A educação na CF de 1988 e alguns julgados emblemáticos do STF
- Ana Luiza Santos e Edgar Jacobs

- há 1 hora
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A Constituição Federal estabelece, em seu artigo 207, que as universidades possuem autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, estruturando-se conforme o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Essa autonomia, ao longo das décadas, gerou debates jurídicos sobre seus limites e sobre a natureza das instituições de ensino superior diante do Estado. Houve controvérsia inclusive sobre a possibilidade de as universidades públicas possuírem corpo jurídico próprio, garantindo maior independência administrativa, dadas suas especificidades acadêmicas e científicas.
O STF tratou do assunto em múltiplos julgados, com oscilações interpretativas, mas consolidou, em 2024, entendimento relevante ao admitir que universidades públicas podem constituir corpo jurídico próprio, desde que respeitadas condições específicas. Essa decisão representa marco importante no fortalecimento da autonomia universitária e da liberdade acadêmica, reforçando a singularidade dessas instituições dentro da Administração Pública.
A autonomia universitária também se manifesta em temas como admissões de professores estrangeiros, transferência de estudantes entre instituições e nomeação de reitores. A Constituição permite a contratação de docentes, técnicos e cientistas estrangeiros, desde que observada a legislação pertinente. Debates recentes surgiram quando universidades restringiram a participação de estrangeiros em concursos, o que o STF entendeu ser possível apenas quando existirem razões jurídicas sólidas que justifiquem a restrição, sob pena de violação ao ordenamento constitucional.
No que diz respeito às transferências entre instituições congêneres, o debate envolve a possibilidade de estudantes vindos de faculdades privadas ingressarem em universidades públicas por transferência. O STF já reconheceu a prioridade para alunos que mudam de localidade em razão de obrigações militares ou atividades essenciais do serviço público, mas a transição entre instituições privadas e públicas permanece tema sensível, sobretudo quanto ao princípio da igualdade no acesso ao ensino superior.
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A nomeação de reitores constitui outro ponto relevante. Apesar de ser tradição que as universidades formem uma lista tríplice, a autoridade competente, normalmente o chefe do Poder Executivo, não está vinculada à ordem dos mais votados. Durante a pandemia, por exemplo, discutiu-se a possibilidade de o MEC nomear reitores diretamente, sem observar a lista tríplice, o que o STF rebateu por violar a autonomia das instituições.
Discussões sobre a autonomia universitária também surgiram com a instituição do programa Mais Médicos. A celeuma se concentrou na alegação de que o programa violaria o art. 207 da CF ao afetar currículos e atividades universitárias. O STF, no entanto, reconheceu que a autonomia acadêmica não equivale à soberania e pode ser limitada pelo interesse público, declarando constitucional o programa. Do mesmo modo, a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), vinculada ao Ministério da Educação e organizada sob regime de direito privado, foi considerada compatível com a Constituição.
O ensino religioso e a linguagem neutra
A Constituição também disciplina o ensino religioso e sua inserção nas escolas públicas. O ensino religioso deve ser oferecido como disciplina facultativa nos horários normais do ensino fundamental.
Em julgamento de grande repercussão, o STF declarou ser possível o ensino religioso de natureza confessional em escolas públicas, desde que respeitados os princípios do Estado laico e da liberdade religiosa. Também considerou constitucional a celebração de convênios entre o Estado e entidades religiosas para sua oferta. Por outro lado, declarou inconstitucional uma lei estadual que obrigava a presença de Bíblias em bibliotecas públicas, por violar a igualdade entre crenças e privilegiar uma religião específica.
Em relação à linguagem neutra, o STF firmou que normas estaduais proibindo seu uso em escolas são formalmente inconstitucionais, pois violam a competência normativa da União sobre diretrizes e bases da educação. Já tratamos deste tema; leia mais:
Direitos acessórios de estudantes e professores
Questões ligadas a direitos acessórios de estudantes e profissionais da educação também já foram analisadas pelo STF. A meia-entrada pode ser concedida a profissionais da educação da rede pública e a jovens mesmo que não estejam matriculados em instituições de ensino, e a filiação obrigatória a entidades nacionais para emissão de carteirinhas foi afastada. Quanto ao trabalho extraclasse, foi validada legislação estadual que destina um terço da carga horária docente a atividades fora da sala de aula.
Em relação à organização do ensino, a Constituição Federal prevê que o ensino fundamental deve observar conteúdos mínimos que assegurem formação básica comum, respeitando valores culturais e artísticos nacionais e regionais. Também determina que o ensino fundamental seja ministrado em língua portuguesa, permitindo às comunidades indígenas o uso da língua materna e métodos próprios de aprendizagem. O sistema educacional deve ser organizado em regime de colaboração entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cada qual com atuação prioritária definida. A União é responsável pela organização do sistema federal e por exercer papel redistributivo e supletivo, enquanto Estados e Municípios assumem prioritariamente o ensino fundamental, médio e a educação infantil, conforme suas competências constitucionais.
Investimentos e repasses obrigatórios
A Constituição Federal estabelece mínimos obrigatórios de investimento em educação: a União deve aplicar ao menos 18% de sua receita de impostos, e Estados e Municípios, pelo menos 25%. Esses recursos devem ser direcionados ao ensino obrigatório, visando universalização, qualidade e equidade. Também admite destinação de recursos a instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas, desde que sem fins lucrativos, ampliando a diversidade educacional do país. A educação básica conta ainda com financiamento adicional por meio do salário-educação, cujas cotas são distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados nas redes públicas.
O Fundeb, reformulado pela EC 108/2020, tornou-se instrumento central na redistribuição de recursos educacionais, destinando percentuais específicos para manutenção da educação básica e remuneração dos profissionais do magistério. Sua composição envolve percentuais de receitas estaduais e municipais, complementações da União e critérios de distribuição baseados em matrículas, modalidades de ensino e indicadores socioeconômicos.
A complementação federal deve alcançar no mínimo 23%, dividida entre mecanismos de equalização pelo valor anual por aluno, pelo valor total por aluno e por indicadores de melhoria da aprendizagem e redução de desigualdades. A legislação específica deve regulamentar organização dos fundos, cálculo dos valores anuais por aluno, mecanismos de transparência, controle social e avaliação dos resultados.
O art. 213 determina que recursos públicos se destinem prioritariamente às escolas públicas, podendo alcançar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas que cumpram requisitos legais, como ausência de fins lucrativos e destinação adequada de patrimônio. Também prevê a concessão de bolsas de estudo quando não houver vagas na rede pública local e autoriza financiamento de atividades de pesquisa, extensão e inovação por universidades e instituições de educação profissional. Por fim, o art. 214 da CF estabelece que o Plano Nacional de Educação, com duração decenal, deve articular o sistema educacional e definir diretrizes, metas e objetivos voltados à erradicação do analfabetismo, universalização do ensino, melhoria da qualidade, formação para o trabalho, promoção científica e tecnológica e fixação de metas de investimento público proporcional ao PIB.
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Para finalizar, vamos lembrar da última decisão do STF que tratou de direitos trabalhistas dos professores. O Tribunal decidiu que o intervalo escolar compõe a jornada de trabalho dos professores e, logo, devem ser remunerados. A decisão ocorreu no julgamento de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, finda na sessão do dia 13 de novembro de 2025.
Para melhor esclarecimento do tema, acesse o texto STF decide que intervalo escolar integra jornada de trabalho de professores.

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