC foi dar um passo atrás em sua tentativa de barrar os cursos de medicina.


Ainda sobre este primeiro movimento, vale acrescentar que não houve a análise de todos os aspectos constitucionais da Portaria. Não foram analisadas, por exemplo, a questão da irretroatividade e a compatibilidade do texto da norma com a Lei 12.871/2023, temas hoje discutidos em primeira instância. Na verdade, por se tratar de um tema conexo, o STF cuidou apenas do entrave explícito que o MEC criou a sua decisão cautelar sobre os processos administrativos.


A segunda irregularidade


A maior demonstração de que o julgado no STF não validou o texto da norma é o fato de que o próprio MEC revogou a norma modificada e tirou de vez do ordenamento jurídico as Portarias SERES/MEC 397 e 421, para usar uma nova norma, a Portarias SERES/MEC 531 de dezembro de 2023.


Se a norma fosse alterada realmente válida, por que teria sido revogada? O motivo, aparentemente, é que interessava mais a criação de uma barreira do que a criação de uma norma válida.


E não é verdade, como se lê na petição, que a Portaria de dezembro simplesmente consolidou as normas anteriores. Primeiro, porque a norma já estava consolidada e, em segundo lugar, porque existem no mínimo duas inovações relevantes: (1) o Art. 8º recebeu acréscimos; e (2) foi criada uma Nota Técnica com critérios que, inexplicavelmente, não constaram no texto da Portaria.


No artigo oitavo, as modificações são substanciais. A própria União admite isso em documento anexo. O dispositivo foi usado para instituir normas sobre limites vagas e para alterar critérios de julgamento dos processos. Essa modificação, por si só, impediria qualquer tentativa de usar a decisão do STF como um “cheque em branco”, afinal não é possível decidir sobre o que não existia no ato normativo que estava em julgamento.


Ainda em relação a Portaria SERES/MEC 531, chamou a atenção o fato de que parte das regras de análise dos cursos, especialmente da necessidade social, estarem incluídas em uma Nota Técnica e, não, na nova Portaria.


Esta Nota Técnica instituiu, por exemplo, um referencial supostamente objetivo para analisar a necessidade social: a proporção de 3,73 médicos por 1.000 habitantes. Esse referencial não consta da portaria, mas vem sendo usado pelo MEC como um “padrão decisório”.


Ainda no texto da Nota Técnica foi dito que essa proporção seria calculada apenas para o município e, não, para a região de saúde, como prevê a Lei 12.781/2013. Entretanto, também foi afirmado que essa redução territorial – de região para município – só seria aplicada para cidades que não constavam do edital de chamamento. Novamente, a regra não constou da Portaria de dezembro.


Neste ponto se unem parte dos dois problemas citados até agora. Se no primeiro problema citado acima o MEC tentou condicionar sua autorização às cidades que estavam no seu edital de chamamento, agora ele criou uma regra duríssima para quem havia pleiteado curso fora dessas cidades. Na prática o efeito é similar: evita autorizações em cidades fora do chamamento público atual, contrariando o que o STF impôs quando tratou da antiga Portaria SERES/MEC 397/2023.


Enfim, o MEC, mesmo depois de uma tentativa de alinhamento feita pela Suprema Corte, se excedeu mais uma vez, modificando as regras que já havia proposto e usando um meio totalmente inadequado, a Nota Técnica, talvez para tornar mais difícil a discussão sobre a legalidade de seus atos.


E na petição, meias verdades...


Saber exatamente o que aconteceu em cada uma dessas situações é importante porque isto permite ver que na petição de recomendação existem argumentos questionáveis.


Por exemplo, a petição diz que norma nova é “em grande parte, uma replicação” (Parágrafo 21) das portarias anteriores, mas olvidou o fato de que as duas modificações feitas são contundentes. Ora, as alterações não devem ser mensuradas em número de artigos revistos e, sim, no impacto que causam. Além disso, admitir qualquer pequena alteração é admitir que a norma analisada pelo STF difere da norma nova, o que afasta o argumento de validade da portaria mais recente.


Se neste caso a distorção foi sutil, contudo, no parágrafo seguinte, a petição exagera ao afirmar que o conteúdo dos artigos 2º e 8º da Portaria SERES/MEC nº 531 são uma replicação idêntica dos mesmos dispositivos contidos na Portaria SERES/MEC nº 397/2023, com redação dada pela Portaria SERES/MEC nº 421/2023”.


Esta afirmação não corresponde à realidade. O Art. 2º pode ser idêntico, mas foi complementado pela dita Nota Técnica, ou seja, não é o mesmo em peso e efeito. Mas irreal mesmo é a alusão ao Art. 8º. Este dispositivo é substancialmente diferente na Portaria 531/2023, como demonstra documento juntado pela própria AGU.


Além dessas dubiedades, existe uma outra afirmação insidiosa. Foi dito no parágrafo 32, que “o afastamento da Portaria SERES nº 531/2023, como vem sendo determinado indiscriminadamente pelas decisões liminares vindas de todo o País, acaba pores vaziar o próprio teor normativo da Lei nº 12.871/2013”. Porém, as decisões juntadas são poucas e bem fundamentadas, ou seja, são exatamente o contrário de “indiscriminadas”. E as regras sobre vagas e restrição da avaliação ao município que a Portaria 531 sustenta contrariam frontalmente a Lei do Programa Mais Médicos, que se estrutura na regionalização do SUS.


Triste, enfim, que o tema tenha caminhado nesse sentido. A decisão do STF foi sábia e muito bem fundamentada, tanto que os embargos tratam de normas que não estão diretamente ligadas ao tema central da ADC.


Por certo, as ações constitucionais têm conteúdo alargado, ou, tecnicamente, “causa de pedir aberta”. Todavia, como bem ensinou a Min. Rosa Weber, “A técnica da causa de pedir aberta autoriza o Plenário a considerar outras normas constitucionais no exame de constitucionalidade, mas não confere aos interessados a faculdade de reabrir a discussão do mérito à luz de parâmetros de controle não invocados a tempo e modo”*. Se o Ministério da Educação nunca tratou do tema das vagas nem usou os referenciais que agora deseja aplicar à análise da necessidade social, não pode agora usar o STF para fazer isso.


E vale frisar, para que dúvidas não restem, que não se trata aqui de cumprir ou não a decisão do STF, pois a Corte já decidiu sobre a Lei 12.871/2013. Trata-se, nesse momento, de tentar validar regras novas para criar um escudo que dificultará o acesso à justiça. Data vênia, a União pode muito bem discutir cada caso concreto, a tempo e modo, nas instâncias iniciais.

 


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