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Pesquisa aponta que medo compromete a saúde e a permanência de professores nas escolas

Um estudo nacional divulgado no início de dezembro revela um cenário preocupante nas instituições de ensino brasileiras: a ampliação de práticas de censura e perseguição a professores tem provocado adoecimento emocional, mudanças na prática pedagógica e até o abandono da carreira docente. A pesquisa, realizada pelo Observatório Nacional da Violência contra Educadoras e Educadores (ONVE), com financiamento do Ministério da Educação (MEC), analisou episódios registrados desde 2010 e seus efeitos sobre a educação democrática.


Intitulada “A violência contra educadoras/es como ameaça à educação democrática”, a pesquisa revela que o problema não é pontual nem restrito a determinadas regiões ou níveis de ensino. Segundo os dados, episódios de censura e perseguição estão presentes em todas as etapas da educação,  da educação básica ao ensino superior, e afetam tanto redes públicas quanto privadas. O levantamento mostra que nove em cada dez profissionais da área já sofreram ou presenciaram algum tipo de violência relacionada à sua atuação pedagógica.


Crescimento da censura acompanha disputas ideológicas


De acordo com os pesquisadores, o avanço da censura contra professores acompanha o aumento da polarização política e ideológica no país ao longo da última década. Conflitos em torno de temas como gênero, sexualidade, política, religião e ciência passaram a ocupar o centro das disputas dentro das escolas, transformando o espaço educativo em palco de embates que extrapolam o campo pedagógico.


O estudo aponta que determinados episódios funcionaram como marcos para a intensificação dessas tensões, entre eles as reações conservadoras a políticas educacionais voltadas à diversidade, a atuação de grupos religiosos contra discussões sobre direitos humanos e a disseminação de propostas que defendem o controle ideológico da atuação docente. Esse movimento ganhou força especialmente entre 2014 e 2018, período marcado por forte mobilização política e social.


Os dados indicam picos de violência em anos de eleições presidenciais, como 2016, 2018 e 2022. Para os autores do estudo, isso demonstra que a tensão política nacional tem impacto direto no cotidiano escolar. “O que vemos é a entrada da guerra cultural dentro das salas de aula”, afirma Fernando Penna, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do ONVE.


Liberdade de ensinar e aprender sob ameaça


Segundo Fernado Penna, a censura não atinge apenas professores individualmente, mas compromete um princípio fundamental da educação: a liberdade de ensinar e aprender. O receio de represálias tem levado educadores a evitar debates essenciais para a formação crítica dos estudantes. “Temas fundamentais estão deixando de ser discutidos, o que empobrece o processo educativo e limita o desenvolvimento dos alunos”, avalia.


Entre os professores que relataram ter sofrido censura direta, são frequentes os relatos de intimidação, constrangimentos públicos, questionamentos agressivos sobre métodos pedagógicos e proibição explícita de determinados conteúdos. As temáticas que mais geram conflitos são questões políticas, seguidas por debates sobre gênero e sexualidade, religião e negacionismo científico.


Além das restrições pedagógicas, o estudo registra casos mais graves, como demissões, afastamento de funções, remoções compulsórias, agressões verbais e até episódios de violência física. Há também relatos de educadores impedidos de utilizar materiais oficiais, inclusive de órgãos públicos, sob acusações de “doutrinação”.


Impactos profundos na saúde emocional


Os efeitos desse ambiente hostil sobre a saúde dos profissionais são expressivos. Entre os educadores que tiveram contato direto com situações de censura e perseguição, grupo que representa a maioria dos respondentes, quase 80% relataram tristeza intensa e estresse constante. Sintomas de ansiedade e depressão aparecem em mais da metade desse público.


O medo também se tornou uma presença permanente na rotina profissional. Parte significativa dos entrevistados afirmou temer pela própria segurança ou pela perda do emprego, o que, em alguns casos, gera consequências financeiras e instabilidade familiar. Para mais de 70% dos que sofreram censura direta, o impacto pessoal dessas experiências foi classificado como alto ou extremo.


Mesmo entre aqueles que não foram vítimas diretas, mas presenciaram ou souberam de episódios de perseguição em suas instituições, os efeitos emocionais são relevantes. A pesquisa mostra que sentimentos de insegurança, tristeza e ansiedade se espalham pelo ambiente escolar, afetando o coletivo e deteriorando o clima institucional.


Autocensura se torna mecanismo de sobrevivência


Diante desse cenário, muitos professores passaram a adotar estratégias de autoproteção. A autocensura aparece como uma das principais consequências da violência relatada. O estudo revela que uma parcela significativa dos educadores passou a refletir constantemente sobre o que pode ou não dizer em sala de aula, sentindo-se vigiada e pressionada.


A retirada de conteúdos do currículo, o abandono de projetos pedagógicos e a redução da participação em debates públicos, inclusive em redes sociais, tornaram-se práticas comuns. Em casos mais extremos, a pressão levou professores a reconsiderar sua permanência na profissão, e parte deles acabou deixando definitivamente a carreira docente.


Fernando Penna define esse processo como um “efeito inibidor”, conceito utilizado no campo jurídico para descrever situações em que o medo de punições impede o exercício pleno de direitos. “As pessoas estão com medo de fazer o seu trabalho de acordo com o seu saber profissional”, afirma.


Violência parte de dentro da própria escola


Um dos achados mais preocupantes do estudo é a identificação dos agentes responsáveis pela violência. Em grande parte dos casos, as ações de censura e perseguição partiram de integrantes da própria comunidade escolar, como gestores, coordenadores pedagógicos, colegas de profissão, estudantes e familiares.


Esse dado, segundo os pesquisadores, demonstra que a violência deixou de ser apenas uma influência externa e passou a fazer parte das relações internas das instituições de ensino. “Quando a violência se instala dentro da escola, ela compromete a confiança, o diálogo e o próprio sentido da educação”, observa o coordenador do ONVE.


Desvalorização da carreira e risco de apagão docente


O ambiente descrito pela pesquisa contribui para o enfraquecimento da imagem social do professor e para a desvalorização da carreira docente. Esse cenário pode agravar o chamado “apagão de professores”, fenômeno já observado em diversas áreas do ensino, especialmente em disciplinas consideradas sensíveis ou politicamente contestadas.


Diante dos resultados, o estudo defende a adoção de políticas públicas específicas para proteger educadoras e educadores. Entre as recomendações estão a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra professores, a ampliação de canais de denúncia e acolhimento e o reconhecimento desses profissionais como defensores de direitos humanos.


 

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