O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) publicou um estudo no início deste mês de novembro intitulado “Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise”, que reflete o trabalho de uma equipe multidisciplinar de profissionais da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais que busca compreender e encontrar as melhores soluções para as questões sociais brasileiras. O principal objetivo do trabalho é acompanhar as políticas sociais, retratar e avaliar o conjunto das ações realizadas ou impulsionadas pelo governo federal para a promoção dos direitos sociais da população. Dentre os tópicos da pesquisa temos a Educação e, esmiuçadamente, a Educação Superior, as desigualdades persistentes e uma agenda tentativa para o Brasil.
A educação no Brasil, como nos relembra o estudo do IPEA, teve um desenvolvimento tardio em relação à Europa, EUA e mesmo em relação a países da América Latina. Não é difícil compreender as razões pelas quais hoje o Brasil apresenta uma das menores taxas de conclusão do curso por parte do ano no prazo previsto.
Nosso país, até o século XIX, não teve uma política de educação sistemática planejada. Por 200 anos depois da chegada dos portugueses os jesuítas foram praticamente os únicos que comandavam o processo educativo. Há estudos, inclusive, que afirmam que a razão principal da criação da Universidade do Rio de Janeiro teria sido a necessidade diplomática de conceder o título de doutor honoris causa ao rei da Bélgica em visita ao país.
Obviamente, com o tempo, com as reformas e os movimentos sociais, houve a expansão do ensino superior e, muito importante, a expansão do ensino superior privado, que colaborou para um aumento significativo das graduações no país.
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Evasão escolar
Segundo o estudo do IPEA, em todos os países analisados existem níveis de evasão relativamente elevados, decorrente, muitas vezes, das dificuldades de adaptação às exigências mais rigorosas do ensino superior, mas, também, às dificuldades em conciliar trabalho e estudo. Em países mais ricos, decorre do fato de haver poucas barreiras à entrada no ensino superior, num contexto de universalização da conclusão do ensino básico.
Fato que, uma vez inseridos no contexto do ensino superior, os graus de conhecimento e disciplina dos estudantes se mostram insuficientes para seguir no ritmo ditado pelas atividade estabelecidas. No caso brasileiro isso pode ocorrer - num grau menor - nas IES mantidas pelo setor público. O problema, nesse caso, é relativamente menor, pois a seleção para esses cursos é mais rigorosa e os alunos admitidos conseguem, na grande maioria dos casos, seguir adiante.
Nas IES mantidas pelo setor privado, é percebido um problema diverso: as barreiras à entrada são um pouco menores, mas as dificuldades em conciliar trabalho e estudos, além da percepção que o curso superior pode não fornecer os acréscimos de renda esperados, motivam o abandono dos estudos por parte dos alunos.
De acordo com o IPEA, a forte presença do EaD, hoje dominado pelas IES privadas, aumenta esta desconfiança, com o quê não concordamos.
Por agora, percebemos a consolidação definitiva do aumento de matrículas e de cursos na modalidade EAD. Em 2021, as matrículas em cursos de graduação na modalidade de ensino a distância já estavam em 41,4%; na rede privada, 70,5% dos ingressantes na graduação eram alunos de cursos à distância e na licenciatura 61% das matrículas foram em cursos EAD.
O censo de 2021, de acordo com o INEP, registrou 2.574 instituições de educação superior. Desse número, 87,68% (2.261) eram privadas e 12,2% (313), públicas. Assim, a rede privada ofertou 96,4% das vagas. A rede pública, por sua vez, foi responsável por 3,6% das ofertas. O número de matrículas também seguiu a tendência de crescimento dos últimos anos e chegou a mais de 8,9 milhões.
As instituições de ensino superior privadas concentraram a maioria dos matriculados: 76,9%. Já as IES públicas registraram 23,1% dos estudantes — entre 2011 e 2021, o percentual de estudantes matriculados na educação superior aumentou 32,8%, o que corresponde a uma média de 2,9% ao ano.
Quando se fala em relação entre matrícula e modalidade de ensino, a expansão do EAD ficou, mais uma vez, evidenciada. Em 2021, verificou-se mais de 3,7 milhões de matriculados em cursos a distância, o que representa 41,4% do total.
Existem muitos aspectos positivos na expansão do EAD, dentre eles permitir o aumento no número de alunos em cursos de graduação e facilitar a possibilidade de a educação superior ser cursada em todo o território nacional.
Quando da pandemia da Covid-19, notadamente em sua pior fase, consolidamos o entendimento de que a educação a distância pode ser eficiente, desde que seja de qualidade. O Estado vai nos fornecer a supervisão, a regulação e a avaliação essenciais que indiquem a melhoria dos cursos.
Matemática
Ponto interessante da pesquisa é a conclusão de que, devido a um desempenho ruim em matemática, como revelam as notas do SAEB, há pouca procura, proporcionalmente, pelas áreas tecnológicas, de exatas, tecnologia e mesmo das biológicas (em menor medida).
E nestas áreas se concentram as maiores capacidades de inovação e geração de novos produtos, podendo elevar a produtividade e a competitividade da economia. Outra consequência de desempenho aquém em matemática do SAEB é o reduzido contingente de cientistas proporcionalmente à população brasileira. O número dos que concluem a pós-graduação strictu sensu é muito reduzido e não ajuda a promover a ciência e a inovação. Estas atividades são pouco conhecidas pela maior parte da população e não há grandes estímulos à criação de tecnologia ou do conhecimento científico ainda no ensino básico e mesmo nos meios de comunicação.
Programas de crédito
Desde 1970 nós possuímos programas de crédito escolar e bolsas para o apoio de alunos. Hoje contamos com o PROUNI e o FIES, ambos, guardadas as suas particularidades, com a finalidade de ampliar o acesso ao ensino superior para a população de baixa renda.
A questão é possuir ou não disponibilidade de recursos para dar continuidade às iniciativas públicas. Quando o crescimento econômico está acelerado, a arrecadação melhora e os recursos estão disponíveis. Nos períodos em que a situação é de estagnação da atividade econômica, o problema aparece. No caso do FIES, por exemplo, nos períodos marcados por dificuldades econômicas, os egressos podem ter problemas para ressarcir o crédito, dificultando a manutenção do programa.
O IPEA sugere adotar a lógica do fundo que recebe recursos com mais intensidade nos períodos de bonança e que pode gastá-los nos períodos de crise, estabilizando, diminuindo as turbulências financeiras das IES, sobretudo as privadas, que podem se ressentir da falta de crédito para estimular o ingresso de novos alunos.
Conclusões
A conclusão do IPEA é que o ensino superior brasileiro recebe egressos do ensino médio trazendo consigo todas as deficiências de aprendizagem do ensino básico. Além disso, este estudante “foi uma vítima, por séculos, da pouca atenção conferida pelo Estado à educação”.
Na etapa de ensino superior, é preciso estar apto a adquirir um conhecimento mais avançado e preparado para deter as posições mais estratégicas do mercado de trabalho. Com os problemas herdados, isto fica muito difícil.
A consequência é uma forte dualidade sistêmica, onde os melhor preparados, que, em geral, são os mais abastados, têm acesso a universidades de melhor qualidade e os que dispõem de menores recursos - a imensa maioria - cursam IES cuja qualidade, com alguma frequência, pode ser inferior.
Para reverter este quadro, além das bem-sucedidas políticas de cota, é necessário melhorar a qualidade do ensino básico público, ou alterar, na universidade, a deficiência de conhecimentos. Ainda, é preciso verificar se o modelo adotado é o melhor possível, ou se alternativas mais flexíveis de ingresso, adiando a opção pela profissão no âmbito das próprias IES, não seriam melhores para reduzir a evasão ou o atraso verificado para a conclusão dos cursos.
Fato que, para o instituto de pesquisas econômicas, a quantidade de problemas existentes no sistema educacional brasileiro não é pequena e exige grande atenção por parte da opinião pública. A solução é superar discussões que não produzam ganhos para a sociedade e abrir espaço para incentivar a educação de forma mais efetiva. Se a sociedade não destinar a sua máxima atenção à educação, as metas não serão atingidas.
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