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Medicina e a ADC 81: novo voto confirma que o STF não validou a Portaria 531

Voto do Min. André Mendonça complementa voto do Relator para deixar clara a competência das instâncias originárias.


Nos últimos meses, a União passou a sustentar – em diversas manifestações processuais e incidentes perante o Judiciário – a narrativa de que o voto do Relator nos embargos da ADC nº 81 teria validado a Portaria nº 531/2023, de modo que a palavra final sobre a norma caberia ao próprio STF. O reinício do julgamento dos embargos, porém, evidencia que essa leitura não se sustenta.


Até novembro, havia apenas o voto do Relator, acompanhado parcialmente por três ministros. Nele, o Relator rejeitou os recursos de terceiros e deu parcial provimento aos embargos das autoras apenas para acrescer fundamentação, sem qualquer efeito modificativo, preservando integralmente o acórdão da ADC nº 81..


Os embargos não tratavam da legalidade dos chamamentos públicos previstos na Lei nº 12.871/2013 - confirmada na ADC - nem da modulação de efeitos para manter cursos já instalados por decisão judicial e permitir o prosseguimento de processos administrativos já avançados, desde que analisados segundo o art. 3º, §§ 1º, 2º e 7º, da Lei. Tratavam de uma regulamentação feita pela União: a Portaria nº 531.


Nos esclarecimentos do voto, o Relator deixou claro que a legalidade da norma regulamentar não era objeto de análise e apenas mencionou que alguns de seus critérios guardavam compatibilidade abstrata com a lógica decisória da ADC. Esse tipo de comentário é classificado como obiter dictum: uma observação lateral pelo Poder Judiciário, sem efeito prático no resultado do julgamento. Outros três ministros acompanharam o Relator também nesse ponto.


Surgiu, contudo, posição divergente quanto a esses pontos acessórios. O Ministro André Mendonça, em voto de 14 de novembro, concordou em rejeitar os embargos e concordou que não houve análise da legalidade da Portaria, mas debateu a necessidade e o alcance desses obiter dicta. O motivo é direto:


“…Se o ato editado pelo Ministério da Educação não é (e nem poderia ser) objeto das presentes ações diretas, não há razão para que se avance no exame dos pedidos formulados nos embargos, a fim de que haja manifestação desse Tribunal — em sede abstrata — sobre a adequação ou a inadequação dos critérios estabelecidos na Portaria”.

Com base nessa premissa, concluiu que não cabe ao STF antecipar juízo sobre a validade ou suficiência dos critérios adotados pelo MEC. E detalhou:


“…os critérios estabelecidos pelo MEC na Portaria SERES/MEC nº 531, de 2023, não devem estar imunes à análise jurisdicional. Em outros termos, se verificada, pelo juízo da causa, a incompatibilidade dos parâmetros previstos no ato normativo do MEC com o caso concreto, à luz do que decido na ADC nº 81/DF e na ADI nº 7.187/DF, a incidência da Portaria pode ser eventualmente afastada”. (grifos no original)

Este trecho revela a questão de fundo. Em todo o país, a União tenta usar as opiniões laterais do Relator como se fossem uma validação do STF à Portaria nº 531, o que nunca ocorreu. O voto de André Mendonça enfrenta exatamente esse uso indevido, ao reafirmar que, ao “apreciar reclamações cujo paradigma é a ADC nº 81/DF, venho reiterando a necessidade de que o exame do interesse social deve ser empreendido caso-a-caso, considerando as circunstâncias particulares de cada pedido e com observância ao devido processo legal (grifos no original). O texto afasta qualquer interpretação de que haveria uma validação ex ante da Portaria.


O voto também reforça que a análise da necessidade social dos cursos não pode ser substituída por critérios rígidos – como a aplicação de uma proporção pré-definida de médicos por habitantes, no nosso entendimento – que inviabilizem a avaliação concreta das circunstâncias de cada pedido administrativo, com contraditório efetivo e participação real das partes.


Essa postura é coerente com os demais trechos já citados, segundo os quais os critérios da Portaria “não devem estar imunes à análise jurisdicional” e a própria norma “pode ser eventualmente afastada” conforme o livre convencimento do juiz. Não há divergência sobre o mérito da ADC nº 81 nem sobre o papel do STF nas ADC, que permanece limitado ao controle abstrato. O que existe é apenas uma delimitação mais precisa do alcance dos esclarecimentos feitos pelo Relator.


Nesse cenário, merece destaque o primeiro voto de vista, do Ministro Dias Toffoli. Embora também rejeite todos os embargos, opta por manter as observações laterais tal como apresentadas pelo Relator, sem lhes conferir alcance ampliado. Essa posição evidencia que a parte final do voto do Relator ainda comportava ajustes, ponto que seria posteriormente desenvolvido.


Os votos nos embargos são, ao fim, convergentes. Em março, o Relator Gilmar Mendes acolheu parcialmente os embargos dos autores das ações apenas para acrescer fundamentação, sem alterar o resultado da ADC 81. Em junho, o Ministro Dias Toffoli rejeitou todos os embargos e manteve as observações do Relator. Em novembro, o Ministro André Mendonça rejeitou tanto os embargos quanto a permanência dessas observações, enfatizando que a Portaria não é objeto da ADC. Apesar das nuances, todos chegam ao mesmo ponto: nenhum voto valida a Portaria nº 531/2023, e a análise concreta permanece nas instâncias ordinárias.


Aliás, o próprio Relator registrou em seu voto que “eventual equívoco da administração pública (…) ensejaria, ao menos em tese, pretensão individual e subjetiva a ser manejada no foro judicial adequado”. E tanto ele quanto os Ministros Dias Toffoli e Flávio Dino já decidiram dessa forma em reclamações, preservando a competência das instâncias de origem. O mesmo vale para o Ministro Nunes Marques, em tutela provisória recente, e para o próprio André Mendonça, em decisão mencionada neste novo voto.


Dessa forma, o novo voto funciona como uma atualização prudencial do voto do Relator e, ao mesmo tempo, como um freio hermenêutico à União, para impedir interpretações distorcidas das obiter dicta – especialmente as leituras feitas no sentido de sugerir uma validação do STF para a controversa Portaria nº 531.


Faltam, agora, poucos votos para o encerramento do julgamento da ADC nº 81, e a União está prestes a perder o argumento de que “aguarda” sua conclusão. Com o voto de Toffoli – que rejeita os embargos acolhidos parcialmente pelo Relator – e o bem fundamentado voto de André Mendonça, mais uma fonte de confusão foi afastada. Resta que esse quadro se traduza no devido respeito às decisões de primeira e segunda instâncias, que a União reiteradamente insiste em não cumprir.


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