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EC 138/25 permite a acumulação de um cargo de professor com outro de qualquer natureza

A Emenda Constitucional nº 138/2025 promoveu uma alteração relevante no regime jurídico da administração pública ao autorizar expressamente a acumulação remunerada de um cargo de professor com outro de qualquer natureza, desde que respeitadas a compatibilidade de horários e a observância do teto constitucional. Trata-se de uma mudança que, embora pontual na redação constitucional, produz efeitos jurídicos, administrativos e educacionais significativos. Esta emenda cuida de uma controvérsia histórica, conferindo maior segurança normativa à gestão de pessoas no setor público.

 

Pois bem, na redação original da Constituição Federal de 1988, o art. 37 permitia a acumulação do cargo de professor apenas com outro cargo técnico ou científico, condicionando essa possibilidade à compatibilidade de horários e ao teto remuneratório. Ao longo dos anos, essa fórmula revelou-se problemática. A expressão “cargo técnico ou científico”, ainda que disposta no texto constitucional, sempre careceu de precisão conceitual, abrindo espaço para interpretações divergentes por parte da administração pública, dos tribunais de contas e do próprio Poder Judiciário.

 

Foi nesse contexto que, em 2019, iniciou-se a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 169, posteriormente aprovada e convertida na EC nº 138/2025. A principal motivação dos autores da proposta foi justamente eliminar a insegurança jurídica gerada pela interpretação do que seria, afinal, um cargo técnico ou científico. A justificativa da PEC apoiou-se em base doutrinária, destacando, entre outros autores, José dos Santos Carvalho Filho, para quem a falta de precisão da expressão constitucional sempre provocou dúvidas relevantes na administração.

 

De fato, tanto a doutrina quanto a jurisprudência passaram a adotar, de forma majoritária, o entendimento de que os cargos de natureza científica estariam englobados nos de natureza técnica. Ainda assim, persistia a dificuldade prática de definição. Os legisladores observaram que, na tentativa de resolver o problema, consolidou-se o entendimento de que cargos técnicos seriam aqueles cujo ingresso exige diploma de nível superior ou formação técnica de nível médio, utilizando-se como critério os requisitos formais do cargo, e não as situações concretas em que o conhecimento técnico é efetivamente utilizado.

 

Outro ponto enfatizado foi que a denominação do cargo é irrelevante para sua caracterização como técnico ou não. O elemento determinante estaria nas atribuições e nos requisitos de acesso, desde que as funções se distinguissem das atividades meramente burocráticas e rotineiras. Ainda assim, essa construção interpretativa exigia análises caso a caso, frequentemente judicializadas, gerando custos institucionais, atrasos administrativos e decisões contraditórias.

 

A EC nº 138/2025 optou por uma solução clara e objetiva: suprimir a exigência de que o segundo cargo seja técnico ou científico, passando a exigir apenas que um dos vínculos seja de professor, e que o outro possa ser de qualquer natureza. Com isso, o texto constitucional desloca o foco do debate conceitual para critérios objetivos já consolidados: compatibilidade de horários e respeito ao teto remuneratório.

 

Durante a tramitação legislativa, a proposta recebeu a Emenda nº 1, na Comissão de Constituição e Justiça, de autoria do Senador Jorge Kajuru, que sugeriu alterações mais amplas, incluindo a redefinição do teto remuneratório dos agentes públicos e a forma de sua aplicação nos casos de acumulação. Essas sugestões não alteraram o núcleo da proposta, que permaneceu centrado na ampliação da possibilidade de acumulação para professores.

 

Do ponto de vista constitucional, a justificativa do projeto ressaltou a plena compatibilidade da nova regra com os princípios da administração pública, previstos no caput do art. 37 da Constituição: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A alteração não flexibiliza esses princípios, tampouco cria privilégios indevidos. Ao contrário, busca racionalizar a gestão pública, eliminar ambiguidades normativas e alinhar o texto constitucional à realidade administrativa já vivenciada.

 

Sob o aspecto do mérito, a norma foi considerada razoável e proporcional, além de compatível com o interesse público. A emenda preservou integralmente as condições constitucionais para o acúmulo de cargos: a compatibilidade de horários permanece como requisito essencial, evitando prejuízos à prestação do serviço público, e o teto remuneratório continua sendo aplicado. Nesse ponto, é importante destacar que o Supremo Tribunal Federal já consolidou entendimento relevante sobre o tema.

 

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 612.975, em abril de 2017, o STF fixou tese de repercussão geral segundo a qual, nos casos constitucionalmente autorizados de acumulação de cargos, a incidência do teto remuneratório deve considerar cada vínculo de forma individual, afastando a aplicação do teto sobre o somatório das remunerações. Assim, a EC nº 138/2025 não altera esse entendimento, apenas o incorpora de maneira coerente ao novo regime de acumulação.

 

Para além do aspecto jurídico-administrativo, a mudança foi amplamente bem recebida no Congresso Nacional sob a ótica educacional. A possibilidade de o professor exercer outro cargo público de qualquer natureza amplia significativamente suas oportunidades de atuação profissional. Essa ampliação não deve ser vista apenas como uma vantagem individual, mas como um fator potencial de qualificação da atividade docente.

 

Ao atuar em outros espaços institucionais, o professor tem a oportunidade de adquirir novos conhecimentos, desenvolver competências transversais, compreender melhor a dinâmica de diferentes políticas públicas e, em muitos casos, exercer funções de liderança e gestão. Essas experiências tendem a retroalimentar a prática pedagógica, enriquecendo o processo de ensino-aprendizagem e aproximando a sala de aula das realidades concretas do setor público e da sociedade.

 

Embora esse impacto seja difícil de mensurar em termos quantitativos, trata-se de um efeito qualitativo relevante, alinhado ao objetivo central das políticas educacionais: a melhoria da qualidade do ensino. A valorização do professor não se restringe à remuneração, mas envolve reconhecimento profissional, ampliação de trajetórias e fortalecimento de sua identidade como agente estratégico do desenvolvimento social.

 

A justificativa da PEC também destacou que a ampliação das possibilidades de acumulação cria novas fontes legítimas de renda para os docentes, especialmente em um cenário em que a valorização salarial do magistério ainda enfrenta desafios estruturais. Ao permitir que o professor atue em outros cargos públicos, o Estado reconhece a multiplicidade de competências desses profissionais e contribui para sua permanência qualificada no serviço público.

 

A EC nº 138/2025 representa um avanço normativo relevante ao eliminar uma fonte histórica de insegurança jurídica, alinhar o texto constitucional à prática administrativa e valorizar o papel do professor na administração pública. A mudança não fragiliza controles, não relativiza princípios constitucionais e não compromete a eficiência do serviço público. Ao contrário, oferece maior clareza, previsibilidade e racionalidade à gestão de pessoas.

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