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Portaria SERES 397/2023: Padrão decisório para autorizar cursos de medicina já avaliados é casuísmo.

Em agosto de 2023, o Ministro Gilmar Mendes publicou uma medida cautelar em voto muito bem redigido, no qual foi determinada a tramitação regular dos processos já protocolados de autorização de cursos de medicina com fase documental já instaurada, sob o argumento de que “a segurança jurídica deve ser prestigiada” e de que “inúmeras instituições de ensino prosseguiram com processos de implantação de suas unidades educacionais, investindo recursos financeiros e humanos”.


O MEC, irregularmente, mantém esses processos parados, mas agora veio à luz o motivo: ele estava preparando um “padrão decisório” para os processos de autorização e aumento de vagas sub judice. Esse padrão foi publicado agora, na última semana de outubro por meio da Portaria SERES/MEC 397/2023.


O motivo para o propenso padrão seria o fato que o STF determinou que os processos em andamento sejam analisados conforme os parágrafos primeiro, segundo e sétimo do Art. 3º, da Lei n. 12.871/2013 (Lei do Mais Médicos).


Mas o fato é que os dispositivos legais não são uma novidade para o MEC, já que desde 2014 eles são regulamentados. O parágrafo 1º menciona relevância e necessidade de cursos de medicina, bem como alguns serviços médicos, para a “pré-seleção” de municípios, mas pode ser facilmente verificado com base nos critérios dos editais de pré-seleção anteriormente publicados. O paragrafo 2º exige contrapartida, que na própria sistemática do Programa sempre foi ajustada a posteriori, ou seja, primeiro deve ser definido se o curso será ofertado, e depois, naturalmente, implementadas as contrapartidas. E o parágrafo 7º trata de padrões de qualidade e de necessidade social, que já são analisados hoje, até porque o dispositivo é citado nos pareceres finais dos cursos autorizados nos últimos anos.


Não há, portanto, novidade que justifique o bloqueio nos processos, nem que demande um novo padrão decisório. Ao contrário, um novo padrão decisório será certamente considerado ilegal e casuísta.


Em casos assim, o direito tem como princípio a expressão latina de “tempus regit actum” (o tempo rege o ato). Impondo ao sistema jurídico a necessidade de aplicação das normas vigentes no momento do ato, o princípio evita casuísmos — por exemplo, impede que a Administração Pública, conhecendo pontos fortes e fracos de propostas de cursos, selecione o critério que mais reprova ou o que mais lhe convém, por qualquer motivo.


Na prática, criar novos parâmetros seria agir como um professor que lê a prova do aluno primeiro para depois decidir qual o conteúdo e com que extensão será avaliado o exame.


Essa situação afronta, também, o princípio da impessoalidade e da moralidade (Art. 37 da Constituição e Art. 2º, da Lei n. 9.784/1999), ao permitir escolher quem será autorizado e quem terá o curso validado. Especialmente após passar meses travando os processos e analisando-os, a aplicação de parâmetros novos levaria sempre a esta suspeita, mesmo se o objetivo das mudanças for nobre.


O próprio STF tem ampla jurisprudência sobre a aplicação desse princípio em casos nos quais o particular tem que fazer prova de fatos para obter o aval do Estado. Este posicionamento fica particularmente claro em matéria previdenciária, que possui dezenas de precedentes da Suprema Corte (ex. ARE 763.761 -AgR, RE 577.827-AgR, RE 701.207-AgR). Aqui, tal como no direito previdenciário, as Instituições de Ensino já reuniram todas as condições de receber a validação estatal antes da possível norma nova, portanto tempus regit actum.


No STJ o princípio é reiteradamente mencionado e há julgado explicando que: ”a lei vigente na época do fato é a que regulamentará a relação entre as partes envolvidas” (REsp 1798746 / PE). No TRF da 2ª Região há decisão ainda mais específica, no sentido de que “em atenção ao princípio tempus regit actum, deve ser observado, no caso concreto, se a instituição de ensino providenciou as exigências contidas nos referidos atos normativos e não critérios fixados em legislação posterior ao protocolo do pedido e à visita in loco.“ (AC 01282115620174025112 RJ). No mesmo sentido, decidiu o TRF da 1ª Região: “O pedido de autorização de criação de curso superior deve ser analisado pela autoridade competente à luz da legislação vigente à época do requerimento, não sendo legítimo que norma mais gravosa retroaja para o alcance de situações pretéritas. Prevalência do princípio da segurança jurídica” (AI 00446066020144010000).


O MEC certamente conhece essas decisões. Ele foi réu, em casos assim, e por isso deveria evitar a demora em decidir os processos usando os regulamentos e critérios que já possui para cada um dos parágrafos de norma citados pelo STF. Não seria preciso criar obstáculos e não é lícito criar normas novas - nem mesmo usando eufemismos como “padrão regulatório”, pois já existem padrões regulatórios concretos.


Na norma publicada, uma Portaria da SERES, existem vários dizeres que demonstram o afã de impedir a tramitação do processo. Talvez o a maior demonstração disso seja o uso da expressão “sumariamente indeferido” no Art. 2º, parágrafo único, da norma. Além de se tratar e termo que não é utilizado em nenhuma outra norma do MEC, o Órgão deve ter esquecido que de todas as suas decisões cabem recurso (nos termos da Lei n. 9.784/1999 e do Art. 44 do Decreto 9.235/2017). Nesse contexto, a expressão relativa a um ato administrativo sumário passa, no mínimo, uma visão errônea e exagerada dos poderes da SERES.


Não bastasse esse excesso nas palavras, a Portaria também se excede nas exigências e faz justamente o que não poderia: inova para prejudicar as Instituições com processo sub judice. Isso fica evidenciado, por exemplo, a partir da exigência de 3 programas de residência médica implantados (Art. 8º, IV, da Portaria SERES 397/2023). Nem mesmo no edital recentemente publicado há exigência igual, pois lá é exigido apenas um “Plano de Implantação de Residência Médica”.


Outra imposição absurda está no citado Art. 2º da Portaria. Trata-se da exigência de que o município alvo do processo sub judice esteja “...incluído na pré-seleção de municípios prevista no Edital de Chamamento Público nº 1, de 4 de outubro de 2023”. Nesse caso, a atuação como “professor que deseja reprovar alunos” é indisfarçável, pois, antes de fazer o edital e até mesmo de pré-selecionar as cidades, o MEC já sabia quais eram as localidades para as quais havia decisão judicial. Aqui, o que deve ser dito é que o Órgão enfrenta nitidamente o Poder Judiciário – o STF, especificamente – concedendo a si mesmo o direito de desfazer todas as decisões que desejar e de negligenciar a ordem que buscava segurança jurídica e proteção dos investimentos.


Enfim, a segurança jurídica muito bem delineada da decisão cautelar do STF precisa ser respeitada pelo MEC. Boas intenções e a valorização de políticas públicas relevantes são ótimos sinais de melhorias futuras, mas nada disso estará correto se quebradas algumas das regras mais básicas do Estado Democrático de Direito. Aplicar normas novas aos processos em andamento é casuísmo, fere a moralidade e a impessoalidade, e destoa, enfim, do que se espera da Administração Pública.


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