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Aspectos jurídicos da recreação ofertada por escolas de educação infantil e básica

Certamente, existe uma imensa demanda para volta às aulas, inclusive de crianças muito pequenas, em creches. Por outro lado, a crise imposta às escolas pressiona para que voltem rápido. Entendemos que a solução para essa situação, num momento em que a sociedade vive uma crise sanitária sem precedentes, deve ser técnica, baseada em ciência e ponderação.


Todavia, existem questões jurídicas que devem permear as decisões sobre a oferta de atividades substitutivas, como a recreação e as escolas de esportes nas cidades em que há uma restrição de funcionamento das escolas de ensino infantil e básico.


Em Belo Horizonte, por exemplo, a suspensão das aulas nas escolas do município foi determinada pelo executivo municipal por meio do Decreto nº 17.304, de 18 de março de 2020. Na mesma época, o governo de Minas Gerais também suspendeu as aulas presenciais em sua rede de ensino.


Em setembro de 2020, o estado autorizou o retorno às escolas, mas a prefeitura da capital, que não havia aderido ao Programa Minas Consciente, determinou o recolhimento do alvará de funcionamento das instituições de ensino infantil, fundamental, médio e superior.

A prefeitura, à época, afirmou que o retorno era precoce e colocava em risco professores, alunos e familiares. Os indicadores epidemiológicos não eram favoráveis e o decreto com a restrição foi publicado.


Apenas as escolas de nível superior e técnico que ministram cursos na área da saúde continuaram com autorização para funcionar em BH, e apenas para aulas laboratoriais e práticas, desde que previamente autorizadas pela Secretaria Municipal de Saúde.

O Ministério Público de Minas Gerais chegou a instaurar ação civil pública para apurar as circunstâncias da suspensão dos alvarás dos estabelecimentos de ensino, decorrente de denúncia feita pelo Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) e representantes de escolas.


Mas a legalidade do Decreto não nos parece questionável: ele foi editado no momento em que o governo do estado sinalizou a reabertura de escolas localizadas nas zonas verdes. Mas, como mencionado, a capital não segue as determinações do estado para tais liberações. Ela constituiu seu próprio Comitê de Enfrentamento à Covid-19 e possui legitimidade – conferida pelo STF - para executar medidas sanitárias, epidemiológicas e administrativas relacionadas ao combate ao novo vírus.


Como saída para essas restrições, as Instituições de Ensino estão ofertando atividades de recreação em seus espaços. Uma solução que está se generalizando em Minas Gerais e provavelmente em outros estados. A opção parece razoável, desde que respeitado o controle de aglomerações e algumas recomendações jurídicas.


Inicialmente, é importante dizer que há uma tênue linha entre a simulação e a oferta de uma opção para a sociedade. Usar a denominação “recreação” para ofertar atividades de ensino no contexto escrito é fraude! Simula-se uma atividade em tese permitida - recreação - mas o objeto do contrato é ensino. De fato, em Minas Gerais, o Poder Judiciário tratou conjuntamente os temas em alguns julgados; nesse sentido, em decisão que nega a possibilidade de volta as aulas em 2021 para várias escolas da capital mineira, o TJMG afirmou:


“…diante do princípio da predominância do interesse – que, no caso dos municípios é o interesse local – a municipalidade pode (e deve) atuar no espaço normativo não regulado diretamente pelos demais entes políticos. E repita-se: os serviços de educação e mesmo de recreação não foram ressalvados como essenciais, nem pela União, e nem pelo Estado de Minas Gerais…” (processo nº 1.0000.20.545349-1/000)

Na decisão, que trata especificamente de Belo Horizonte, o que desejamos frisar é que os temas recreação e ensino são tratados conjuntamente. E analisando o texto completo do ato judicial, é fácil perceber que o que se busca impedir são as aglomerações, que podem ocorrer tanto em atividades de ensino quando em recreação.


Além da necessidade de uma organização rigorosa e um número reduzido de alunos por turma e turno, para evitar aglomerações e aplicar as melhores práticas, também é necessário um olhar para questões mais formais.


Aqui, neste primeiro artigo, mencionaremos três assuntos: o objeto do contrato; as relações trabalhistas; e o efeito educacional das atividades de recreação.


O objeto do contrato


Quanto ao objeto, é importante dizer que o ensino é atividade extremamente regulada, com cláusulas contratuais obrigatórias, por exemplo. E há também uma atividade específica, prevista no cadastro CNAE (n. 8512-1/00 Educação infantil – pré-escola) e que não compreende as atividades de recreação ou ensino de esportes.


Esse instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos da administração tributária aplica-se a todas as empresas privadas ou públicas do país, às instituições sem fins lucrativos e aos agentes autônomos.


A indicação de CNAEs específicas de uma Instituição de Ensino constam no seu contrato social ou ato constitutivo, bem como no comprovante de inscrição no CNPJ emitido pela Receita Federal e afeta o pagamento de impostos.


Possuir CNAE diferente da atividade que está sendo exercida pode ocasionar problemas para a instituição escolar, como irregularidades no pagamento dos impostos e, consequentemente, o recebimento de multas. Instituições atuando com o CNAE equivocado também podem perder incentivos fiscais.


Nesse sentido, é importante que seja feito com os antigos alunos contratos específicos (novos), usando CNPJ válido e, preferencialmente, que seja oferecida atividade de recreação por empresa especializada.


As relações trabalhistas


Outra implicação é trabalhista. O funcionário em trabalho na recreação das escolas não pode ser o mesmo à serviço do ensino. Ou seja, o professor não pode assumir a atividade de um recreador e também não pode, no momento, por ausência de autorização, atuar em seu papel primordial.


As atividades são tão diferentes que a forma de pagamento - e as condições previstas em convenção coletiva - criam uma barreira para que uma pessoa contratada como docente possa atuar como recreadora, simplesmente. Essa situação também é relevante porque pode caracterizar a simulação, já tratada acima. Portanto, o uso de professores como recreadores, que fica hoje entre uma solução e um aviltamento da profissão, gera risco trabalhista e expõe uma potencial e indesejada simulação.


Enfim, no que toca às funções dos professores, não há como serem modificadas por decisão das escolas que estão em funcionamento com base nas liminares. As instituições de ensino que assim o fizerem podem ser responsabilizadas a cumprir – por todo o tempo trabalhado - com todas as verbas trabalhistas decorrentes do enquadramento profissional diferenciado.


O efeito educacional das atividades de recreação


Por fim, existe a questão educacional. Pais que hoje aceitam que seus filhos fiquem “apenas” na recreação, amanhã podem naturalmente demandar certificados e até diplomas que demonstrem o exercício por seus filhos de atividades letivas.


Nesse caso, cabe lembrar a Resolução CNE/CP 2/2020, que exigiu a validação das atividades remotas de ensino básico. Diante daquela linha normativa, não seria inesperado nem absurdo que os Conselhos Estaduais e Municipais impusessem barreiras para emissão de certificados e diplomas mesmo que as escolas decidissem assumir o ônus perante as prefeituras e estados. Assim, o enfrentamento, além de irregular poderia ter resultados que não satisfazem os interessados.


Um planejamento rigoroso de atividades efetivamente lícitas, unido a contratos bem feitos e alvarás obtidos para as atividades que satisfazem interesse público pode, sim, ser uma solução para a crise financeira das escolas e para os pais, que muitas vezes precisam voltar ao trabalho e precisam ter certeza que seus filhos estão bem. Mas há sérias dúvidas de que isto esteja acontecendo em todos os espaços escolares que, de repente, se tornaram locais de recreação.


As questões práticas apontadas são importantes e devem ser bem avaliadas por cada instituição antes de se dispor a requerer judicialmente a abertura de suas portas.




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