As apostas online, popularmente chamadas de ‘bets’, são figurinha fácil atualmente. A presença no futebol é ainda mais notória, pois 15 dos 20 times da primeira divisão do Campeonato Brasileiro têm o patrocínio relacionado a alguma casa de jogos. E a propaganda é incessante nas redes sociais, plataformas de streaming e na programação da TV aberta, o que tem conduzido a um aumento da adesão dos brasileiros a este tipo de aposta.
Em dezembro de 2023, o Instituto Datafolha apresentou o resultado de uma pesquisa que detectou que 30% dos aproximadamente 2 mil entrevistados eram a favor das bets e 15% já haviam feito algum tipo de aposta online. Naquele ano, segundo estimativas do Banco Central, foram transferidos via Pix entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões para apostas online.
Agora em 2024, o Instituto DataSenado realizou um levantamento nacional e verificou que 42% dos brasileiros que afirmam ter gastado alguma quantia em apostas esportivas ao longo de um mês estavam endividados. Segundo a pesquisa, cerca de 20,3 milhões de pessoas com mais de 16 anos, número equivalente a 13% da população do país com essa faixa etária, são apostadores com contas atrasadas há mais de 90 dias.
É fato que as apostas em plataformas eletrônicas tornaram-se uma febre. O Instituto Locomotiva, também em recente pesquisa, informou que 45% dos entrevistados jogadores admitem que as apostas esportivas já causaram prejuízos financeiros; 37% dizem ter usado o dinheiro destinado a outras coisas importantes para apostar online e 30% afirmaram ter prejuízos nas relações pessoais.
Destino do dinheiro utilizado nas apostas
E se o destino do dinheiro utilizado nas apostas fosse para investimento em uma graduação ou pós-graduação?
Para entender o tamanho real do problema a EducaInsights realizou 10.821 entrevistas entre 19 a 26 de agosto de 2024, distribuídas nas cinco regiões do país e direcionadas a todas as classes sociais.
Dentre outros questionamentos, os entrevistados eram abordados sobre se pretendiam ingressar em alguma faculdade particular ainda em 2024 e se possuíam interesse em iniciar uma graduação em IES particular em 2025.
O resultado do estudo demonstrou o já esperado impacto das bets na educação superior. A pesquisa valida que 35% dos brasileiros interessados em cursar uma graduação em 2024 não iniciaram os estudos porque já gastaram e/ou estão gastando recursos com apostas online, como o "jogo do tigrinho", por exemplo.
Outro dado verificado é que somente 37% dos potenciais graduandos pretendem parar de jogar em 2025 para voltar aos estudos, o que mostra que muitos indivíduos têm percebido as apostas como uma atividade a longo prazo, criando um ciclo vicioso de abandono escolar e dependência financeira.
E o impacto é mais importante para as famílias com renda de até R$ 2,4 mil por pessoa, nas quais a porcentagem de pessoas que abandonaram a ideia de cursar o ensino superior sobe para 39%. Para o grupo que possui renda per capita de até R$ 1 mil, o número chega a 41%.
Ou seja, os danos serão ainda mais graves para os estudantes de menor renda, que precisam crescer com força de trabalho melhor qualificada.
As consequências sociais e educacionais graves, inclusive aumento da desigualdade social no futuro, são facilmente perceptíveis, afinal, são pelo menos 3 de 10 estudantes que desistem do ensino superior para continuar apostando em plataformas; e sem qualquer expectativa de ganhos.
As bets
As "Bets" se referem a apostas, na origem e normalmente no contexto esportivo. Elas consistem em antever o resultado de eventos esportivos e alocar dinheiro ou outros bens em jogo, na esperança de obter um prêmio caso a previsão se concretize. Com a popularização e crescimento das plataformas online, as bets tornaram-se muito acessíveis, permitindo que qualquer um aposte facilmente por meio de sites e/ou aplicativos. Basta ter um celular em mãos.
Em nosso país as bets se tornaram um fenômeno e os jogos se estenderam para além das apostas esportivas, com a presença massiva dos cassinos online, que abrangem jogos caça-níqueis, roleta, jogos de mesa e jogos de cartas, desafiando a legalidade e as regras de proteção aos consumidores.
Para completar, vislumbramos escândalos relacionados à manipulação de resultados dos jogos esportivos e denúncias de lavagem de dinheiro do crime organizado por trás do mercado de apostas, o que suscita sérias preocupações éticas sobre este negócio em expansão.
O vício e a proteção a crianças e adolescentes
O vício em jogos online é uma realidade e explica o desvio de recursos que seriam destinados a uma graduação, por exemplo. O transtorno é reconhecido na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como jogo patológico e, nesta classificação, não há distinção entre jogos eletrônicos e de azar, bem como não se distingue jogos de apostas e cassinos online dos cassinos reais.
No caso dos jogos de azar, incluindo os online, o indivíduo joga com frequência justamente pela possibilidade de ganhar as apostas, ou seja, ele pode participar de vários jogos de azar diferentes, envolvendo dinheiro na grande maioria das vezes.
Normalmente, são os mais velhos que possuem recursos para apostar. Porém, como bem publicado pelo Nexo Jornal, na reportagem Como bets e jogos de azar atraem crianças e adolescentes, o “ que parece fascinante é perigoso e não tem poupado crianças e adolescentes, público que cresce à medida que os algoritmos das redes sociais insistem em entregar jogos de azar, apostas on-line e BETs, enquanto influenciadores prometem dinheiro fácil, apesar da proibição legal.”
O Instituto Alana, inclusive, denunciou a empresa Meta ao identificar aproximadamente 50 conteúdos no Instagram com anúncios ilegais de casas de apostas não só voltados para crianças e adolescentes, mas estrelados por influenciadores mirins entre 06 e 17 anos.
Neste ponto, devemos nos lembrar que o público infanto juvenil é mais vulnerável à propaganda, motivo pelo qual a publicidade infantil já é considerada abusiva e que este mesmo público também é mais vulnerável às apostas e será parte da estatística nas próximas pesquisas de abandono escolar por uso indevido dos recursos próprios ou familiares.
ADI 7749
A Procuradoria-Geral da República ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal contra normas que permitem a exploração e a divulgação de apostas baseadas em eventos esportivos e em eventos de casas de apostas virtuais. Segundo a PGR, as leis não preveem mecanismos suficientes para proteger direitos fundamentais, bens e valores previstos na Constituição Federal .
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7749 são questionados dispositivos das Leis 14.790/2023, 13.756/2018 e o conjunto de portarias do Ministério da Fazenda que regulamentam as apostas de quota fixa, modalidade que consiste em sistema de apostas em torno de eventos reais ou virtuais em que é definido, no momento da efetivação da aposta, quanto o apostador poderá ganhar em caso de acerto.
A Lei das Bets já foi questionada no STF pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) na ADI 7721 e foi nos autos desta ação que o ministro relator Luiz Fux convocou a audiência pública que se realizou no dia 12 de novembro.
Na ocasião, foram debatidas questões associadas à saúde mental, aos impactos neurológicos das apostas, aos efeitos econômicos da prática para o comércio e aos efeitos na economia doméstica, além das consequências sociais de um novo marco regulatório acerca do tema.
Acompanharemos o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e a regulamentação das apostas, que está prevista para 2025.
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