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Pseudociência no ensino da saúde?


Em outubro de 2020, um grupo de quase 3 mil médicos, cientistas e outros profissionais de 44 países lançou um manifesto contra a pseudociência na saúde.

No documento, os profissionais afirmam que alguns ainda acreditam que existe um conflito entre a liberdade de escolha de um tratamento e a proibição de pseudoterapias, mas que isso não representa a verdade. Ponderam que, de acordo com o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, toda pessoa tem direito a cuidados médicos e que mentir aos pacientes para vender produtos inúteis que podem matá-los quebra o direito de receber informações corretas sobre sua saúde. Desta maneira, mesmo que um cidadão tenha o direito de recusar tratamento médico - desde que devidamente informado - também é verdade que ninguém tem o direito de mentir para obter lucro à custa da vida de outra pessoa.


Os profissionais afirmam que somente em um mundo em que mentir para uma pessoa doente fosse considerado ético qualquer pseudoterapia poderia continuar a ser vendida.


Alertam que um tratamento eficaz sendo substituído por um falso também não é um perigo único: atrasos desnecessários nos recursos terapêuticos também têm sérios efeitos por si mesmos, podendo causar danos graves ou mesmo a morte.


Muitos pseudoterapeutas, de acordo com o manifesto, argumentam que “o outro medicamento” também traz efeitos colaterais, o que não é mentira. Mas a diferença está em que as pseudoterapias não podem curar uma doença ou melhorar a saúde do paciente, que assume riscos em troca de promessas sem nenhum embasamento das evidências científicas disponíveis.


Cada país tem que enfrentar o problema das pseudoterapias à sua maneira, dizem os profissionais, mas, a seu critério, eles não entendem como aceitável que as leis europeias protejam a distorção dos dados científicos de modo que milhares de cidadãos possam ser enganados e, muitas vezes, levados à morte.


A iniciativa, ao final, pede a revogação de leis e regulamentações que permitem e estimulam a disseminação destas práticas nos países do continente europeu.


"Importantes lobbies tiveram, assim, a oportunidade de redefinir o que é um medicamento e agora vendem açúcar a pessoas doentes, fazendo-as crer que se podem curar ou melhorar o estado de saúde. Isto resultou em mortes, que continuarão a ocorrer até que a Europa admita uma realidade indiscutível: o conhecimento científico não se pode vergar aos interesses econômicos de uns poucos, muito menos se isso implicar enganar pacientes e violar os seus direitos”.


O Instituto Questão de Ciência também repercutiu o manifesto e lembrou que a Europa, como o Brasil, já “enfrenta problemas graves de saúde pública o bastante, do financiamento insuficiente ao excesso de medicalização e o surgimento de bactérias super-resistentes, para também ter que se preocupar com a atuação de “gurus, falsos médicos ou até médicos formados” que afirmam poder curar câncer ou outras doenças por meio de coisas como “manipulação de chakras, da ingestão de açúcar ou da aplicação de ‘frequências quânticas’”.

Ensino de pseudociências no curso de Enfermagem?


Uma disciplina do curso de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), com caráter obrigatório e a ser oferecida no quinto semestre, suscitou um manifesto dos docentes da área de Física do Instituto de Matemática, Estatística e Física (IMEF) da mesma Universidade.


Os professores registraram sua preocupação quanto ao teor da ementa da disciplina "Perspectiva Quântica para o Cuidado de Enfermagem/Saúde" para o curso de Enfermagem da FURG. De acordo com o protesto dos docentes, realizado em abril deste ano, a ementa se utiliza da nomenclatura particular da Teoria Quântica vinculada a práticas de saúde e/ou enfermagem que não têm qualquer suporte científico de correlação ou vínculo com a Teoria Quântica, e em qualquer contexto conhecido é suportado por ela.


Ainda, afirmam que a ementa e a bibliografia apresentadas configuram pseudociência, ao contrário do atual panorama científico em que a Física e a Teoria Quântica estão inseridas. Para os professores, a ementa da disciplina configura uma associação perniciosa e errônea de uma teoria com ampla base científica e pseudociências.


O documento apresenta uma breve explicação da Teoria Quântica e das razões pelas quais ela é pouco útil no contexto em que normalmente é utilizada. Discorre também sobre a falta de amparo científico para sua aplicação e sobre o frequente uso indiscriminado do termo “quântico” para caracterizar processos e situações que pouca ou nenhuma relação trazem com a teoria estudada no escopo da Física.


Os professores questionam a utilização do termo como nome de disciplina do curso de Enfermagem (Perspectiva Quântica para o Cuidado de Enfermagem/Saúde) e salientam que não existe relação clara entre o que a ementa apresenta – Contribuições da Teoria Quântica – e a prática de saúde, além de criticar a utilização de termos adaptados, com bibliografia direcionada para uma linha pseudocientífica, o que pode fazer com que os acadêmicos do curso incorram no erro de assumir posturas não científicas como científicas.


Por fim, os docentes afirmam que termos deslocados e bibliografia pseudocientífica não podem ter lugar dentro da cultura acadêmica e solicitam a revogação dos atos da reunião ordinária do Conselho da Escola de Enfermagem que extinguiu a disciplina Terapias Integrativas e a substituiu pela disciplina “Perspectiva Quântica para o Cuidado de Enfermagem/Saúde”. Solicitaram também a rediscussão do nome e da ementa da disciplina que venha a ser criada, retirando toda e qualquer menção à Teoria Quântica ou conceitos associados, eliminando qualquer vinculação com a Física.


É bom ressaltar que os professores que assinaram o manifesto expressaram defender a livre manifestação do pensamento na universidade e em todos os espaços públicos; o documento, em seus dizeres, pretendeu tão somente, como um ato concreto de repúdio, manter os princípios da ciência como um dos pilares na construção do conhecimento dentro da universidade.


A Universidade se pronunciou em sua conta no Twitter reafirmando sua posição institucional de que a ciência e seu impacto social são sua razão de existir enquanto universidade pública e gratuita e que os currículos dos cursos de graduação são dinâmicos e estão sempre em transformação. Também, que está em movimento, é local de debate e de pluralismo; por fim, que reputa importante a discussão, e que oferece elementos “que permitem à universidade se pensar/repensar”.

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