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O Ministro da Educação pode deixar de homologar pareceres do Conselho Nacional de Educação?

Há um rito bastante conhecido das Instituições de Ensino Superior (IES), um momento às vezes aguardado com ansiedade: o ato de homologação dos pareceres exarados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).


O Ministro da Educação homologa pareceres do CNE para dar-lhes validade e efetividade. Esta ato finaliza procedimentos de credenciamento institucional, criando IES ou efetivando uma decisão do CNE na qualidade de instância recursal.


Conforme Decreto 9.235/2017, faz parte da competência do CNE:


  • exercer atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação nos temas afetos à regulação e à supervisão da educação superior, inclusive nos casos omissos e nas dúvidas surgidas na aplicação das disposições deste Decreto;

  • deliberar, por meio da Câmara de Educação Superior, sobre pedidos de credenciamento, recredenciamento e descredenciamento de IES e autorização de oferta de cursos vinculadas a credenciamentos;

  • julgar, por meio da Câmara de Educação Superior, recursos a ele dirigidos nas hipóteses previstas neste Decreto.


Algumas hipóteses de recurso previstas no Decreto 9.235/2017 se referem a casos de supervisão, ou seja, de possíveis infrações cometidas pelas IES. Aqui, porém, nos concentraremos nos recursos em face de decisões que deferem, indeferem autorização de cursos, reduzindo ou não o número de vagas solicitado.


Esta situação está assim descrita na norma:


Art. 44. A Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação procederá à análise dos documentos, sob os aspectos da regularidade formal e do mérito do pedido, e ao final poderá:
I - deferir o pedido de autorização de curso;
II - deferir o pedido de autorização de curso com redução de vagas;
III - deferir o pedido de autorização de curso, em caráter experimental, nos termos do art. 81 da Lei nº 9.394, de 1996 ; ou
IV - indeferir o pedido de autorização de curso.
§ 1º Da decisão do Secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação caberá recurso, no prazo de trinta dias, contado da data da decisão, à Câmara de Educação Superior do CNE.
§ 2º A decisão da Câmara de Educação Superior será submetida à homologação pelo Ministro de Estado da Educação.

A decisão dos recursos cabe, conforme art. 44, § 1º, à Câmara de Educação Superior do CNE. Mas surge desse mesmo artigo uma dúvida: qual seria a natureza da homologação do Ministro prevista no parágrafo segundo? Trata-se de uma atuação meramente confirmatória ou seria o teria o ato de homologar um caráter discricionário, como se fosse uma verdadeira instância revisional?


A definição contida na literatura de Direito Administrativo pode ser vista na obra de Marçal Justen Filho:


Homologação é o ato administrativo unilateral, praticado no exercício de competência vinculada, em que a Administração Pública manifesta formal aprovação a ato jurídico pretérito (eventualmente praticado por ela própria), fundando-se no preenchimento dos requisitos exigidos. (Justen Filho, Marçal Curso de direito administrativo / Marçal Justen Filho. 8. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012. Edição Kindle)

Para José dos Santos Carvalho Filho, a homologação é um ato de confirmação, uma “vontade-meio” que não pode se afastar do procedimento como um todo. Nas palavras do renomado Autor:


Embora nos tenhamos referido à homologação, aprovação e visto, entendemos mais apropriado falar-se em atos de confirmação, em que mais im-portante que a terminologia do ato é a verificação de que a vontade final da Administração só será tida como válida e eficaz com a presença da legítima manifestação volitiva confirmatória da parte de alguns agentes. Uma análise detida do tema há de revelar que um agente, quando homologa, aprova ou apõe o seu visto, está em qualquer caso confirmando a vontade do ato anterior, confirmação essa necessária por força da norma legal ou regulamentar aplicável. Trata-se de hipóteses, como já registramos, em que a lei exige a formalização de procedimento para alcançar a vontade-fim da Administração; todos os atos do procedimento, inclusive os de confirmação, constituem as vontades-meio administrativas. (Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo. 34. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição Kindle)

Sendo ato vinculado, a homologação não pode ser praticada com discricionariedade, ou seja, não é uma decisão livre de quem homologa, neste caso o Ministro da Educação. Porém, atos de confirmação, mesmo quando vinculados, podem avaliar a legalidade dos atos que confirmam. Não podem, entretanto, analisar o mérito dos atos que homologam, exceto quando, excepcionalmente, a lei garante essa amplitude revisional.


Sobre o tema, o Autor citado acima explica:


A homologação, a seu turno, constitui manifestação vinculada, ou seja, praticado o ato, o agente por ela responsável não tem qualquer margem de avaliação quanto à conveniência e oportunidade da conduta. Ou bem procede à homologação, se tiver havido legalidade, ou não o faz em caso contrário. Além do aspecto da vinculação do agente, a homologação traz ainda outra distinção em relação à aprovação: contrariamente a esta, a homologação só pode ser produzida a posteriori.139 Há doutrina que admite a homologação para exame da legalidade e também da conveniência. Não nos parece lógico, com a devida vênia, o exame discricionário da conveniência no ato homologatório, pois que, se assim fosse, nenhuma diferença haveria em relação ao ato de aprovação posterior. Apesar disso, há casos em que a lei, embora de forma imprópria, realmente permite ao agente homologador aferição de legalidade e de conveniência administrativa. É o caso da homologação na licitação. (Carvalho Filho, José dos Santos Manual de direito administrativo. 34. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, edição Kindle)

Este limite para decidir é similar a outro caso de homologação, bem mais regulado e estudado no direito brasileiro: a homologação de sentença internacional. Nesta situação, prevista na Constituição de 1988 e executada pela Superior Tribunal de Justiça (STJ), há um juízo limitado de revisão que os estudiosos denominam “juízo de delibação”. Na decisão do STJ: ... A homologação de decisão estrangeira é ato meramente formal, por meio do qual esta Corte exerce tão somente um juízo de delibação, não adentrando o mérito da disputa original, tampouco averiguando eventual injustiça do decisum alienígena.


A homologação tem como única e exclusiva finalidade transportar para o ordenamento pátrio, se cumpridos todos os requisitos formais exigidos pela legislação brasileira, a decisão prolatada no exterior, nos exatos termos em que proferida. ... (STJ - HDE: 4289 EX 2020/0171831-5, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 18/08/2021, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 23/08/2021).


Ainda sobre o tema, a Amílcar Castro explica:


Delibação, que vem do latim (delibatio-onis), é tirar, colher um pouco de alguma coisa; tocar de leve, saborear, provar, no sentido de experimentar, examinar, verificar; e, portanto, o que pretende significar em direto processual é que o tribunal, tomando conhecimento da sentença estrangeira, para mandar executá-la, toca de leve apenas em seus requisitos externos, examinando sua legitimidade, sem entrar no fundo, ou mérito, do julgado. É este o sistema adotado no Brasil. (CASTRO, Amílcar de. Direito internacional privado. 5. ed., aum. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 555).

Ressalvadas as diferenças quanto às instâncias e a natureza dos atos, a homologação de decisão do CNE pelo Ministro da Educação também deveria limitar-se a análise do cumprimento dos requisitos formais pelo Conselho, deveria aplicar o denominado “juízo de delibação” e, não, uma análise discricionária de mérito.


Em nossa opinião, isso ocorre porque há um poder de revisão limitado, que não pode deixar de ser exercido, afinal: (1) a legislação específica (Regimento do CNE e Decreto 9.235/2017) não prevê a possibilidade de análise do mérito; e (2) o Ministro tem o poder-dever homologar a decisão do CNE sob pena de tornar sem eficácia a instância recursal prevista no Decreto e impede a análise da decisão em duplo grau.

Quanto a este último argumento, é necessário expor que a Lei de Processo Administrativo Federal prevê, como regra, o direito ao recurso no art. 56. E na legislação educacional a competência para o julgamento de recursos sobre atos relativos a processos regulatórios de cursos superiores é da Câmara de Educação Superior do CNE, não do Ministro. Por isso, o Ministro fica obrigado a agir para corrigir erros formais e confirmar a decisão de mérito do CNE.


Além disso, na prática, dever ser constatado que o Órgão recorrido será uma das Secretarias do MEC, geridas, em última análise, pelo Ministro. Talvez por isso a competência tenha sido transferida a um colegiado isento, que não participa da primeira fase da análise do curso. Nesse sentido, a homologação não pode ser caracteriza como um ato discricionário do Ministro, no âmbito de sua competência de supervisionar os órgãos de sua pasta, mas como um ato confirmatório e imparcial.


Por outro lado, a legislação aplicável nada menciona sobre a possibilidade de reanálise do mérito no momento da homologação.


O Decreto 9.235/2017 prevê que:


Art. 4º Ao Ministro de Estado da Educação compete:
I - homologar pareceres do CNE em pedidos de credenciamento, re-credenciamento e descredenciamento de IES;
II - homologar pareceres e propostas de atos normativos aprovados pe-lo CNE;
...
§ 1º O Ministro de Estado da Educação poderá, motivadamente, restituir os processos de competência do CNE para reexame.
§ 2º Os atos homologatórios do Ministro de Estado da Educação são ir-recorríveis na esfera administrativa.

Essa regra, homologar ou devolver motivadamente, é repetida no Regimento Interno do CNE (Resolução....).


Nossa tese, aqui, é que a motivação para devolução limita-se a questões formais, ao cumprimento do procedimento pelo CNE, nunca ao mérito. Eis aí a noção de delibação ou revisionalidade limitada. De fato, o Ministro age para dar validade e eficácia à decisão inclusive quando devolve o parecer para reexame. Neste ato buscar corrigir falha formal para, em seguida, homologar.


Ainda que houvesse possibilidade de análise de mérito para devolução - algo que não consta da norma acima e não parece coerente, frise-se - o Ministro jamais poderia simplesmente decidir em sentido contrário ao CNE, exarando seu despacho como uma espécie de indeferimento. Afinal, não existe competência do Ministro da Educação, prevista em lei, para deferir ou indeferir pareceres do CNE nem mesmo para julgar recursos, substituindo-o.


Mais grave ainda é a prática, recém implantada, de despacho do Ministro da Educação que “deixa de homologar” o parecer do CNE para evitar sua eficácia. Neste caso, com ou sem fundamentação de mérito, a autoridade maior da da área educacional nega vigência ao Decreto 9.235/2017 e toma para si o poder decisório, usurpando competência do CNE e tornando-o órgão meramente figurativo.


Bom dizer, enfim, que o CNE é também órgão deliberativo, como bem define o art. 8º, da Lei 4.024/64, modificada pela Lei 9.131/1995. O que torna não apenas incoerente e injusto, mas ilegal, a usurpação de competência.

Portanto, uma análise aprofundada do ato de homologação do Ministro da Educação nas hipóteses em estudo demonstra que são ilegais os despachos que simplesmente deixam de homologar pareceres do CNE sobre recursos administrativos relativos a cursos superiores.


Sem analisar essa especificidade, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça analisou tal questão e decidiu a favor do Ministério da Educação em caso concreto. Essa decisão, isolada e merecedora de contextualização, será analisada em nosso próximo artigo.


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