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Liminar do STF define que CFM exorbitou os limites de sua competência normativa 

Em agosto deste ano, publicamos o texto  CFM publica mais regras para o exercício profissional da docência médica, no qual explicamos que, apesar dos conselhos profissionais possuirem finalidades e competências várias, há uma nítida atividade anômala destes órgãos nos últimos tempos.


Na oportunidade, suscitamos pontos que foram levantados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n 7.864, proposta pela Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior — AMIES, que obteve decisão liminar favorável para suspender alguns dispositivos da norma questionada, como a interdição de cursos, a anuência em convênios e a fixação de parâmetros para os salários de funcionários. 


Os pedidos da autora foram pela inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, por:


  • usurpação da competência legislativa privativa da União em matéria de diretrizes e bases da educação e direito civil;

  • violação do princípio da legalidade; e

  • desrespeito aos princípios da autonomia universitária e da livre iniciativa.


A alegação é a de que o CFM estaria inovando na ordem jurídica, mediante ato normativo secundário (Resolução), com violação do princípio da legalidade. Estabeleceria, também, obrigações em substituição ao regime legal editado pela União e às normas regulamentares do MEC, sob o rótulo de disciplina ética e de fiscalização profissional, porém inovando em matéria de direito civil ao instituir “responsabilidade técnica” perante os Conselhos Regionais do coordenador de curso de medicina;  “corresponsabilidade” de preceptores e professores e “responsabilidade técnica primária, indelegável e hierárquica” do coordenador de curso de medicina sobre atividades de ensino de disciplinas médicas.


Além disso, que a Resolução prevê um regime sancionatório de “interdição ética” que suspende a realização de atividades médicas de ensino em campos de estágio, o que foge completamente às competências da autarquia.


Por fim, a  Resolução CFM nº 2.434/2025 teria exorbitado os limites constitucionais, pois afeta diretamente a liberdade de atuação das Instituições de Ensino Superior privadas.


A AMIES requereu, então, a concessão de medida liminar “para suspender integralmente a eficácia da Resolução CFM nº 2.434/2025” e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo impugnado em sua integralidade.


Como o STF decidiu


Para o STF, embora visando à regulamentação da responsabilidade técnica e ética dos profissionais da medicina — especificamente dos coordenadores de cursos de graduação em medicina —, o Conselho Federal de Medicina exorbitou os limites de sua competência normativa, interferindo em matérias pertinentes à organização do ensino superior e à autonomia didático-científica titularizada pelas universidades.


Com efeito, a Resolução nº CFM 2.434/2025 confere aos coordenadores de curso de graduação em medicina o direito à “remuneração justa e digna”, matéria pertinente às relações contratuais das universidades privadas ou remuneratórias das universidades públicas, o que não guarda vínculo direto com a ética profissional.


Ou seria o CFM a instância que vai arbitrar o sentido dos termos “justa” e “digna”?


Além disso, no Capítulo V, onde trata das prerrogativas e direitos do coordenador de curso, estabelece direitos e deveres que, embora indiretamente voltados ao profissional da medicina, vincula diretamente a instituição de ensino superior; um exemplo são as prerrogativas de “acesso garantido a recursos humanos, materiais e financeiros”.


As normas em questão extrapolam a fiscalização técnica e ética e interferem na organização e no funcionamento dos cursos de medicina, restringindo a liberdade da universidade para coordenar sua atividade acadêmica.


De outro lado, o Capítulo VI confere aos CRMs a função de fiscalizar as instituições de educação superior, inclusive mediante o poder de interdição ética das atividades de ensino, exercido quando julgarem comprometidas as condições de infraestrutura, de recursos humanos, de responsabilidade técnica ou de segurança.


Ocorre que a LDB  confere ao Ministério da Educação — no âmbito do sistema federal de ensino — e aos Conselhos Estaduais de Educação — na esfera dos sistemas estaduais, distritais e municipais de ensino — a competência para a prática de atos de intervenção, suspensão temporária, desativação e descredenciamento dos cursos superiores (LDB, art. 46).


Não é dado aos Conselhos Profissionais reivindicarem para si, por ato unilateral e infralegal, as prerrogativas titularizadas pela União e conferidas por lei em sentido formal e material aos órgãos federais e estaduais de educação.


Por fim, no Capítulo VIII, o ato normativo impugnado autoriza a interdição ética e impõe aos coordenadores o dever de “assegurar que a IES tenha toda a infraestrutura prevista nesta resolução e nas normas legais vigentes”.


Todas essas normas, como se vê, invadem a esfera acadêmica e administrativa das universidades, impondo exigências de infraestrutura, impondo modalidades de realização dos cursos e   condicionando a continuidade de cursos de medicina à chancela dos Conselhos de Medicina. Isso viola diretamente a autonomia universitária, que garante às instituições o direito de organizar sua gestão acadêmica, didático-científica, administrativa e de pessoal, respeitados apenas os limites fixados pela lei federal e pelo MEC.


Não há dúvidas, segundo a decisão liminar exarada pelo STF,  de que o CFM e os CRMs podem e devem apontar irregularidades, mas reportando-se às autoridades educacionais competentes, conforme fixa a lei, sob pena inclusive de se gerar comandos contraditórios e insuportável insegurança jurídica.


Poder Normativo dos Conselhos Profissionais


Segundo a decisão concedia liminarmente da ADI n 7.864, os Conselhos Profissionais, embora detenham natureza de autarquias federais corporativas, com poder de fiscalização do exercício das profissões regulamentadas, não possuem competência normativa para disciplinar o ensino superior. Eles podem fiscalizar e regulamentar o exercício de profissões legalmente reconhecidas, mas não possuem competência legislativa; não podem inovar na ordem jurídica, criar direitos, deveres ou restrições não previstos em lei.


Sua competência é meramente regulamentar, derivada da lei que instituiu cada Conselho e, por essa razão, não podem interferir na organização do ensino superior; não podem condicionar o exercício da profissão a exigências não previstas em lei; e seus atos normativos devem sempre se ater à lei de regência e ao âmbito técnico-profissional.


A decisão liminar na ADI


Foi deferido, portanto, em parte, o pedido de medida liminar para suspender os efeitos dos seguintes dispositivos da Resolução CFM nº 2.434/2025, em itálico:


1) do § 2º do art. 4º;


art. 4º; § 2° Em se tratando de cargo de responsabilidade técnica, o médico desempenhando o papel de coordenador de curso de graduação ou de coordenador de estágio curricular obrigatório deve receber remuneração justa e digna para essa função.

2) do art. 7º, caput, incisos I a V e parágrafo único;


Art. 7° São prerrogativas do coordenador do curso nos campos de estágio curriculares para o devido cumprimento de seus deveres:
I – ter acesso garantido a recursos humanos, materiais e financeiros adequados e compatíveis com a dimensão do curso e a complexidade dos campos de estágio, a fim de viabilizar a implementação e a manutenção das condições necessárias à formação médica e à segurança do paciente;
II – exercer autoridade deliberativa com autonomia e nas matérias relacionadas à gestão pedagógica, ética e prática dos campos de estágio, incluindo a proposição de rotinas, normas internas e a implantação de medidas corretivas e disciplinares quando cabíveis, em conformidade com o PPC e a legislação;
III – ter acesso irrestrito e tempestivo a todas as informações, dados e registros pertinentes à atuação de professores, preceptores e estudantes nos campos de estágio, incluindo prontuários (com a devida salvaguarda ética e legal da confidencialidade), relatórios de supervisão e avaliações de desempenho;
IV – ser consultado e ter sua anuência formal nos processos de celebração, aditamento, rescisão e avaliação de convênios ou instrumentos congêneres que estabeleçam ou modifiquem as condições dos campos de estágio do curso;
V – ter garantido o acesso a programas de formação e aperfeiçoamento contínuo em gestão acadêmica, didática, ética e em temas relacionados à segurança do paciente e à preceptoria em medicina.
Parágrafo único. Caso as prerrogativas aqui estabelecidas não sejam integralmente atendidas pela IES, o coordenador do curso deverá comunicar formalmente o fato ao CRM, nos termos da Resolução CFM n° 2.056/2013.

 

3)  dos arts. 8º, §§ 1º a 5º; e art. 9º, caput e parágrafo único;


§ 1° A fiscalização dos campos de estágio curriculares será realizada por conselheiros e/ou médicos fiscais dos CRMs de forma programada ou por denúncia, que terão acesso irrestrito e incondicional a todas as instalações, prontuários, documentos e informações pertinentes à formação médica e à prática supervisionada, conforme previsto no art. 6°, inciso VI, desta resolução.
§ 2° Constatado comprometimento das condições de infraestrutura, recursos humanos, responsabilidade técnica, segurança do paciente ou da supervisão médica adequados à formação, o CRM poderá, mediante decisão fundamentada, determinar interdição ética, total ou parcial, temporária ou definitiva, das atividades médicas de ensino no campo de estágio irregular.
§ 3° A interdição de um campo de estágio implica a imediata suspensão da participação de estudantes de medicina em quaisquer atividades profissionais naquele local, até que as irregularidades sejam devidamente sanadas e atestadas pelo CRM.
§ 4° O CRM comunicará formalmente ao MEC e demais órgãos competentes as interdições para as providências administrativas e acadêmicas cabíveis.
§ 5° O coordenador do curso de medicina e a IES serão notificados das irregularidades e terão prazo para apresentar defesa e promover as adequações necessárias, sob pena de interdição da atividade médica de ensino no campo de estágio irregular.
Art. 9° É vedado ao coordenador de campos de estágio participar da execução, direta ou indireta, de convênios ou quaisquer outros termos obrigacionais, para a realização de estágios ou internatos, destinados a alunos oriundos de faculdades/cursos de medicina de outros países, junto a instituições de saúde privada, filantrópica ou pública.
Parágrafo único. Excetuam-se do mandamento disposto no caput do artigo os hospitais públicos universitários, quando da vigência de acordo oficial celebrado entre as universidades.

4) e dos arts. 11 e 12.


Art. 11. A interdição ética dos campos de estágio poderá ser decretada quando não forem atendidas as condições mínimas exigidas pela Resolução CFM n° 2.056/2013 e demais legislações pertinentes, devendo a tramitação nos CRMs observar o disposto na Resolução CFM n° 2.062/2013.
Parágrafo único. O CFM poderá revisar, em sede recursal, as interdições éticas decretadas pelos CRMs.
Art. 12. Os médicos que assumirem coordenações de cursos de graduação em medicina devem assegurar que a IES tenha toda a infraestrutura prevista nesta resolução e nas normas legais vigentes.

A matéria será submetida a referendo do Plenário.

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