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Direitos autorais e direitos de imagem dos Docentes em cursos EAD

Atualizado: 29 de abr. de 2022

Hoje é bem comum a formalização de termos de cessão de direitos autorais e de imagem de docentes que ofertam cursos na modalidade educação a distância. A prática é importante e necessária, mas quais são os direitos efetivamente tratados neste documento? Quais as diferenças entre direitos autorais e direitos de imagem?


Direitos de imagem são uma categoria muito importante dos direitos personalíssimos, incluídos no Código Civil brasileiro (CCB) de 2002. Direitos autorais, por outro lado, são um monopólio individual que, internacionalmente, integra o rol das propriedades intelectuais. Em nosso país são tratados na Constituição e em Lei específica, Lei 9.610/1998 (LDA), com regras bastante diferentes daquelas contidas no CCB para direitos da personalidade.


Direitos de imagem, por serem direitos da personalidade “...são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária” (art. 11, do CCB). Nesse sentido sua transmissão não pode ser permanente ou geral. Notadamente quanto a imagem, o Código prevê que:


Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Para programas de ensino na modalidade EAD entendemos ser necessário autorizar o uso da voz e da imagem. Nesse caso, o termo de cessão deve conter um prazo determinado e os gestores dos cursos devem tomar o cuidado de não usar aulas defasadas, que poderiam gerar prejuízos a “boa fama e a respeitabilidade” do professor.


Quanto aos direitos autorais, o tema é mais complexo. Em primeiro lugar porque existem direitos patrimoniais e direitos morais do autor.


Direitos patrimoniais se referem ao resultado econômico da comercialização das obras. Esses direitos podem ser cedidos e são o que, de fato, compõem os documentos elaborados hoje pelas Instituições de Ensino em geral.


Dentre esses direitos cabe lembrar que existe um direito ao sobrepreço, assim previsto na Lei:

Art. 38. O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado.

Neste caso, há dúvida sobre se as video-aulas são “obras de arte ou manuscrito”, mas aparentemente o sentido da norma abrange também esse típico material didático do EAD.


Direitos morais, por outro lado, são uma categoria peculiar de direitos, mais similar aos direitos da personalidade. São inalienáveis (não podem ser vendidos) e irrenunciáveis (art. 27, da LDA), por isso não são transferidos pelo termo de cessão.


Dentre os mais relevantes, podemos citar os seguintes direitos morais:

  • reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

  • ter seu nome indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

  • assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

  • modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

  • retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem.

Os três últimos pontos são casos sensíveis para o tema tratado neste artigo, pois indicam que um professor poderia retirar de circulação ou pleitear a mudança de video-aulas já gravadas, inclusive após cessão de direitos patrimoniais.


De fato, o tema dialoga com a questão apontada acima sobre direito de imagem, pois em ambas as situações o autor/titular da imagem pode proteger-se de eventuais danos à reputação.


Enfim, com essa resumida exposição, já esperamos ter esclarecido ser necessária uma cuidadosa reflexão sobre a prática, hoje simplificada, de cessão total de direitos por termos de genéricos de “direitos autorais e de imagem”.


A necessidade de modelos diferentes

Observando a prática geral do mercado, sem, é claro, deixar de reconhecer que devem existir métodos mais bem elaborados, entendemos que e necessária uma remodelação da forma de contratar os serviços docentes para cursos EAD.


Talvez possam ser consideradas algumas mudanças, como, por exemplo:

  • Uso de termos separados para direitos autorais e direitos de imagem e voz;

  • Pagamento específico pela cessão de direitos patrimoniais;

  • Ajuste de pagamento de valores similares a royalties para o uso de video aulas após a primeira edição do curso.

Quanto ao pagamento de valores, é importante dizer que os Tribunais do Trabalho da 1ª e da 15ª Região trataram de casos nos quais reconhecem a onerosidade específica dos direitos autorais relativos ao material de curso:


PROFESSOR. CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITOS AUTORAIS GRA-CIOSO. ABUSO DE PODER. NULIDADE. DANOS MATERIAIS CABÍVEIS — Evidenciado o enriquecimento ilícito da Ré, ante a possibilidade de utilizar-se de conteúdo intelectual produzido pela Autora sem a devida contraprestação pecuniária, resta clara a obrigação de ressarcimento à ex-empregada pelos danos materiais advindos da não concessão de seus direitos autorais, uma vez que se mostrou nulo o termo apresentado pela Ré. Com efeito, a intensa subordinação que existe no contrato de trabalho de-corre da dependência econômica do empregado e não pode ser utilizada de forma abusiva pelo empregador, especialmente para obter trabalho gracioso. Assim, revela-se nulo o ajuste de cessão graciosa de direitos autorais. (TRT-1 - RO: 01012902220185010019 RJ, Relator: GISELLE BON-DIM LOPES RIBEIRO, Data de Julgamento: 26/05/2021, Sétima Turma, Da-ta de Publicação: 11/06/2021)
PROFESSOR. RELAÇÃO DE EMPREGO. DIREITOS AUTORAIS. PARTICIPAÇÃO NA ELABORAÇÃO DE APOSTILAS. 1. Os direitos autorais, espécie dos direitos intelectuais, são direitos vinculados aos interesses morais e materiais decorrentes de produção científica, literária ou artística, regidos pelo artigo 5º, XXVII e XXVIII, da CF/88 e pela Lei n. 9.610/88, que estabelece, no art. 22, que "pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou." 2. A contratação do reclamante para ministrar aulas logicamente não inclui a elaboração do material didático, ainda que ele venha a ser utilizado nas aulas. 3. O § 3º, do artigo 17, da Lei 9.610/1998 deixa claro o direito de cada colaborador auferir algum tipo de remuneração pelo trabalho desenvolvido. Assim, o reclamante faz jus a re-paração pelos direitos autorais. Recurso da reclamada improvido. (TRT-15 - AP: 00115636220145150032 0011563-62.2014.5.15.0032, Relator: JO-AO BATISTA MARTINS CESAR, 2ª Câmara, Data de Publicação: 29/07/2016)

Ainda sobre o tema, o mesmo Tribunal reconheceu ser possível a inclusão da cláusula de cessão mais ampla no termo de cessão para abranger a produção de questões e outras atividades:

DIREITO AUTORAL. PROFESSOR. EAD. ELABORAÇÃO DE QUESTÕES. Não é abusiva cláusula de termo de cessão de direitos autorais e autorização de uso de imagem e voz, especialmente se a produção é inerente ao serviço contratado, como a elaboração de questões e vídeos para esclarecimentos de dúvidas, atividades compatíveis com as condições pessoais da autora inerentes ao desempenho da função de professor em EAD, sem qualquer fim comercial. Recurso da autora improvido. (...) (TRT-1 - RO: 01011931520165010044 RJ, Relator: GLAUCIA ZUCCARI FERNANDES BRAGA, Data de Julgamento: 26/05/2021, Segunda Turma, Data de Publiçação: 10/06/2021)

A respeito do pagamento de royalties em edições posteriores do mesmo curso ainda não existem normas claras, mas entendemos ser esta uma boa solução para manter as vídeo-aulas atualizadas. Se a cada edição o próprio docente recebe um valor determinado — talvez um percentual do valor do material ou mesmo da expectativa de faturamento do curso — ele terá o compromisso de manter as aulas atualizadas e de evitar qualquer prejuízo reputacional a si mesmo ou para o curso.


Exposta essa vantagem, é importante dizer não haver, hoje, um risco exacerbado de ônus para as Instituições de ensino que “compram” as vídeo-aulas com expectativa de usá-la por um longo período. Sobre esse assunto, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), decidiu:


(...) 2 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. GRAVAÇÃO DE VÍDEO-AULAS. ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO E APOSTI-LAS. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL EXPRESSA POR MEIO DA QUAL HOUVE CESSÃO TOTAL E DEFINITIVA DOS DIREITOS AUTO-RAIS E DO USO DE IMAGEM. UTILIZAÇÃO DO MATERIAL APÓS A RES-CISÃO CONTRATUAL . (...) No presente caso, constou do acórdão regional a existência de cláusula contratual expressa, no sentido de que a reclamante cedeu em caráter definitivo "todos os direitos patrimoniais relativos à obra até então produzida, autorizada a publicação da mesma a todo tempo, independentemente de qualquer pagamento à contratada/cedente". Assim, incólumes os arts. 93, IX, 131 e 458 do CPC/73, 832 da CLT, 5.º, LV, da Constituição Federal, 4.º, 22, 24, IV, e V, 27, 28, 31, 49, 50, 53, 57 e 82, da Lei 9.610/98, 186, 187 e 927 do Código Civil. Precedente específico envolvendo a mesma situação e a mesma reclamada. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. 3 - PEDIDO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. SUSPENSÃO DA DIVULGAÇÃO DA OBRA PRODUZIDA PELA RECLAMANTE. MATÉRIA FÁTICA . O Tribunal Regional registrou que o material produzido pela reclamante deixou de ser utilizado em 2008. Assim, ao alegar que a reclamada continua utilizando as vídeo-aulas e o material didático, a reclamante busca a reforma do acórdão regional a partir de premissa fática diversa daquela consignada no acórdão regional. Tal fato demonstra a intenção de revolver matéria fático-probatória, hipótese vedada nesta fase recursal, nos termos da Súmula 126 do TST. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST - AIRR: 7963820105090010, Relator: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 10/11/2021, 2ª Turma, Data de Publicação: 03/12/2021)

Enfim, na parte final da decisão transcrita acima, consta nossa maior justificativa para a contratação de royalties. Apesar de que, no caso específico descrito no julgado, houve questão processual (o TST não pode rever provas) e fática (as aulas já não estavam sendo usadas desde 2008) que impediu a suspensão da divulgação, esse parece ser um risco real.


Por isso, para manter bons professores vinculados aos cursos, parece lógica a conclusão de que o docente deve continuar comprometido e, via de consequência, remunerado pela Instituição.


Para além dessas questões, existem outras, como a recentíssima e contestada modificação dos contratos de teletrabalho (MP 1.045/2022). A partir dessa modificação, que inclui o art. 75-B, na Consolidação das Leis do Trabalho, há uma perspectiva de contratação de profissionais por produção ou tarefa, sem controle de jornada, mas é necessário discutir a aplicação dessa regra aos professores, tratados com regras próprias na CLT.


Existe ainda a já datada discussão sobre o uso de docentes como tutores ou de tutores especializados, que impacta no contrato ou no termo assinado pelos professores.


Em resumo, parece pertinente criar um modelo bem estruturado de contratação dos docentes no EAD, simples termos de cessão de direitos — eventualmente com um ou dois parágrafos, apenas — não parecem ser a melhor solução.



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